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Ofensiva contra a grilagem

CB, Cidades, p. 30
10 de Abr de 2005

Ofensiva contra a grilagem
Ministério Público processará moradores do Núcleo Rural Boa Esperança por terem construído em terras do Parque Nacional. Procurador denuncia ainda que Caesb capta irregularmente água da represa Santa Maria

A grilagem de terras no Distrito Federal não tem fronteiras. Não se intimida e avança em áreas de proteção ambiental. O Ministério Público, no entanto, empenha-se numa contra-ofensiva para frear o parcelamento ilegal de terras públicas. A Procuradoria Regional da República vai processar criminalmente as pessoas que ocupam 140 chácaras no Núcleo Rural Boa Esperança. Já existem 50 outras ações civis e criminais contra os empreendedores e moradores do Condomínio Mini-Granjas do Torto. Os parcelamentos invadiram terras do Parque Nacional de Brasília (PNB).
"Essas terras foram griladas. Todos que construíram estão em situação irregular. Aquela região é de proteção ambiental integral", destacou o procurador Francisco Guilherme Vollstedt Bastos. A Polícia Federal participou das investigações, no final do ano passado, e levantou os nomes de todos os ocupantes do Núcleo Rural Boa Esperança. "Temos um procedimento investigatório que trata de todas as irregularidades ligadas ao Parque Nacional. E uma delas também envolve a Caesb". O procurador denuncia que a captação de água pela Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) na represa Santa Maria, no interior da reserva ambiental, é feita em desacordo com a legislação.
A empresa deveria pagar pela extração dos recursos naturais de uma unidade nacional de conservação. "É uma atividade econômica que traz lucro à empresa e ela deve reverter parte disso em benefício do parque", afirma. Se não regularizar a situação, a Caesb será alvo de ação judicial. "A Caesb deve milhões ao Ibama por captar água da reserva. Vamos tentar firmar um acordo com a empresa para que ela pague o que é necessário", explica Francisco Guilherme.
A Terracap, em 1970, assinou convênio com o Parque Nacional para a construção da represa Santa Maria no interior da reserva ambiental.
No acordo, ficou acertado que em troca da captação de água seriam cedidas mais terras ao parque. O que não foi cumprido posteriormente. "A Caesb hoje é uma Companhia de Saneamento Ambiental. Temos, sim, a preocupação em preservar nossos recursos hídricos, e o Parque Nacional é fundamental nesse processo. Realmente, existe uma legislação federal que prevê que as empresas de água paguem pela captação dos recursos naturais. Ela ainda está sendo aplicada de forma gradativa nos estados. No DF, foi recém-criada a Agência das Águas exatamente para cuidar dessas questões. Já está previsto o pagamento dessa contribuição ao parque", explicou o presidente da Caesb, Fernando Leite.
Devastação
O desmatamento e o crescimento urbano desordenado são os problemas que mais preocupam o Ministério Público e o Ibama. O procurador Francisco Guilherme investiga o desmatamento de área de cerca de cem hectares da área do Parque Nacional para criação de gado. Fotos de satélite contidas em estudo da Unesco mostram que em 1984 as áreas que contornavam o parque ainda não estavam ocupadas. As imagens contrastam com as tiradas no ano passado pelo Ibama. A reserva ambiental está cercada de moradias irregulares.
Os moradores das áreas denunciadas como griladas pelo Ministério Público não se conformam com a ameaça de desocupação.
Projeto de lei que tramita no Congresso prevê a ampliação da reserva de 30 mil para 46 mil hectares com reintegração das terras hoje ocupados por moradores.
"Vamos nos defender. Não somos grileiros. Somos moradores. Fomos inocentes, quando compramos uma terra sem escritura. Mas a falta de registro das terras é um problema generalizado no Distrito Federal",diz Aldo Antonietto, 47 anos, da Associação dos Moradores do Núcleo Rural Boa Esperança.
No parcelamento moram 300 famílias. "Não invadimos. Não derrubamos cerca alguma. Me sinto vítima é do Estado, porque em 1997 essa área foi definida como área rural de uso controlado. Ou seja, poderíamos habitá-la seguindo certas restrições", reforça.
Antonietto explica que a comunidade já apresentou proposta para regularizar a situação. "Essa região deveria fazer parte de uma zona de amortecimento do Parque Nacional. Deve ser mantida a característica rural e assim podemos ser parceiros na preservação do parque. A omissão do estado e a ação de políticos é que resultou nesse impasse", disse Antonietto, morador do Boa Esperança desde 1999. "Mesmo que a área fosse particular, por ser área de proteção ambiental, não poderia haver aquela ocupação", esclarece o procurador.

