VOLTAR

ONGs sao suspeitas de desviar verba de saude

FSP, Brasil, p. A23-A24
28 de Nov de 2004

ONGs são suspeitas de desviar verba de saúde
Repasse federal a duas entidades que atendiam aldeias indígenas foi suspenso; investigação aponta omissão da Funasa

Elvira Lobato
Enviada especial a Rondônia

A CGU (Controladoria Geral da União), a Polícia Federal e o Ministério Público Federal investigam as duas principais organizações não-governamentais indígenas de Rondônia por suspeita de superfaturamento e desvio de verbas do Ministério da Saúde destinadas ao atendimento médico nas aldeias indígenas.
A investigação também aponta omissão da Funasa (Fundação de Nacional de Saúde), órgão do Ministério da Saúde, que, de acordo com a Polícia Federal, repassou recursos para entidades que não tinham estrutura para assumir a responsabilidade.
A Paca (Proteção Ambiental Cacoalense), com sede em Cacoal (RO), recebeu R$ 17 milhões da Funasa, em três convênios assinados entre 1999 e 2004, para atender 5.500 índios de 115 aldeias para aplicação em assistência à saúde e saneamento. A Cunpir (Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Norte de Mato Grosso e Sul do Amazonas) recebeu cerca de R$ 9,5 milhões.
Repasses
A Funasa suspendeu os repasses às entidades em maio, diante dos indícios de irregularidades. Os convênios com as duas ONGs, que haviam sido assinados em 2002, terminaram em julho deste ano e não foram renovados.
Segundo a coordenação da Funasa em Rondônia, o pessoal de saúde que havia sido contratado por intermédio de prefeituras manteve o serviço de forma voluntária. A compra de medicamentos está sendo feita diretamente pela fundação.
Inquérito
A delegada da Polícia Federal Juliana Cavaleiro, que preside o inquérito contra a Paca, disse que há indícios de que teria havido superfaturamento de 25% na construção de postos de saúde e de fraudes nos processos licitatórios.
Vinte e seis pessoas são citadas como alvos de investigação no inquérito da Paca, entre dirigentes da ONG, servidores da Funasa, consultores (antropólogos, indigenistas etc.) e fornecedores.
A indigenista Maria Ines Hargreaves, estudiosa dos índios cintas-largas, é uma delas. Segundo a CGU, ela foi responsável pela movimentação de R$ 147 mil.
Nos autos do inquérito, consta que há indícios ainda de cotação de preços forjada em licitações, falsificação de assinaturas, compra de medicamentos diretamente em farmácias e despesas com consultoria sem comprovação de prestação do serviço.
O inquérito da Polícia Federal sobre a Cunpir investiga a suspeita de superfaturamento na compra de equipamentos e de combustíveis.
As duas organizações não-governamentais administraram a verba para saúde indígena em todo o Estado de Rondônia por quase cinco anos. A Paca respondia pelo atendimento às aldeias na metade sul do Estado, enquanto a Cunpir respondia pelo atendimento na parte norte.
A Funasa substituiu a Funai (Fundação Nacional do Índio) como responsável pelo atendimento médico à população indígena, em 99, e delegou a tarefa às ONGs.
O inquérito da Polícia Federal sobre as supostas irregularidades na Paca, ao qual a Folha teve acesso, informa que a ONG possuía, de próprio, apenas um computador, uma impressora, um automóvel e uma moto, quando assinou o primeiro convênio com a Funasa, em 1999.
A delegada Juliana Cavaleiro faz críticas à atuação da Funasa no episódio. Ela afirma que a fundação aprovou o convênio com a ONG baseando-se apenas no parecer de uma consultora, que teria levado 15 dias para analisar o projeto da entidade. Diz que a Funasa também teria sido omissa na fiscalização do convênio.
Cunpir
A Cunpir está mergulhada em uma grave crise desde que a Funasa realizou uma auditoria especial no convênio, no ano passado, que resultou na suspensão dos repasses à entidade. A ONG chegou a acumular R$ 2 milhões em dívidas com os fornecedores, no início do ano, e o comando da entidade foi trocado.
O cacique Almir Surui, que substituiu Antenor Karitiana, confirma que houve superfaturamento na compra de materiais, principalmente de combustíveis, e outras irregularidades na aplicação do dinheiro proveniente do Ministério da Saúde, mas, assim como a Polícia Federal e a Procuradoria da República, ele acusa a Funasa de ter sido conivente.
Segundo Surui, as irregularidades foram praticadas desde o início dos convênios, em 1999, e a Funasa teria tido conhecimento delas, na ocasião. ""Mesmo assim, ela renovou os convênios", queixa-se o coordenador.

