VOLTAR

Obras que nao saem do papel

O Globo, Economia, p.25-26
28 de Ago de 2005

Obras que não saem do papel
Estão parados 62% dos projetos de saneamento, prejudicando 13 milhões de pessoas
Uma radiografia do saneamento básico do país mostra que a situação do setor é alarmante. Dos 423 contratos assinados no atual governo para expansão da rede de água e tratamento de esgoto, 264 obras (62%) estão paradas por vários motivos, deixando de beneficiar cerca de 13 milhões de pessoas. Além disso, segundo cálculos do Ministério das Cidades, 480.407 empregos previstos não foram criados. Em mais de dois anos e meio de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foram desembolsados apenas 17,7% do valor total contratado nesse período: R$3,67 bilhões de recursos do FGTS, a principal fonte de financiamento do setor.
Diante deste quadro, técnicos da área estão flexibilizando uma norma do Conselho Curador do FGTS, que suspende a liberação do dinheiro, se as melhorias não começarem num período máximo de dois anos. E decidiram prorrogar os prazos para duas empresas: a Companhia de Saneamento do Estado de São Paulo (Sabesp), para ampliação da rede de tratamento de esgotos e de água em oito municípios (Juquitiba, Cubatão, Registro, Juquia, Pedro de Toledo, Guararema, Caraguatatuba e Guarujá); e a paranaense Sanepar, para aumentar a produção de água em um poço em Apucarana (PR).
Outros 81 contratos devem enfrentar o mesmo impasse dentro de quatro meses. Com exceção de Bahia, Paraíba e Minas Gerais, o quadro é preocupante nos demais estados, especialmente em São Paulo, Paraná, Espírito Santo, Goiás e Distrito Federal, além dos estados do Nordeste. Há ainda o caso das companhias estaduais que não se candidataram aos empréstimos, porque não têm capacidade de endividamento — este é o caso da Cedae, do Rio de Janeiro.
Setor se queixa de burocracia
De um lado, o governo culpa os tomadores (estados e municípios), que, por sua vez, criticam as autoridades federais. O setor reclama de entraves burocráticos e morosidade na obtenção de licenças ambientais, regularização fundiária e licitações, o que impede o repasse de recursos necessários para que as obras sejam realizadas.
— O governo federal não tem responsabilidade sobre isso (aplicação dos recursos). Isso é responsabilidade do tomador. Estamos assinando contratos — diz o secretário Nacional de Saneamento do Ministério das Cidades, Abelardo de Oliveira Filho.
— Há uma inércia do setor. O aumento da burocracia faz com que o ritmo de desembolso seja muito inferior ao que já foi no passado — diz o presidente da Associação das Empresas de Saneamento Básico (Aesb), Marcos Thadeu Abicalil.
Segundo ele, com a criação do Ministério das Cidades — que também faz análise técnica e autoriza os pedidos de empréstimos, papel da Caixa Econômica Federal — está havendo uma duplicidade de rotinas. Com isso, a aprovação de um projeto leva mais de seis meses. Abicalil também criticou o número excessivo de normas baixadas pelo Ministério das Cidades.
Uma delas, que acabou caindo, disse Abicalil, foi a exigência da declaração do prefeito de que a via, destinada à construção da obra, é pública. O ministério também passou a cobrar o registro imobiliário do terreno para liberar o financiamento, mesmo nos casos de desapropriação, o que pode levar anos na Justiça, queixou-se o presidente da Aesb.
— Antes, não havia regras e o governo repassava automaticamente. Agora, só vamos liberar o dinheiro se tivermos certeza de que ele vai retornar — retrucou o secretário, acrescentando que o governo está mais preocupado com a qualidade do gasto público, a fim de evitar desvio de recursos.
Sem poder fazer nada, Luzia Correia Santiago, moradora da Vila São José do Setor Habitacional Vicente Pires (região do entorno do Distrito Federal), reclama que mora no local há 15 anos e não sabe o que é ter acesso a água tratada e rede de esgoto. Com seis filhos e o marido desempregado, Luzia disse que não tem dinheiro para construir nem mesmo uma fossa, e o quintal serve de banheiro aos seis filhos.
Em Vicente Pires, onde moram cerca de 30 mil famílias, não existe rede de água. A Companhia de Saneamento do Distrito Federal (Caesb) tem contrato assinado com a Caixa para resolver o problema da população desde dezembro de 2003, mas alega que há um ano aguarda licença ambiental para iniciar as obras. A área tem problemas de regularização fundiária e depende de autorização do Ministério Público, esclareceu o Ibama/DF.
Os quase 200 mil habitantes de Águas Lindas de Goiás (GO), outra região do entorno de Brasília, também sofrem com a falta de água. Sem rede de abastecimento de água e de tratamento de esgoto, as alternativas são os poços artesianos e fossas. Mas toda a água servida (com restos de comida da lavagem de louças) vai para as ruas, o que atrai ratos e provoca doenças.
— Espero que tudo isso acabe um dia — disse Lucilene Duarte Lustosa, que tem dois filhos pequenos.
Só após um ano da assinatura do contrato, a Caesb e a Saneamento de Goiás S.A. (Saneago) conseguiram abrir, no mês passado, o processo de licitação para as obras na região.
Em São Paulo, o diretor da Sabesp Rui de Brito diz que os obstáculos estruturais e institucionais, como as brechas na lei de licitações e as exigências ambientais que emperram os projetos, além da burocracia e as regras ambíguas” do Ministério das Cidades, aumentam os problemas das empresas para viabilizar a liberação dos recursos do FGTS.
— Estamos trabalhando para acelerar os processos e temos apresentado à Caixa sugestões para diminuir os problemas que atrasam a liberação dos recursos — afirma Brito, destacando que as conversas com o Ministério das Cidades têm sido mais ideológicas e menos técnicas”. — Agora que há disponibilidade de recursos para o saneamento, criam enormes dificuldades para se tomar os recursos em tempo hábil.