Proposta de ampliação do parque
A sobrevivência do Parque Nacional de Brasília está hoje nas mãos do Congresso Nacional. De acordo com o projeto de lei 4.186/04, enviado pelo Ministério do Meio Ambiente ao legislativo, o parque passará de 30 mil hectares para 46 mil hectares. "O tamanho hoje é insuficiente para abrigar populações viáveis de grandes animais. É preciso aumentar a reserva para garantir a vida de espécies nos próximos 50 anos. Temos de proteger a área de onde vem nossa água do crescimento urbano desordenado", aponta a analista ambiental do Ibama, Cristiane Horowitz.
A reserva ambiental abriga uma das poucas amostras do bioma cerrado que ainda remanescem no Planalto Central. É a maior zona núcleo da reserva da Biosfera do Cerrado (fase 1), reconhecida pela Unesco em 1994. A proximidade com o Plano Piloto, no entanto, favoreceu a valorização imobiliária, atraindo moradores de maior poder aquisitivo. As construções impermeabilizaram o solo, ou seja, impedem que as águas da chuva sejam absorvidas e que abasteçam o lençol freático. Há muitos poços profundos e semi-profundos que sugam a água que deveria abastecer os mananciais do Parque. (S.S.)

Linha do tempo
1391 - Existiam apenas três unidades de conservação no Brasil. Parque Nacional de Itatiaia (RJ), Serra dos Órgãos (RJ) e Iguaçu (PR).
1961 - Três décadas se passaram sem a criação de novas reservas ambientais. Neste ano porém, são criadas 12, entre elas o Parque Nacional de Brasília (PNB).
1966 - Governo federal cria comissão para analisar a situação dos 12 parques nacionais. O relatório de conclusão do trabalho já apontava a necessidade de ampliação do Parque Nacional de Brasília. Apontava a importância ecológica da região das nascentes e vales do Rio Palma, Ribeirão Dois Irmãos e córrego Cupim.
1970 - Novacap assina convênio com o então Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) para construção da represa Santa Maria dentro do parque. No acordo, fica estabelecido que a Novacap cederia áreas para a reserva. O que não ocorreu.
1984 - Nesta década as fronteiras do parque foram recuadas, por determinação do governo militar, para aumentar a Granja do Torto, residência do presidente da República.
1984 - Fotos de satélite da Unesco mostram que na região limítrofe da reserva ainda não existia ocupação urbana.
1990 - Aumenta a pressão urbana nas bordas do parque com a grilagem de terras.
Em 1994, o Parque Nacional é reconhecido pela Unesco como patrimônio do meio ambiente. Apesar disso, as ocupações em torno da reserva se proliferam de forma irregular.
2005 - Ministério do Meio Ambiente enviou projeto de lei ao Congresso para aumentar a área do parque de 30 mil para 46 mil hectares, incorporando área prevista em 1966.
Projeto prevê desocupação de terras ocupadas. Depois de muita polêmica, foi retirado o pedido de urgência do projeto e foi marcada audiência pública para debater a proposta. Projeto deve ser votado na próxima semana na Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados.

CB, 10/04/2005, Cidades, p. 30

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