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OGMs e a síndrome do colonizado

FSP, Tendências/Debates, p. A3
Autor: REBELO, Aldo
08 de Jan de 2004

OGMs e a síndrome do colonizado

Aldo Rebelo

Está em debate na Câmara dos Deputados o projeto 2.401/03, do Executivo, que reformula a legislação de biossegurança. O tema é polêmico e a proposta pretende encerrar as disputas jurídicas em torno dos OGMs (organismos geneticamente modificados). O impasse legal arrasta-se há anos, desde que duas ONGs (uma delas de origem estrangeira) contestaram na Justiça a decisão da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) de liberar a produção de soja geneticamente modificada.
Não resta dúvida de que os OGMs terão papel destacado no futuro da produção agropecuária. China, Índia e Argentina, além dos EUA, já se beneficiam em larga escala da nova tecnologia. A Europa, que lidera a resistência aos transgênicos, já tomou a decisão estratégica de lutar contra seu próprio atraso em pesquisas com OGMs. Mas o Brasil parece ameaçado por certa paralisia mental, recorrente em nossa história. De tempos em tempos, acomete-nos a síndrome do colonizado, a letargia do dominado. No passado remoto vendiam-nos quinquilharias. No século 20 quiseram nos convencer de que nunca seríamos grandes produtores de petróleo. Volta e meia aparece alguém e diz que nossa busca por autonomia científica e tecnológica é "reinventar a roda".

É preciso libertar a pesquisa científica de injustificados constrangimentos burocráticos

A conversa mais recente que tentam nos vender é a do "risco zero" em OGMs. Ou seja, só poderíamos pensar em usar transgênicos quando ficasse provado, definitivamente, que eles não têm, em nenhuma circunstância, efeito sobre o homem, os animais, as plantas e o meio ambiente. Ora, até hoje não se encontrou nenhum cultivo, alimento ou remédio que preenchesse esse requisito (a agricultura convencional é, sabidamente, grande inimiga da biodiversidade). Assim, o resultado prático dessa radical (e interessada) interpretação do correto princípio da precaução seria bem previsível: um belo dia acordaríamos para descobrir que havíamos perdido o bonde da história. Perceberíamos que tínhamos entregado a empresas multinacionais e a outros países nosso destino em biotecnologia e nossa soberania agrícola e alimentar. Notaríamos, tardiamente, que um crime de lesa-pátria fora cometido contra o Brasil. Estaríamos condenados a pagar royalties, por longos anos, aos detentores estrangeiros das patentes e do conhecimento.
Felizmente, entretanto, o cenário mais provável para o futuro não é esse. O presidente da República assumiu a responsabilidade, ao enviar ao Congresso um projeto de lei entre cujos objetivos está colocar o Brasil na linha de frente da pesquisa científica em OGMs, com normas que garantam a defesa da saúde e do meio ambiente, como aliás determina o artigo 225 da Constituição. A proposta nasceu de amplo debate interno no governo e agora está em exame na comissão especial da Câmara.
Cabe ao Legislativo o patriótico papel de aperfeiçoar o projeto e aprová-lo o mais rápido possível. É urgente libertar as forças produtivas brasileiras, a ciência, a agricultura familiar e o agronegócio das amarras impostas pelo interesse estrangeiro. Como relator, tenho procurado ouvir todos os setores envolvidos. Tenho também amadurecido alguns princípios, que irei incorporar ao substitutivo na comissão especial. Aproveito para levá-los ao conhecimento e à crítica da sociedade. Penso que:
garantidas as normas de segurança internacionalmente aceitas para OGMs, é preciso libertar a pesquisa científica de injustificados constrangimentos burocráticos e da proliferação sem fundamento de dificuldades a ela impostas;
a CTNBio deve ser o órgão responsável e soberano para autorizar e controlar pesquisas com OGMs. Suas decisões nesse âmbito devem vincular os órgãos da administração com atribuições fiscalizatórias;
a sociedade civil deve estar representada na CTNBio;
a análise de risco de OGMs deve ser feita caso a caso;
o uso comercial de OGMs e seus derivados deve ser autorizado, ou não, pelo CNBS (Conselho Nacional de Biossegurança). Esse fórum governamental decidirá unicamente com base no interesse nacional e em critérios de conveniência e oportunidade socioeconômicas (já que a esfera técnica, da biossegurança, será atribuição da CTNBio);
todos os setores da administração com atribuições relacionadas a OGMs devem ser amplamente consultados pelo CNBS antes das decisões deste;
a comercialização de OGMs deve gerar recursos para um fundo de apoio à pesquisa biotecnológica e de engenharia genética, voltada para os produtos típicos da agricultura familiar e da cesta básica dos brasileiros;
devem ser removidos obstáculos legais a pesquisas com células-tronco;
o consumidor tem direito de saber se um produto tem um OGM ou derivado;
a lei e seus regulamentos devem estipular prazos claros a serem cumpridos pelas autoridades na tramitação de processos relativos a OGMs e derivados;
é preciso eliminar os conflitos e as ambiguidades da legislação, particularmente entre as leis ambientais e a de biossegurança, que levaram o assunto a estacionar na Justiça nos últimos anos;
são válidas as decisões já adotadas pela CTNBio.

Aldo Rebelo 47, jornalista, deputado federal pelo PC do B-SP, é o líder do governo na Câmara dos Deputados.

FSP, 08/01/2004, Tendências/Debates, p. A3

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