ONGs afirmam que a Funasa também é responsável por problemas nos convênios; fundação diz que casos não são maioria
Entidade diz ter sido usada pelo governo

Da enviada a Rondônia

O cacique Almir Surui, coordenador da Cunpir (Coordenação da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia, Norte de Mato Grosso e Sul do Amazonas), diz que a entidade está ""destroçada". Ele acusa a Funasa de ter usado a Cunpir para contratar mão-de-obra sem concurso e de ter deixado um problema trabalhista.
A ONG contratou, diz o cacique, 198 profissionais de saúde para atender ao convênio e os demitiu em maio, por orientação da Funasa. Os ex-funcionários recorrem à Justiça do Trabalho para cobrar indenizações.
Até agora, a entidade pagou R$ 350 mil em 19 ações trabalhistas. Outras duas já foram julgadas, no valor de R$ 60 mil. O cacique diz que levou a questão à Funasa, mas que o órgão não assumiu o problema. Na avaliação de Surui, a Funasa é co-responsável pelos problemas de execução dos convênios. Ele diz que espera que a Polícia Federal investigue superfaturamento em compras.
Em dezembro, diz o cacique, conselheiros da Cunpir se reunirão para decidir o futuro da ONG, que perdeu doações em dinheiro que recebia do exterior.
A coordenadora da Paca (Proteção Ambiental Cacoalense), Maria do Carmo Barcellos, a Maria dos Índios, nega que tenha havido irregularidade na aplicação do dinheiro da saúde indígena. Disse que as ONGs assumiram ""de peito aberto" compromissos que eram da Funasa e pagaram um preço alto por isso.
Ela diz que tirou uma lição da experiência: ONGs devem se dedicar a projetos menores, e o governo não deve terceirizar serviços que são de sua responsabilidade. Hoje, disse, a ONG tem sobrevivido de doações da Noruega.
A indigenista Maria Inês Hargreaves, um dos alvos de investigação da PF no inquérito sobre supostas irregularidades na Paca, disse que implantou o projeto nos municípios de Juína e Aripuanã, mas que se demitiu em meados de 2001 por achar que o programa tinha alcance muito pequeno.
Disse que 400 dos 1.300 índios cintas-largas são crianças em avançado estágio de desnutrição.
Ela afirmou que recebeu salário de R$ 3.500 e que não sabe se houve irregularidades.
O diretor do Departamento Indígena da Funasa, Alexandre Padilha, disse que, das 59 ONGs que assinaram convênios com a Funasa para atendimento de saúde indígena, só 7 tinham irregularidades. Ele defende parceria com ONGs, pois seria difícil achar pessoas que se disponham a trabalhar em regiões de difícil acesso.
Segundo Padilha, foi a Funasa que tomou a iniciativa, em 2003, de realizar auditorias em 13 ONGs que apresentavam problemas.
A Funasa mudou, diz Padilha, o modelo de gestão da saúde indígena no começo deste ano e assumiu parte das responsabilidades que estavam delegadas às ONGs, que, pelo novo modelo, ficam responsáveis basicamente pela contratação de pessoal.

ONG com problema não é a regra, afirma a Funasa

O diretor do Departamento Indígena da Funasa, Alexandre Padilha, disse que, das 59 ONGs que assinaram convênios com a Funasa para atendimento de saúde em áreas indígenas, apenas sete apresentaram irregularidades no uso do dinheiro público.
Ele defendeu a parceria com as ONGs alegando que é difícil localizar pessoas que se disponham a trabalhar em regiões de difícil acesso.
Segundo Padilha, foi a Funasa que tomou a iniciativa, no ano passado, de realizar auditorias em 13 ONGs que apresentavam indícios de irregularidades administrativas.
Das 13 entidades auditadas, foram confirmados problemas em sete. Os relatórios deram origem a um processo de tomada de contas especial.
Segundo Padilha, a Funasa mudou o modelo de gestão da saúde indígena no começo deste ano e assumiu parte das responsabilidades que estavam delegadas às ONGs, como a compra de medicamentos, combustível, insumos e alimentação, além de gastos com frete de aviões e de barcos.
A mudança, segundo ele, foi para reforçar o papel de supervisão da Funasa e para haver uma padronização entre os projetos. As ONGs, pelo novo modelo, ficam responsáveis basicamente pela contratação de pessoal. Os consultores passaram a ser contratados diretamente pela Funasa.
O diretor disse que o Ministério da Saúde planeja fazer concurso público para reforçar as unidades de saúde nas cidades adjacentes às aldeias indígenas. O governo está preparando um anteprojeto de lei para permitir a contratação de funcionários temporários pela Funasa.

FSP, 28/11/2004, Brasil, p. A23-A24

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.