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Operação de guerra

CB, Brasil, p. 14
18 de Fev de 2005

Operação de guerra
Tropas do Exército chegam a Anapu para participar de caçada a assassinos de Dorothy Stang e dar apoio às medidas de pacificação no interior do Pará, onde se trava uma das mais sangrentas disputas por terra no país

A população de Anapu (PA) acordou ontem com o barulho de dois helicópteros lotados de soldados do Exército. A tropa desceu num campo de futebol sob o olhar atento dos moradores das casas mais próximas. Trinta e seis homens comandados pelo capitão Wanderly Baptista da Silva saltaram em poucos minutos e se posicionaram em volta do aparelho. A chegada dos militares marcou na cidade o início da Operação Pacajá, destinada a dar apoio aos órgãos dos governos federal e estadual encarregados de pacificar a região abalada pelo assassinato da missionária americana Dorothy Stang - ocorrido na manhã do sábado passado, dia 12.

Mais de dois mil homens participam da operação em todo o estado do Pará, sob o comando do general Jairo César Nass. Pertencem à 23ª Brigada de Infantaria de Selva, de Marabá; 1o Batalhão de Infantaria de Selva, de Manaus; 2o Batalhão de Selva, de Belém, e 4o Batalhão de Aviação do Exército. Se necessário, serão empregados ainda militares do Comando Militar do Nordeste, com sede no Recife, da Brigada de Pára-quedista, do Rio de Janeiro, da Brigada de Operações Especiais, de Goiânia, e do Comando de Aviação do Exército, de Taubaté (SP).

O comando da operação ficou baseado em Altamira (PA), a 130 quilômetros de Anapu. Um dos helicópteros usados ontem é do modelo Cougar, com capacidade para 22 passageiros. O outro é um Black Halk e pode levar até 18 pessoas. Não estava previsto o uso dos aparelhos nos deslocamentos dos policiais envolvidos na caçada aos criminosos, embora a precariedade das estradas dificultasse os deslocamentos de carro na região. A operação não tem prazo para acabar.

A presença do Exército foi decidida na última terça-feira depois de uma reunião no Palácio do Planalto do vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, com todos os ministros envolvidos nos conflitos na região de Anapu. No mesmo dia, outros dois trabalhadores rurais foram mortos no Pará. Com o reforço da presença militar no estado, o governo federal pretende inibir a onda de violência que assusta a população.

Mais do que atuar na prisão dos criminosos, o Exército tem o objetivo de criar um clima de controle da situação numa área ocupada por grileiros e posseiros desde o início da década de 1970, quando a rodovia Transamazônica foi construída. Quatro décadas depois, sem asfalto e afetada pelas chuvas da Amazônia, a estrada permanece instransitável em muitos trechos. A operação ostensiva também serve para o governo brasileiro demonstrar no exterior que age contra a impunidade de crimes cometidos na Amazônia.

Carros de suspeitos
As polícias federal e civil acreditam que os assassinos de Dorothy Stang estejam na região de Anapu. Duas camionetes dos suspeitos de ordenar a execução da missionária de 73 anos foram encontradas anteontem à tarde em estradas próximas ao local do crime. Uma F-350 pertencente a Anair Fejoli da Cunha, o Tato, encontrava-se atolada e parcialmente queimada. A outra, uma L-200 do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, estava numa fazenda atrás do assentamento onde ocorreu a execução da freira americana e tinha várias marcas de bala na lataria.

Depois de cinco dias de investigação, os policiais estão certos de que os dois estão por trás da morte de Dorothy. "Estamos com 16 homens na área e acredito que temos condições de prender os assassinos", disse o delegado Walame Fialho Machado, da Polícia Federal. As informações obtidas com testemunhas da área permitiram a conclusão de que Tato atua como testa-de-ferro de Bida na grilagem de terras no Pará. A missionária teria sido executada por dois homens conhecidos como Eduardo e Raifran, também chamado de Fogoió", apelido dado na região aos homens de cabelo ruivo.

Bida e Tato se conhecem há muitos anos e agiram juntos em outros cinco municípios antes de chegarem a Anapu, em dezembro de 2002. Segundo as investigações, Tato nasceu no Espírito Santo. Dos quatro suspeitos, apenas Eduardo ainda não foi identificado pela polícia. Os outros três tiveram os retratos falados feitos com base em depoimentos de informantes que se dispuseram a ajudar nas investigações. "Não tenho dúvida de que eles são os responsáveis pela morte de Dorothy", afirmou o delegado Valdir Freire, da Polícia Civil.

Mesmo com evidências de que Bida e Tato encontram-se na região de Anapu, os investigadores também trabalham com a hipótese de que os assassinos tenham fugido em um avião monomotor a partir de alguma pista improvisada na mata. No dia da execução de Dorothy, Tato disse a moradores da área que precisava desaparecer porque a polícia logo chegaria a Anapu.

Durante as investigações, surgiu um mistério. Cinco crianças foram encontradas abandonadas em uma casa próxima ao local do crime. Os policiais trabalham com a hipótese de que os pais tenham sido assassinados, mas ainda não encontraram uma explicação para o fato.

População insegura
A chegada dos militares criou uma expectativa positiva entre os moradores de Anapu atraídos ao campo de futebol pela inusitada presença de helicópteros. "Acho muito bom que isso esteja acontecendo. Só que deveria ser permanente, e não apenas porque mataram a irmã Dorothy", afirmou Antônio Cardoso, 44 anos, empregado de uma madeireira. "Eu queria ter um lote para trabalhar e criar meus quatro filhos, mas eu não vejo a reforma agrária que o presidente falou que ia fazer, e eu não vou invadir terra que não é minha", completou.

Morador de um lote situado a 20 quilômetros de Anapu, o agricultor Adenilton Dias Soares elogiou a presença das tropas. "Isso é muito bom porque aqui há muita falta de respeito pelas pessoas", disse o agricultor. "Eu ando numa moto e não tenho coragem de voltar para minha casa à noite porque fico com medo de que me matem para roubar a moto", explicou.

A falta de segurança também afeta os moradores da cidade. "Muitas vezes, a gente precisa andar na rua e não pode", desabafou Pedro Almeida Sabóia, dono de um bar em Anapu. "Parece que aqui só os bandidos são respeitados."

O assassinato de Dorothy ocorreu em decorrência da luta da missionária pelo assentamento de famílias de agricultores nos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS), em fase de implantação pelo governo federal na região. Grileiros de terra invadiram áreas reservadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para os pequenos agricultores e não aceitavam o trabalho feito pela religiosa.

Dorothy reagiu contra as invasões e denunciou à Polícia Civil do Pará e ao governo federal os desmandos ocorridos em Anapu. Em represália, foi assassinada. A missionária morava na cidade havia 28 anos.

CB, 18/02/2005, Brasil, p.14

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