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Oferta de água é a maior preocupação

Valor Econômico, Especial, p. F2
18 de Fev de 2016

Oferta de água é a maior preocupação

Sergio Adeodato

A insuficiência das medidas para controle das mudanças climáticas, juntamente com as crises de água, estarão no topo das preocupações no mundo dos negócios na próxima década e a busca por soluções já começa a gerar impactos na competivitidade, segundo o "The Global Risks Report 2016". Elaborado pelo Fórum Econômico Mundial com o suporte de 750 lideranças empresariais, governamentais e acadêmicas, o estudo revela que as corporações, as economias nacionais e as vidas dos cidadãos estão mais expostas a "fatores às vezes inesperados", cuja convivência deverá balizar um novo modo de produzir e consumir na chamada "Quarta Revolução Industrial".
O relatório aponta o fracasso da gestão climática como ameaça mais impactante e a terceira mais provável, atrás da migração involuntária em massa e dos desastres ambientais causados por eventos extremos, como secas e enchentes. De acordo com o levantamento, os riscos têm como pano de fundo pressões socioeconômicas com reflexos, por exemplo, na segurança alimentar e energética. "O que era um problema hipotético passou a ser quase uma certeza diante da falta de ações no nível necessário para resolvê-lo."
Em contraponto, para Marina Grossi, presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), a conferência de Paris sobre clima, a CoP-21 realizada pela ONU em dezembro, abriu uma agenda inédita para as empresas, governos e sociedade. "Pela primeira vez estamos todos no mesmo barco", afirma. "O pacto para limitar o aumento da temperatura do planeta no limite seguro de 2o C até o nm deste século, com possibilidade de se chegar a um patamar ainda mais rigoroso de 1,5o C, deverá mobilizar expressivos recursos e causará grandes efeitos nos negócios".
Da restauração florestal às energias limpas, a iniciativa Parcerias de Tecnologia de Baixo Carbono (LCTPi, na sigla em inglês), lançada globalmente em 2015 pelo Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, identificou a existência de soluções tecnológicas de negócio suficientes para viabilizar 65% das metas de redução de emissões na perspectiva dos 2o C. As propostas poderão canalizar US$ 5 trilhões a US$ 10 trilhões em investimentos para os setores de baixo carbono e gerar de 20 a 45 mil postos de trabalho por ano.
"A questão climática deixou de ser marginal; é elemento de competitividade e quem não olhar para isso perderá espaço no mercado porque agora o jogo tem regras mais claras e é para todos", analisa Grossi. "Mas há gargalos de regulamentação e de políticas públicas para as empresas priorizarem esses investimentos de modo a permitir adaptação mais rápida."
Mario Monzoni, coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade (Gvces), da Fundação Getulio Vargas, enfatiza: "A crise econômica e política poderá postergar a agenda climática no Brasil, onde o tema em geral ainda soa como restrição à produção". Além disso, em sua análise, na questão energética, os fatores econômicos e geopolíticos têm se mostrado mais fortes que os ambientais - e isso pode reduzir o ritmo da mudança da matriz.
Em paralelo, diz o professor, "o plano climático para setor industrial foi esquecido no país". O foco nacional tem sido o combate ao desmatamento e a redução de emissões no agronegócio. Mas o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono), que previu R$ 200 bilhões de investimentos entre 2010 e 2020 (dois terços na forma de crédito), utilizou até agora apenas R$ 10 bilhões por falta de demanda dos produtores rurais. E agora, diante do atual cenário de ajuste fiscal, os avanços são incertos, alerta Monzoni.
A agenda da redução de gases do efeito estufa tem perdido espaço para a da adaptação aos impactos do clima - sinal de que o problema já é uma realidade que afeta os investimentos. "Empresas que olharem para trás não irão prosperar", adverte o pesquisador Guarany Osório, também do GVCes. No projeto Tendências em Serviços Ecossistêmicos, a instituição mobiliza empresas que pretendem medir a dependência do negócio em relação a recursos naturais, como água e biodiversidade, e o nível de impacto exercido sobre eles. Estão em jogo a disponibilidade de insumos no futuro, a imagem junto aos seus diferentes públicos e os custos operacionais da atividade.
"Mudanças mais radicais virão no cenário 2020-2025 e, no longo prazo, toda a sociedade terá padrões bem diferentes dos atuais", estima Jorge Soto, diretor de desenvolvimento sustentável da Braskem, petroquímica que tem capacidade de produzir 200 toneladas por ano de plástico a partir da cana-de- açúcar, mas aguarda resposta mais positiva do mercado para aumentar a escala da solução renovável.
A nova fronteira é marcada pelo engajamento do setor financeiro, que tem o poder de influenciar as diversas atividades econômicas e começa a incorporar as variáveis ambientais. A estratégia de atribuir preço ao carbono, com benefícios de mercado para quem o evita, já ocorre em cerca de 40 regiões do mundo. "O mecanismo é essencial para estimular a indústria a migrar definitivamente para a economia de baixo carbono", ressalta Elizabeth de Carvalhaes, presidente executiva da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), que reúne empresas de base florestal.

