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Os atos necessarios

CB, Opiniao, p.21
Autor: SANTAYANA, Mauro
17 de Fev de 2005

Os atos necessários
Mauro Santayana

Soberano, resumiu o jurista Carl Schmitt, é quem pratica o ato necessário. O primeiro de nossos constrangimentos com o que ocorreu em Anapu, e vem ocorrendo em toda a área, é a presença de missionários estrangeiros, que ali se encontram a fim de defender os nossos compatriotas contra o poder de criminosos, grandes ou pequenos. Mesmo que se trate de pessoas como a irmã Dorothy Stanger, que optou pela nacionalidade brasileira, é vergonhoso saber que não estamos sendo capazes de dispensar essa ajuda.

Não tenhamos ilusões: entre os que ali chegam, para defender os índios, os caboclos, as árvores, os mamíferos em perigo de extinção, se encontram os que, usando a solidariedade como pretexto, constituem a vanguarda de uma invasão planejada. Há missionários e missionários, pesquisadores e pesquisadores, ecologistas e ecologistas — e convém identificá-los bem.

Devemos zelar pelo que nos pertence. Uma nação que se preza edifica e conserva um Estado capaz de criar as próprias leis e fazê-las cumprir dentro das fronteiras históricas. Quando estrangeiros são convocados, pelas circunstâncias, a instar o Estado a que cumpra os seus deveres e a confrontar-se com as próprias autoridades, e até mesmo morrer, como tem ocorrido no Pará, diga o que se disser, estamos renunciando aos nossos deveres soberanos.

Com isso, damos pretexto à nota, desnecessária e estranha, do embaixador norte-americano: afinal, se a irmã Dorothy Stanger, por própria opção, era cidadã brasileira, soa como advertência intempestiva a observação de que confia nas autoridades brasileiras. Não lhe cabe confiar, nem desconfiar. Não lhe cabe dar palpites, como não cabia a qualquer estrangeiro dar palpites quando houve o assassinato de Chico Mendes. Cuidem os norte-americanos dos próprios criminosos, entre eles os torturadores de Guantánamo e os larápios de Wall Street, e nos deixem cuidar dos nossos.

Por falar nisso: se a irmã recebia recursos oficiais norte-americanos, como informa a embaixada ianque (Folha, terça-feira), é bom que se esclareça a que pretexto essa ajuda se deu. Não que queiramos diminuir o seu sacrifício, desmerecer seu altruísmo e o seu martírio. O crime é uma afronta a todos os brasileiros, mas conhecer suas circunstâncias é nosso dever.

Não podemos continuar aceitando donativos dessa natureza – como os temos recebido historicamente, desde o famigerado Ponto IV, até os recursos repassados diretamente aos delegados da Polícia Federal, a fim de combater o narcotráfico. A aceitação desse adjutório já é confissão de que não exercemos plenamente nossa soberania.

Outro aspecto é o do respeito à Federação. Os sucessivos governos militares acabaram com a autonomia dos estados, retirando-lhes a capacidade de impor a lei e a ordem nas grandes áreas de ocupação recente. Mas o limite da autonomia dos estados é a soberania nacional. Quando a integridade territorial da República e a sua independência se encontram ameaçadas, a ação federal, dentro dos postulados constitucionais, é ato necessário de soberania.

Há, no combate ao crime naquela região, três questões: a primeira, policial, deve ser resolvida pela polícia. Outra, a de segurança nacional, terá que contar com as Forças Armadas. E a mais importante, a social, só a reforma agrária e a ocupação racional podem resolver. As Forças Armadas não podem atuar como polícia: nada interessa mais aos nossos potenciais inimigos do que a militarização do conflito.

As terras em disputa na Amazônia pertencem a todos os brasileiros. Houve, e ainda há, cessão criminosa de glebas públicas a bandidos que se tornaram latifundiários, e a latifundiários que se tornaram bandidos. Esses títulos devem ser cassados e os responsáveis levados à Justiça. A Polícia Federal terá de ser reorganizada, com mais efetivos e ampliadas prerrogativas legais a fim de que possa varrer o banditismo fundiário, levando aos tribunais os assassinos vulgares e os seus mandantes. É preciso que ela combata também os madeireiros predadores, os incendiários, os transgenicultores, os saqueadores de nossa biodiversidade.
O governo passado demoliu o Estado Republicano, entregando as decisões políticas às chamadas forças do mercado e privatizando os serviços públicos, entre eles o da segurança. É preciso agir com urgência e determinação no episódio e impor a presença do Estado na Amazônia. Ao mesmo tempo devemos restaurar a República e a Federação, a fim de que a ordem da justiça imponha a paz. A sociedade brasileira, para manter a soberania sobre a Amazônia, terá que exercer os atos políticos necessários.

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