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ONGs querem resgatar seu papel junto à educação indígena no MEC

Site do ISA -Socioambiental.org-São Paulo-SP
17 de Jul de 2001

A relação entre as organizações não-governamentais e o MEC
foi um dos principais temas do seminário realizado de
8 a 12 de junho, em Goiás Velho, que reuniu o ISA
(Instituto Socioambiental), a CPI-AC (Comissão Pró-Índio
do Acre), o CTI (Centro de Trabalho Indigenista),
a APHA (Associação para Promoção Humana e Ambiental) e a
CCPY (Comissão Pró-Yanomami), todas ONGs parceiras da
Fundação Rainforest da Noruega.

O resultado mais imediato do encontro foi a elaboração de uma carta, entregue em 10 de julho à professora Iara Prado, do Ministério da Educação (veja abaixo). Nela, as organizações não- governamentais solicitam participação nas instâncias consultivas quando se tratar de educação indígena. Vale lembrar que algumas organizações não-governamentais tinham assento no recém-extinto Comitê Nacional de Educação Indígena do MEC. Em seu lugar, para deliberar sobre políticas ligadas à educação, foi criada a Comissão Nacional de Professores Indígenas, composta exclusivamente por índios. Excluídas da Comissão de Avaliação de Projetos, integrada por representantes de universidades, da Aba (Associação Brasileira de Antropologia) e da Abralin (Associação Brasileira de Lingüística), as ONGs perderam seu canal de interlocução institucional com o MEC.
Uma das razões alegadas para extinguir o comitê é a de que as ONGs não podem avaliar os projetos na medida em que são beneficiárias da linha de financiamento do órgão federal. No entanto, os 18 participantes do seminário de Goiás ponderaram que os antropólogos, lingüistas e membros das universidades também trabalham como assessores desses mesmos projetos, enfraquecendo, assim, o argumento do MEC.
Embora endosse a iniciativa do MEC ao instituir a Comissão Nacional de Professores Indígenas, a carta das ONGs, endereçada à Secretaria do Ensino Fundamental, pleiteia um olhar atento do governo em relação ao papel dessas organizações na implementação de projetos educacionais com índios.
O texto aponta ainda problemas na coordenação dos sistemas e práticas concernentes à educação indígena. Um exemplo são os casos de incompatibilidade entre critérios de identidade territorial ou cultural dos índios com a estrutura jurídico-administrativa de estados e municípios na gestão das escolas. Isso tem acarretado alguns impasses na consolidação dos princípios do RCNEI (Referencial Curricular Nacional para Escolas Indígenas), o documento que legitima a especificidade uma política pedagógica própria para os povos indígenas.