O peso do atraso: Nordestinos sofrem
Estados pobres, obras paralisadas
Os estados do Nordeste, que apresentam os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), estão entre os campeões de obras paradas. No Maranhão, o segundo pior IDH do Brasil — atrás de Alagoas — todos os 19 contratos assinados pela companhia de águas e esgotos do estado no fim de 2003, para levar água encanada e tratamento de esgoto à população, ainda não viraram obras. Com as melhorias, 521 mil pessoas seriam beneficiadas.
No Piauí, só um dos três convênios firmados pela empresa estadual de água e esgotos com a Caixa saiu do papel. E o contrato visa apenas a melhorar a gestão da companhia. As obras para ampliação da rede de água e esgoto em Teresina estão paradas. Sergipe também não conseguiu obter o dinheiro para a obra de expansão da rede de água à população de Aracaju, no valor de R$94 milhões.

Governo admite dificuldades na Região Nordeste
Mas alega que pouco pode fazer pelo saneamento básico
O governo admite que os estados do Nordeste enfrentam sérias dificuldades para dar andamento às obras de saneamento básico — fundamentais para que o IDH suba na região — mas alega que não pode fazer nada. Segundo o secretário Nacional de Saneamento do Ministério das Cidades, Abelardo de Oliveira Filho, existem questões que fogem ao controle da esfera federal, como os entraves na lei de licitações, as dificuldades impostas pelos órgãos ambientais para conceder a licença e problemas de regularidade fundiária.
— Alguns estados têm problemas seríssimos — reconheceu o secretário.
Já as empresas concessionárias Deso (Companhia de Saneamento de Sergipe), Agespisa (Água e Esgotos do Piauí S.A.) e a maranhense Caema reclamam que, embora tenham limites de endividamento para a contratação das obras, até agora não obtiveram a devida autorização do Tesouro Nacional.
O secretário ressaltou, no entanto, que alguns estados nordestinos, como Bahia e Paraíba, estão mais avançados no cronograma que regiões mais desenvolvidas, a exemplo de São Paulo. Além dos oito contratos assinados pela Sabesp em julho de 2003 — que não tiveram qualquer desembolso até agora — há outras 38 obras de um lote de 46, de junho do ano passado, totalmente paradas. (GD)

Parcela não atendida é de 93,7 milhões
As deficiências em saneamento básico no Brasil são grandes. Em 2000, 93,7 milhões de pessoas (55,6%) viviam em residências sem rede coletora de esgoto. A previsão da ONU é que, mantido o atual ritmo de investimentos, 42,3% da população continuem nessa mesma situação em 2015 — prazo estabelecido para as Metas do Milênio.
Mesmo no item de acesso à água potável, em que o Brasil deverá atingir a meta, a estimativa é de que 15% da população ainda vivam sem esse serviço em 2015. Na Região Metropolitana do Rio, os dados do IBGE mostram que 37% dos domicílios (1.185.572) não contam com rede de esgoto. Em Seropédica, o percentual chega a 88,7%. No Rio e em Niterói, mais de 20% das casas não têm saneamento básico.
Ao todo deverão ser gastos em obras de saneamento cerca de R$ 3 bilhões em 2005. Mas para a universalização no setor, seriam necessários R$ 10 bilhões ao ano.

O Globo, 28/08/2005, p. 25-26

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.