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Organizações ligadas à educação indígena entregam carta ao MEC

ANAÍ-Salvador-BA
26 de Mai de 2003

As nove ONGs indígenas e indigenistas que integram a Rede de Cooperaç
ão Alternativa, entre elas o ISA, encaminharam na semana passada, à pro
fessora Maria José Feres, secretária de Educação Fundamental do Min
istério da Educação (MEC), um documento sobre o impasse da política
adotada pelo órgão federal no apoio a projetos de educação indíg
ena. Leia a seguir o texto na íntegra.

Brasília, 19 de maio de 2003

Prof. Maria José Feres
Secretaria de Educação Fundamental
Ministério da Educação
Esplanada dos Ministérios - Bloco L - sala 500
70047-900 Brasília DF

Prezada Sra.

Vimos externar nesta carta nossa preocupação quanto à indefini
ção, por parte do Ministério da Educação, de medidas concretas qu
e venham possibilitar a continuidade de programas de apoio à educação
indígena propostos por organizações não governamentais, sem fins l
ucrativos, que trabalham em parceria com os povos indígenas no Brasil.

Nós, que assinamos esta carta, fazemos parte da Rede de Cooperaç
ão Alternativa (RCA-Brasil), composta por nove instituições não gov
ernamentais indígenas e indigenistas, responsáveis pela condução de
programas de educação indígena junto a inúmeras comunidades de dif
erentes povos em diferentes regiões do Brasil. Esta rede recebe recursos
da cooperação norueguesa, por intermédio da Fundação Rainforest d
a Noruega. Alguns de nossos programas já duram mais de vinte anos e nossa
s práticas serviram de referência tanto para a nova legislação educ
acional indigenista, que se consolidou nos últimos anos, quanto ao próp
rio estado brasileiro na definição das diretrizes que orientaram a form
ulação de novos paradigmas e de modelos de escola indígena, que o MEC
vem tentando propor como política pública nessa área.

No MEC, a questão do financiamento à iniciativas de melhoria da q
ualidade do ensino em terras indígenas seguiu dois caminhos distintos. Pa
ra as secretarias estaduais e municipais de educação foram destinados r
ecursos do FNDF. Para as ONGS e universidades, criou-se uma linha de financ
iamento, via convênio MEC-PNUD, que ainda que limitada e restrita, possib
ilitou apoios importantes para o início e para a continuidade de programa
s de formação de professores indígenas e de produção e publicaç
ão de materiais didático-pedagógicos diferenciados. Esse financiament
o sempre foi parcial, sendo necessário contar com o apoio de agências i
nternacionais, cujos recursos tornam-se cada vez mais escassos.

A interrupção no financiamento do MEC aos projetos propostos pela
s ongs desde o ano passado e a não sinalização do equacionamento dess
a questão, deixa-nos apreensivos e compromete o programa de trabalho que
vimos desenvolvendo há vários anos junto a diferentes povos indígenas
. Nesse sentido, precisamos saber como e quando as parcerias do MEC com a s
ociedade civil irão se definir, e em que bases elas serão construídas
.

Sabemos que as escolas indígenas são responsabilidade dos governo
s estaduais e municipais e que seus orçamentos anuais já deveriam estar
alocando recursos para garantir o prosseguimento das aulas nas comunidades
indígenas em todo país. Mas lembramos que o MEC também está compro
metido com uma boa parcela da qualidade de ensino que tem sido aplicado em
projetos que, se não majoritários, foram formulados para servir de apoi
o ou mesmo de referência para algumas iniciativas em diversas terras ind
ígenas no Brasil. Sejam iniciativas em parceria com municípios ou estad
os, sejam iniciativas autônomas, mas que dialogam com setores do governo
e seguem as diretrizes do MEC. Essas instituições não-governamentais
contam com a participação do estado brasileiro para realizar uma parte
representativa de seu trabalho.

Nossa preocupação reside da constatação de que o pressuposto
dos doadores - na maior parte fundações estrangeiras que atentam para o
s aspectos jurídico-legais dos países beneficiários - é que, nos pa
íses democráticos, as áreas de saúde e educação são compromis
so dos estados nacionais. O campo de negociação de instituições sem
fins lucrativos e não governamentais para a execução de projetos nes
sas áreas fica comprometido quando não apresentam uma contrapartida das
instâncias governamentais, expressando sua responsabilidade com a quest
ão da educação no país.

Ainda que em número reduzido, mas expressivos qualitativamente, os
projetos de educação desenvolvidos por nossas instituições vinham c
ontando com linhas de financiamento do MEC. Por isso nossa preocupação
quanto à paralisação desses aportes financeiros.

Passamos, na gestão anterior, por um governo que se esqueceu de inc
luir no PPA a rubrica da educação indígena, dando sinais de que seria
esse um assunto secundário dentro das prioridades do executivo. Desde qu
e, em 1991, ao MEC foi passada a responsabilidade de assumir, no plano do e
nsino fundamental, a regência do ensino escolar às populações ind
ígenas no Brasil, vimos que a FUNAI, desincumbida legalmente da tarefa, t
em se mostrado muito mais mobilizada em captar recursos do PPA para assegur
ar, ainda que minimamente, a continuidade de planos de trabalhos que ela ti
nha em sua agenda.

Desde a promissora reunião extraordinária do Conselho Nacional de
Educação, ocorrida em março deste ano, pudemos testemunhar a disposi
ção do atual governo de instalar o diálogo da SEF-MEC com os setores
governamentais competentes e a sociedade civil comprometida com a educaç
ão indígena. Assumimos como certa a prontidão da SEF em tomar medidas
efetivas, inclusive com o apoio da Procuradoria Geral da República, para
enquadrar a enorme demanda por qualidade e efetividade de ações no cam
po da educação escolar conforme os dispositivos jurídico-legais.

Confiantes de que o governo popular buscará reforçar as aliança
s do estado com a sociedade civil organizada, no sentido de melhorar a qual
idade dos programas educacionais em áreas indígenas, despedimo-nos, agu
ardando um posicionamento efetivo do MEC quanto à continuidade do financi
amento de projetos e de criação de um espaço de discussão e de cons
trução coletiva da política nacional de educação indígena.

Aguardamos um posicionamento, externando nossa consideração.

Atenciosamente,

Marina da Silva Kahn - ISA
Coordenadora da RCA-Brasil

ATIX - Associação Terra Indígena Xingu
CCPY - Comissão Pró Yanomami­­­­­
CTI - Centro de Trabalho Indigenista
CPI-AC - Comissão Pró-Índio do Acre
FOIRN - Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro
Iepé - Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indíg
ena
ISA - Instituto Socioambiental
OPIAC - Organização dos Professores Indígenas do Acre
Vyty-Cati -Associação das Comunidades Timbira do Maranhão e Toc
antins

c.c. Comissão Nacional de Professores Indígenas

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