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Oceano sem cor

O Globo, jun. 2010, Planeta Terra, p. 8-11
30 de Jun de 2010

Oceano sem cor
Aquecimento global mata corais no Brasil

Renato Grandelle

As mudanças climáticas começam a deixar os recifes de coral do Brasil menos coloridos. E não se trata de uma constatação estética. O branqueamento dos corais é o passo que antecede a sua morte, com graves consequências para os ecossistemas marinhos. Os corais perdem a cor porque as algas com as quais vivem em simbiose e lhes dão seu espetacular colorido são sensíveis a variações de temperatura e morrem. O fenômeno já é observado em pontos isolados do litoral brasileiro, numa faixa que abrange 2.500 quilômetros.

O aquecimento das águas do Oceano Atlântico, que tem atingido temperaturas recordes nos últimos anos, prejudica a associação entre algas e corais, pois ambos dependem de uma troca de favores para sobreviver.
O coral, animal minúsculo que tem tecido transparente, permite a entrada de algas naquele espaço. São os pigmentos delas que garantem o colorido dos recifes coralinos . Os corais fornecem abrigo e nutrientes as suas inquilinas; as algas, em troca, realizam fotossíntese e servem de alimento a seu anfitrião. Imensas colônias de corais formam os recifes, dos quais dependem centenas de outras espécies marinhas.

Essa aliança, no entanto, depende de condições muito bem definidas de luminosidade e temperatura. Se um desses fatores sai de controle, as algas entram em superprodução - e, assim, são expulsas pelos corais. Estudo da equipe do projeto Coral Vivo revelou que esse conflito tem ocorrido com frequência nos recifes de cinco estados brasileiros: Rio de Janeiro (na Baía da Ilha Grande), Bahia, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Sul.

- A temperatura registrada no mar está alta demais - lamenta Clóvis Castro, professor do Museu Nacional e coordenador do projeto Coral Vivo. - O calor faz as algas liberarem, dentro do coral, uma substância semelhante à água oxigenada. O coral, então, expele as algas de seu tecido e retoma sua coloração transparente.
A resistência dos corais à vida sem as algas é variável - depende de sua capacidade para captar alimentos. Aqueles que supriam suas necessidades quase exclusivamente com as algas podem morrer rapidamente. Alguns, porém, conseguem sobreviver alimentando-se do material orgânico de recifes. A dieta precária dura até um novo grupo de algas, mais adaptado às temperaturas mais altas, povoar os corais.

Não existe uma temperatura que sirva como limite para todas as espécies de corais.

Clóvis Castro, no entanto, resolveu testar qual índice poderia ser considerado preocupante.

O pesquisador pôs pólipos (estágio inicial) de coral em aquários que registravam diversas temperaturas. Constatou, assim, que o perigo começa quando os termômetros marcam acima de 31 graus Celsius.

- O mar já se aproxima diversas vezes desta marca - lamenta o pesquisador. - Ela é comum em Porto Seguro, por exemplo, durante a maré alta. E lá houve branqueamento de corais este ano. Em João Pessoa, outro grupo de pesquisas já registrou 33 graus Celsius no oceano, em área de recifes.

A distância entre os pontos onde houve branqueamento de corais mostra que o fenômeno não pode ser atribuído apenas a complicações típicas de uma região.

- Podem haver problemas locais, mas não podemos ignorar que as mudanças climáticas globais têm parte da culpa - ressalta Castro.

O caos do clima, embora cause estragos na biodiversidade de todo o planeta, provocará um efeito único por aqui. Diversas espécies de corais presentes no Brasil não existem em outros países.

Devido a essa exclusividade, os estudos realizados em recifes de outras regiões não podem ser aplicados aqui. E os levantamentos nacionais ainda são escassos. Não há, por exemplo, monitoramento constante da temperatura do Atlântico, o que deixaria os pesquisadores em alerta, caso fosse constatado que as águas estão ficando mais quentes.

Segundo Castro, mesmo com as mudanças climáticas, é possível tomar ações locais que minimizem o impacto sobre os recifes de corais - principalmente no Nordeste, onde estes recifes estão mais próximos da costa.

- Pode haver uma substituição de algas por outras que sobrevivam quando está mais quente, desde que não existam outros fatores de agressão ao meio ambiente - garante Castro. - É preciso criar unidades de conservação efetivas e combater o despejo de sedimentos nos mares, que ocorre por causa do desmatamento das matas ciliares. Mas, se essas e outras medidas não forem tomadas, a chance de sobrevivência dos corais será praticamente nula.

O Globo, jun. 2010, Planeta Terra, p. 8-11

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