Carta endereçada à Secretaria do Ensino Fundamental
do Ministério da Educação
Entre os dias 8 e 12 de junho deste ano, um conjunto de cinco organizações não governamentais (Comissão Pró-Índio - AC, Comissão Pró Yanomami, Centro de Trabalho Indigenista, Instituto Socioambiental e Associação para a Promoção Humana e Ambiental), integrantes da Rede de Cooperação Alternativa, que articula parceiros para refletir e atuar conjuntamente em determinados temas comuns, reuniu-se em Goiás Velho para compartilhar perspectivas de cada instituição em relação a seus projetos de educação indígena.
Este Encontro teve por finalidade discutir as seguintes questões: formação de professores indígenas, elaboração de materiais didáticos, políticas lingüísticas, sistematização de práticas, implantação de escolas e, finalmente, nossa relação com os organismos governamentais e as políticas públicas de educação. Em relação a este último ponto, levantamos alguns aspectos que julgamos oportuno resgatar no sentido de consolidar os avanços conquistados nos últimos anos na relação do MEC com as ONGs voltadas para a educação indígena no país.
Um primeiro aspecto refere-se ao papel do Ministério da Educação como coordenador das ações dos demais sistemas de ensino nas políticas educacionais para povos indígenas nos estados e municípios. Sentimos que todo o avanço alcançado com os novos marcos jurídicos e institucionais até agora formulados com a forte influência do MEC e da sociedade civil organizada, ainda não se reflete inteiramente nas práticas institucionais dos poderes locais. O MEC pode induzir e monitorar os diferentes sistemas executores da política nacional de educação indígena mais efetivamente, seja na consolidação dos compromissos relativos aos programas de formação de professores indígenas, seja no reconhecimento de currículos específicos pelos Conselhos Estaduais de Educação ou, ainda, na regularização e atendimento das escolas indígenas, resguardadas as especificidades dessas unidades escolares dentro dos princípios da especificidade dessas escolas frente às demais escolas brasileiras.
O princípio da especificidade parece já ser aceito e difundido, e o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI/MEC) é o seu mais importante instrumento. No entanto, há que se admitir que os aspectos administrativos envolvidos na implantação das escolas indígenas não acompanharam esse caminho já trilhado, ignorando o fato de que as terras indígenas existentes no país muitas vezes estão sob jurisdição de diferentes estados e municípios. Avaliamos que o MEC pode intensificar seu importante papel como coordenador e articulador, indicando caminhos para que a gestão das escolas transcenda as fronteiras estaduais, quando for o caso. A instituição de consórcios, distritos ou alguma outra forma de gestão deve permitir que os critérios de etnicidade ou identidade territorial não sejam incompatíveis com a lógica jurídico-administrativa na gestão das escolas indígenas.
Um segundo ponto de nossa atenção refere-se às mudanças recentes promovidas pelo MEC que implicaram na extinção do Comitê de educação indígena e na criação da nova comissão nacional de professores indígenas. Antes de mais nada queremos endossar a importância e pertinência da instituição da Comissão Nacional de Professores Indígenas, mais um passo para a democratização da relação entre o Estado e os povos indígenas no Brasil. Ao mesmo tempo, lamentamos que com a extinção do antigo Comitê, as ONGs perderam seu único canal de interlocução direta e institucionalizada com o MEC. Tendo em vista que as ONGs, nesses anos de trabalho com as comunidades indígenas e de parceria com o MEC na formulação e na implementação da política de educação indígena, vieram acumulando experiências que se tornaram referenciais para as políticas do próprio MEC, ponderamos a importância de mantermos um canal de participação nas instâncias consultivas deste ministério em relação à educação indígena.
Da mesma forma que ABA, Abralin e Universidades têm representação no Comitê de Avaliação de Projetos de Educação indígena e, ao mesmo tempo, participam como consultores científicos de grande parte dos projetos analisados, consideramos que as ONGs também têm papel a cumprir nesta instância de consultoria técnica. E não sendo essa Comissão o único espaço possível, esperamos que o MEC delibere com a Comissão Nacional de Professores Indígenas sobre um mecanismo político mais amplo para a participação das ONGs na definição e acompanhamento das políticas públicas de educação indígena. Acreditamos que nos últimos anos tivemos um papel importante no sentido de colaborar, avaliar e contribuir para a implementação da política nacional de educação indígena e que isto ocorreu em grande medida porque tínhamos uma participação efetiva nas ações desencadeadas a partir do antigo Comitê de Educação Escolar Indígena. Não existindo mais esta instância, ficamos sem um canal de expressão e manifestação direta junto ao MEC.
Em relação à importante linha de trabalho do MEC criada nos últimos anos para o fomento dos materiais didáticos produzidos em projetos desenvolvidos por ONGs, organizações indígenas e universidades, esperamos que a Comissão de Avaliação recém empossada formule e torne públicos os critérios utilizados na análise desses materiais, de modo a assegurar o rigor, a transparência e a eqüidade na seleção das publicações. Sabemos que em alguns casos o sistema de análise dos projetos editoriais nem sempre é adequado, sendo alguns dos pareceristas consultados não especialistas nas áreas de conhecimento relativa ao material analisado. A Comissão de Avaliação recém empossada poderá identificar e explicitar os critérios para a linha editorial dos livros didáticos apoiados, a serem divulgados pelo MEC entre as entidades.
Finalmente, e em função da presença atuante e quase sempre propositiva das ONGs no campo da educação indígena, reivindicamos também a melhoria dos mecanismos de difusão dos editoriais para a submissão de projetos ao apoio financeiro do MEC, com explicitação dos critérios mais públicos e transparentes para sua apresentação. Ou seja, esperamos que a Coordenação Geral de Apoio às Escolas Indígenas, em nova fase, encontre procedimentos institucionais mais aprimorados de divulgação dos editais, com regras claras e adequadas à natureza singular do trabalho com educação indígena. Isto possivelmente implicará na criação de um grupo de trabalho que ajude a consolidar e aperfeiçoar as formas de fomento até agora vigentes para as ações educacionais da sociedade civil, das universidades e das organizações indígenas, em seu importante papel de colaboradores e executores das políticas estaduais de educação escolar indígena no país.
Certos de poder manter aberto nosso espaço de interlocução, estamos disponíveis para qualquer esclarecimento. Atenciosamente,
Marina Kahn - Instituto Socioambiental
Coordenação da Rede de Cooperação Alternativa (RCA)
E demais membros do Grupo Educação Indígena da RCA presentes no seminário
Marcos Wesley de Oliveira - Comissão Pró-Yanomami
Simone de Cássia Ribeiro - Comissão Pró-Yanomami
Nietta L. Monte - Comissão Pró-Índio do Acre
Vera Olinda Sena - Comissão Pró-Índio do Acre
Renato Gavazzi - Comissão Pró-Índio do Acre
Malu Ochoa - Comissão Pró-Índio do Acre
Maria Cristina Troncarelli - Instituto Socioambiental
Estela Wurker - Instituto Socioambiental
Marta Azevedo - Instituto Socioambiental
Ronaldo Lima - Associação para a Promoção Humana e Ambiental
Maria Elisa Ladeira - Centro de Trabalho Indigenista
Lílian Santos - Centro de Trabalho Indigenista
Lúcia Smerecszáni - Centro de Trabalho Indigenista
Priscilla Matta - Centro de Trabalho Indigenista

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