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Obra no S. Francisco continua no papel

OESP, Nacional, p. A14
02 de Jul de 2006

Obra no S. Francisco continua no papel
Principal motivo da paralisação do projeto foi conflito entre os Estados

Ribamar Oliveira e Mariângela Gallucci

Da mesma forma que seus antecessores, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva também não conseguiu fazer a transposição das águas do Rio São Francisco para Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. As obras da transposição - idealizada pela primeira vez no século 19 - não podem mais ser iniciadas no atual mandato de Lula, por causa da Lei Eleitoral. Agora, o projeto vai depender de quem for eleito em outubro.

A transposição recebeu, no atual governo, o nome de integração de bacias e era o principal projeto de investimento do presidente. A nova versão do programa pretendia levar água para uma região do semi-árido nordestino habitada por 12 milhões de pessoas, a um custo de R$ 4,5 bilhões, em sua primeira fase. Ao fim de três anos e meio de governo, Lula gastou pouco mais de R$ 100 milhões com o projeto, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi).

Os conflitos de interesses entre os Estados banhados pelo São Francisco e os que receberiam a água foi o principal motivo da paralisação do projeto. Os Estados que fazem parte da bacia do Velho Chico alegam que tirar 26,4 metros cúbicos de água por segundo do rio, como prevê o projeto de transposição, significa esgotar a possibilidade de eles desenvolverem novos projetos econômicos para utilizar seus recursos.

Atualmente existem 15 ações no Supremo Tribunal Federal que impedem o início das obras. Do total, 14 estão com ministro Sepúlveda Pertence e uma com o ministro Joaquim Barbosa. Ainda não há data para o julgamento dessas ações, mas o assunto agora só poderá voltar à pauta do Supremo depois do recesso de julho do Judiciário.

O projeto de transposição já tinha obtido, da Agência Nacional de Águas (Ana), a outorga de direito de uso da água e o certificado de avaliação de sustentabilidade da obra e poderia ter sido iniciado ainda em 2005, não fosse a batalha jurídica. A situação mais tensa ocorreu em outubro do ano passado, quando o bispo da diocese de Barra (BA), d. Luiz Flávio Cappio, entrou em greve de fome para suspender o início das obras da transposição.

A atitude do bispo comoveu o País e o governo foi obrigado a rediscutir o projeto. Lula chegou a recebê-lo em audiência no Palácio do Planalto. Prometeu que o governo voltaria a discutir o assunto com a sociedade. No início deste mês, por exemplo, será realizado um seminário em Brasília com a participação de d. Cappio, com o objetivo de debater soluções para o problema do semi-árido nordestino.

"A questão é o semi-árido, e a transposição é apenas um item do seminário", ressaltou o bispo de Barra. Ele continua contrário à transposição. "Quem conhece o projeto não pode ser favorável a ele", afirmou. D. Cappio espera que o próximo presidente "tenha um mínimo de bom senso e não comece o seu governo com uma obra tão polêmica".

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF) também é contrário ao projeto e não vê razão para mudar de opinião. "Houve uma deliberação do comitê contra o uso externo das águas do São Francisco para outros fins que não sejam o abastecimento humano e animal", disse a coordenadora-executiva do CBHSF, Yvonilde Medeiros. A maioria dos opositores acredita que o objetivo da transposição é garantir água para projetos de irrigação e outros empreendimentos privados no Ceará, na Paraíba e no Rio Grande do Norte.

Pelo projeto, a captação de 26,4 metros cúbicos de água por segundo do São Francisco será feita entre as barragens de Sobradinho (BA) e Itaparica (PE), por meio de dois sistemas independentes. O eixo norte, com aproximadamente 402 quilômetros, e o eixo leste, com cerca de 220 quilômetros. Em 2005, o governo incluiu no Orçamento Geral da União um montante de R$ 446 milhões para a obra, mas gastou apenas R$ 98,4 milhões.

Na perspectiva de que a transposição fosse iniciada este ano, o governo autorizou o empenho, ao apagar das luzes de 2005, de cerca de R$ 400 milhões para a obra. Além disso, incluiu no orçamento de 2006 uma verba de R$ 429 milhões. Em tese, o governo poderia utilizar mais de R$ 800 milhões na obra este ano. Mas teve de adiar o projeto por causa da Lei Eleitoral. O ministro da Integração Nacional, Pedro Brito, não quis falar sobre o novo adiamento do projeto.

Atraso criou ansiedade nos Estados ribeirinhos
Governo jogou a culpa do fracasso no Congresso, que só aprovou o orçamento em maio
O atraso na liberação das verbas orçamentárias deste ano para os programas de revitalização e recuperação do Rio São Francisco foi uma novela que criou ansiedade nas administrações dos Estados que fazem parte de sua bacia e de entidades ligadas ao meio ambiente. O governo Lula culpou o Congresso por ter aprovado o orçamento de 2006 apenas em maio.

Na primeira semana de junho, o Ministério da Integração Nacional tinha autorizado o empenho de somente 28% da verba orçamentária destinada às obras de recuperação e revitalização do Rio São Francisco e apenas 0,6% dos recursos destinados ao reflorestamento de nascentes, margens e áreas degradadas do Velho Chico, segundo dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi). A autorização de empenho é o primeiro passo para o gasto.

Na mesma época, o Ministério do Meio Ambiente, por sua vez, tinha autorizado somente 0,4% da verba do programa de recuperação e preservação da bacia do rio. "O governo federal não pode ser responsabilizado por essa situação, pois o orçamento só foi aprovado pelo Congresso em maio", rebateu o secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, Cláudio Langone. "A questão não é de deficiência de execução, pois o orçamento abriu muito tarde", defendeu-se.

O governo federal não conseguiu aprovar nenhum dos 12 projetos de recuperação e preservação, apresentados de acordo com os planos definidos para a bacia do São Francisco, segundo a coordenadora-executiva do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco (CBHSF), Yvonilde Medeiros. "A justificativa é sempre o atraso na aprovação do orçamento", disse ela. Outros quatro projetos apresentados pelo governo de Pernambuco também ficaram aguardando deliberação.

Mas todas as expectativas foram sepultadas desde ontem, quando começou a vigorar o prazo em que o governo federal fica proibido de fazer transferências voluntárias de recursos para Estados e municípios, por determinação da Lei Eleitoral. O desenlace ocorreu sem que o Ministério do Meio Ambiente tenha conseguido viabilizar a execução dos projetos e a liberação de R$ 15 milhões para avançar com a obra, a despeito de ter criado uma força-tarefa para tentar tornar os projetos operacionais até o dia 30 .R.O.

OESP, 02/07/2006, Nacional, p. A14

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