Medidas podem ir muito além da redução de consumo

Sergio Adeodato

Ao reflorestar mais de 300 hectares ao redor de seus mananciais em Itu (SP), nos últimos oito anos, a fabricante de bebidas Brasil Kirin aumentou em 5% a oferta de água superficial e em 20% a subterrânea, o que reduziu os riscos da recente crise hídrica para suas operações na região. O plantio de mudas de quase cem espécies nativas, produzidas no viveiro da SOS Mata Atlântica, situado na área, não apenas recuperou 19 nascentes como também inaugurou um novo modo de gerir a matriz de vulnerabilidade. "Construímos no local um laboratório social para discutir estratégias conjuntas com a comunidade, pois o problema atinge a todos da mesma forma", conta a vice-presidente de assuntos corporativos, Juliana Nunes.
O modelo colaborativo, unindo restauração e educação ambiental, foi replicado na região de Cachoeira do Macacu (RJ), onde a empresa tem outra fábrica. "A decisão de investir em nova unidade ou de ampliar alguma já existente deve considerar a capacidade hídrica da área e, principalmente, a sua renovação natural", explica a executiva. O cenário de adaptação às mudanças climáticas "abre oportunidades para se fazer diferente", indo além de medidas convencionais de controle, como a redução do consumo hídrico.
Projeções de organismos internacionais demonstram que a demanda por água no mundo superará a oferta em cerca de 40% já em 2030 e que, até lá, metade da população mundial estará propensa a viver em áreas de elevado estresse hídrico. As empresas estão compelidas a se adaptar a isso. Levantamento realizado em 2015 pelo Carbon Disclosure Project (CDP) com 500 fornecedores apontou que 41,8% passaram a integrar a gestão de água às estratégias de negócio na cadeia de suprimento das grandes empresas na América Latina.
"Pensar estrategicamente em gestão hídrica é desenvolver soluções contínuas de redução, reutilização e reposição de água, seja nos momentos de crise ou não", afirma Pedro Massa, diretor de valor compartilhado da Coca-Cola Brasil. A companhia reduziu em 25% o volume de água necessário para produção de um litro de bebida, nos últimos 12 anos. "Criamos ferramentas para avaliar disponibilidade, qualidade, custos, relações com comunidades e efluentes."
"O desafio das mudanças climáticas é complexo porque tem inúmeras conexões com modelos de consumo, entre eles o da água, relacionado ao abastecimento humano, à atividade industrial e também à produção de alimentos e segurança energética", explica Carlos Rossin, líder de sustentabilidade da PwC. Para ele, já não há previsibilidade e controle sobre o clima a partir de dados do passado, sendo necessário calcular riscos com base em cenários futuros.

"O uso do insumo é um dos indicadores de desempenho para remuneração adicional na companhia", revela Beatriz Oliveira, gerente corporativa de meio ambiente da Ambev. Em 13 anos, o consumo hídrico caiu 40%, a partir de mudanças no processo produtivo e estabelecimento de metas, que são mais ambiciosas em locais de maior risco, onde também há trabalho de conservação de mananciais. Além de acompanhar a cada três meses as previsões das mudanças climáticas no nível global, a gestão está integrada localmente aos planos de demanda e oferta das diferentes bacias hidrográficas. "O uso hídrico tem peso cada vez maior na tomada de decisão", diz a gerente de sustentabilidade, Simone Veltri.

Valor Econômico, 18/02/2016, Especial, p. F2

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