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Obra na BR-101 destroi sitios arqueologicos

FSP, Cotidiano, p.C5
21 de Ago de 2005

Segundo o Iphan, 25 locais já foram danificados na BR-101
Obra na BR-101 destrói sítios arqueológicos
Thiago Reis
As obras de duplicação do trecho sul da BR-101 em Santa Catarina já danificaram 25 sítios arqueológicos. A constatação é do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
O órgão acompanha diariamente a situação dos sítios arqueológicos à beira da estrada. Na semana passada, mais um foi descoberto, após ser parcialmente destruído, em Criciúma (202 km de Florianópolis).
"Estamos diante de uma calamidade. A rodovia é necessária. Todos somos a favor dela. Mas é nossa responsabilidade zelar pelo patrimônio cultural do nosso país", afirma o arqueólogo do Iphan Rossano Lopes Bastos.
Os sítios ao redor da BR-101 são, em sua maioria, sambaquis -registros de indígenas e acampamentos de pescadores formados por amontoados de conchas de moluscos, peixes e crustáceos.
A coordenadora-geral de meio ambiente do Dnit, Angela Parente, afirma que o órgão ainda não aprovou um projeto de salvamento dos sítios arqueológicos porque o orçamento apresentado, de R$ 2,9 milhões, é muito alto.
O sítios arqueológicos são considerados bens culturais imóveis protegidos pela legislação nacional -o Iphan cadastrou 12 mil.
Quase todos os sítios ao redor da BR-101 só foram descobertos devido às obras. Segundo Bastos, o Dnit (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes) não pode alegar "desconhecimento", pois o Iphan alerta o órgão para a presença dos bens culturais ao longo da BR desde 1998.
"Eles iniciaram as obras sem se preocupar com o resgate [das peças]. Era possível achar e tirar os sítios da frente da rodovia", diz.
As obras de infra-estrutura, afirma, envolvem máquinas que removem terra e derrubam a vegetação -o que um sítio arqueológico não é capaz de suportar. "Alguns deles são rasos e frágeis. As obras acabam ocasionando uma perda total. O dano é irreversível."
Para o arqueólogo, houve desatenção por parte do empreendedor em não efetuar os devidos serviços no tempo adequado. "Isso só vem a confirmar a falta de cultura dos órgãos públicos."
Embargo
Há dois meses, a duplicação da rodovia chegou a ser embargada após o Iphan detectar a destruição de um sítio em Imbituba (104 km de Florianópolis), onde estavam os restos de uma das aldeias guaranis mais antigas do Brasil.
O Dnit contratou, então, uma equipe de arqueólogos para monitorar as áreas. No início, eram cinco profissionais; quatro semanas depois, eram dez.
Não adiantou. No último dia 5, uma operação de rotina do Iphan, em conjunto com a Policia Federal, constatou o soterramento do sítio Treze de Maio, em Jaguaruna (189 km da capital).
A delegada Julia Vergara da Silva disse que irá instaurar um inquérito para apurar as causas e os responsáveis pelo crime. A pena pode chegar a três anos de reclusão e multa. O engenheiro da construtora que opera no local prestou depoimento e, segundo a delegada, disse "desconhecer" o sítio -delimitado por faixas.
Responsável contratado pelo Dnit, o arqueólogo Marco Aurélio Nadal De Masi, PhD em antropologia pela Universidade de Stanford, admite as falhas. "Os operários não sabem o que é um sítio arqueológico. É preciso ter, além da educação ambiental, a patrimonial", afirma.
Ele diz ainda que o monitoramento "não adianta muito" e que a equipe reduzida não consegue "dar conta de 250 km de rodovia".
De Masi cobra a contratação de pessoal para um trabalho de salvamento dos sítios, o que estima em cerca de R$ 2,9 milhões.
O superintendente do Iphan em Santa Catarina, Dalmo Vieira Filho, concorda. Segundo ele, será realizada uma reunião nesta semana -o órgão irá propor que nenhuma máquina trabalhe sem a presença de arqueólogos.
Outra preocupação é com o isolamento das áreas. Apesar das faixas zebradas, nem todos os sítios têm placas especiais de indicação para auxiliar as construtoras.
O Iphan quer iniciar neste mês um curso -previsto no orçamento feito por De Masi- para os operários que estão na obra.

Orçamento alto adia aprovação de salvamento
A coordenadora-geral de meio ambiente do Dnit, Angela Parente, afirma que o órgão ainda não aprovou um projeto de salvamento dos sítios arqueológicos porque o orçamento do arqueólogo Marco Aurélio Nadal De Masi -R$ 2,9 milhões- é muito alto.
"Se por um lado eu tenho a pressão do Ministério Público para cumprir a legislação ambiental, eu também tenho de dar uma satisfação aqui, pois não posso fazer uma coisa superfaturada", diz. A coordenadora admite atraso no cronograma por causa do valor.
Segundo Parente, as obras foram iniciadas sem o projeto, pois, "no primeiro momento, não havia verbas". Sete meses depois, ela diz que o arqueólogo aumentou o valor, antes de R$ 1,8 milhão.
De Masi afirma que o próprio Dnit pediu a revisão do projeto inicial e que na nova proposta está incluído também um curso de educação patrimonial aos trabalhadores. "Isso é mais uma desculpa para ficar prorrogando."
Parente diz, no entanto, que o valor é "caro" se comparado com o que o órgão desembolsou no trecho do Rio Grande do Sul, onde havia nove sítios arqueológicos ao longo da rodovia. "Foi outra época, mas foi R$ 180 mil."
"É difícil a negociação com o detentor do sítio [De Masi], pois eu não tenho opção de contratar outros arqueólogos", diz. Uma portaria do Iphan dá o direito de o responsável pela descoberta realizar o trabalho de resgate.
Para o superintendente do Dnit em Santa Catarina, João José dos Santos, "esse assunto já vem se arrastando". "Temos um relacionamento muito bom com o Iphan. Não há polêmica", diz.
Em Brasília, o discurso de Parente é outro. "O Iphan tem que compreender a situação e não pressionar a gente. (...) A gente tem que analisar [o projeto de salvamento]. Eu não posso assinar no escuro um plano de trabalho."
Em relação à destruição do sítio Treze de Maio, o supervisor do Dnit na região Sul, o engenheiro Avani Aguiar de Sá, disse que houve um "mal-entendido". "O encarregado fez umas três viagens [com terra] no sítio lá, que já tinha sido limpo. Foi falta de informação. O pessoal sabia que era na região, mas não estava demarcado."
Campeã de acidentes
Uma das campeãs em mortes no trânsito no país, a BR-101 registrou no primeiro semestre 98 vítimas fatais só em Santa Catarina. Foram 2.554 acidentes com 1.523 vítimas -345 com ferimentos graves, de acordo com a Polícia Rodoviária Federal.
No trecho já duplicado, o número de acidentes foi 60% maior (mesmo ele sendo 32 km menor em extensão). Foram 1.572 acidentes, contra 982 da parte da rodovia ainda em obras.
No trecho não duplicado, o único dado alarmante é a razão de mortos por acidente: um a cada 16. Na outra ponta da pista, o índice cai para um a cada 40.
Outro objetivo da duplicação é aumentar a capacidade de exportação e importação do país e estimular o turismo na região.
O custo estimado das obras, previstas para serem concluídas em 2008, é de R$ 1,1 bilhão. São 249,3 km, divididos em oito lotes licitados. (TR)

FSP, 21/08/2005, p. C5

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