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ONG ligada a Damares é investigada po MPF

O Globo, Sociedade, p. 28
08 de Dez de 2018

ONG ligada a Damares é investigada po MPF
ONG fundada por Damares Alves é alvo de duas investigações do MPF sobre tratamento dado a indígenas
Em um dos casos, de Volta Redonda, a Atini responde por ter retirado uma adolescente do povo Sateré-Mawé

Dimitrius Dantas

SÃO PAULO - Prestes a comandar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, onde ficará a Fundação Nacional do Índio (Funai), a pastora Damares Alves deverá ter entre seus focos o combate ao infanticídio indígena. Ela é cofundadora da ONG Atini, que atua no combate à prática ainda vigente em tribos do Brasil. A entidade é alvo de duas investigações movidas pelo Ministério Público Federal (MPF) por possíveis irregularidades cometidas contra indígenas.
Em um dos casos, em Volta Redonda, no sul do Rio de Janeiro, a Atini é investigada por ter retirado uma adolescente do povo Sateré-Mawé, sob a alegação de motivos humanitários. A jovem teria alegado estar sofrendo ameaças e, por isso, teria procurado a ONG para deixar a tribo. Ela foi levada para Brasília e, mais tarde, ao Rio de Janeiro.
A adolescente engravidou e, após dar à luz, a Atini, de acordo com o MPF, atuou para que a criança fosse adotada por um casal de Volta Redonda ligado à entidade. A ONG argumentou que a mãe não teria condições de cuidar do bebê.
Procurada, a Atini informa que o processo tramita em segredo de Justiça junto à 3 Vara da Justiça Federal de Volta Redonda e que já prestou todos os esclarecimentos devidos naquele Juízo. A ONG comunicará o vazamento de informações sigilosas do processo e pedirá que se investigue tais atos atentatórios à Justiça e aos direitos da menor e dos indígenas envolvidos.
Na Justiça Federal de Rondônia, a entidade é alvo de um processo sobre a veiculação de um documentário sobre infanticídio indígena em que são mostradas crianças do povo Karitiana, tribo em que não existe a prática. A Atini foi obrigada a tirar o vídeo no ar, a pedido do MPF do Distrito Federal.
Não há dados oficiais sobre a extensão da prática de infanticídio indígena. Algumas etnias costumam matar crianças gêmeas, deficientes ou filhas de mãe solteira por acreditarem que poderão trazer desgraças à comunidade. A ONG e Damares Alves defendem que o Estado deva atuar de forma mais incisiva em relação ao tema.
Filmagem polêmica
De acordo com o depoimento do indígena Cizino Dantas Morais Karitiana, missionários da Jocum teriam solicitado autorização para que seus dois filhos, um deles com deficiência, fossem fotografados e participassem de uma peça de teatro em Porto Velho. A Jocum conta com integrantes da Atini. Segundo o procurador Daniel Lobo as crianças na verdade foram escaladas como atores em um filme documentário.
"Durante as filmagens do vídeo, simulou-se a morte e o enterro de uma criança especial (...), colocando-o diretamente em uma cova rasa e cobrindo-o com 'terra'", afirma o procurador, no processo.
- Foi uma simulação que não corresponde à realidade e aos costumes do povo Karitiana. E é a principal razão para o ajuizamento da ação. Não tinham autorização de alguns responsáveis. O discurso era de que seria feito um estudo, não um documentário simulando um ato de infanticídio. É uma forma de atribuir uma característica negativa ao povo indígena - afirma Lobo.
Segundo a advogada Maíra de Paula Barreto Miranda, que representa a Atini, o "docudrama", como é chamado pela ONG, foi mostrado a diversas etnias e nunca houve reação contrária ao filme.
- (A produção) é utilizada como ferramenta de educação em direitos humanos - disse a advogada. - É interessante defender o pluralismo, e a Atini tem um profundo respeito pelas crianças.
Ainda de acordo com a advogada, tratados internacionais determinam que o Brasil atue para abolir as chamadas práticas tradicionais nocivas, entre elas o infanticídio.
No laudo antropológico produzido pelo MPF, há indícios de que a utilização das crianças Karitiana no vídeo também fere a cosmologia da tribo. Segundo sua tradição, o enterro deve ser realizado com uma rede envolta em madeira. O corpo não pode entrar em contato com a terra, já que esta teria o poder de subtrair a alma.
"A participação dessas crianças, bem como a ampla divulgação do material com pretenso conteúdo (des)informativo, consubstanciaram uma série de atos ilícitos que violaram a imagem, honra e cultura desse povo", afirmou a ação do MPF.
'Práticas nocivas'
O combate ao infanticídio indígena é uma das principais áreas de atuação de Damares. Em suas palestras, a pastora costuma citar casos de crianças de variadas etnias que foram enterradas vivas. A futura ministra afirma, sem citar fontes, que foi "informada que mais de 300 crianças são mortas por ano no Brasil".
Como assessora parlamentar, Damares trabalha na aprovação da chamada Lei Muwaji, cujo objetivo é combater práticas culturais nocivas, como o infanticídio. O projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e pode ir para votação no plenário.
A Atini foi fundada em 2006 após missionários da Jocum, de acordo com Damares, terem procurado a futura ministra na Câmara, pois eram acusados de sequestrar uma índia da etnia suruwahá. A então assessora considerou a acusação injusta. Os missionários não foram condenados.

O Globo, 08/12/2018, Sociedade, p. 28

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