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Objeto de pesquisa, sítio histórico e arqueológico de Rebio em Brasília corre risco de destruição

ICMBio - www.icmbio.gov.br
Autor: Carla Lisboa
27 de Mai de 2009

O Sistema de Autorização e Informação em Biodiversidade (Sisbio) do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) acaba de aprovar a realização de uma pesquisa na Reserva Biológica (Rebio) da Contagem, ao lado do Parque Nacional de Brasília, no DF, para confirmar a existência de sítios arqueológicos e históricos por meio de estudos dos vestígios de um posto fiscal da Coroa Portuguesa descobertos no interior da reserva. Apesar de sua importância, os sítios correm risco de serem destruídos por invasores antes mesmo de as pesquisas serem concluídas.

Intitulado "Patrimônio cultural do Parque Nacional (Parna) de Brasília", o projeto de pesquisa, a cargo do professor Wilson Carlos Jardim Vieira Junior, do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), vai se concentrar na Rebio da Contagem, uma vez que a reserva se localiza em área contínua ao norte do parque e é o local que, segundo ele, guarda a maior parte dos sítios arquelógicos e históricos que serão pesquisados.

Com o estudo, Vieira Junior pretende envolver o ICMBio e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) na elaboração de uma legislação que complemente os conceitos de conservação preconizados pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e propor o estabelecimento de novas regras de gestão, por meio do plano de manejo, nas unidades que abrigam sítios arqueológicos pré-históricos e históricos.

LEVANTAMENTO - Num primeiro levantamento realizado na área em 2005, o pesquisador da UnB encontrou, na reserva, estruturas e objetos que indicam a existência de um Posto Fiscal da Coroa Portuguesa do século XVIII. A unidade, segundo ele, abriga construções, monumentos e marcas que contam a história da colonização do Centro-Oeste.

Além do projeto a ser apresentado na universidade para aquisição do título de mestre, Vieira Junior vai montar fichas dos sítios existentes na reserva e defender o tombamento e o reconhecimento da região como patrimônio histórico da humanidade perante o IPHAN, o ICMBio e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

A Estrada Real da Bahia é uma das pistas deixadas pelos colonizadores dentro da Rebio da Contagem. Trechos dessa rodovia ainda estão preservados, sobretudo na área em que hoje se localiza o bairro Lago Oeste. Ela, juntamente com as Estradas Reais do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e a Estrada Real do Nascente, formava uma malha viária pelo interior do País por onde escoava o ouro que era levado para os portos da Bahia e do Rio de Janeiro para ser enviado a Portugal.

As estradas reais eram também as vias por onde transitavam as pessoas e os produtos que vinham do litoral para abastecer os primeiros colonizadores da área que hoje é o Distrito Federal. Todo tipo de mercadorias, como escravos, gado, sal, carnes, pólvora para as minas de ouro e outros suprimentos para abastecimento dos primeiros moradores passavam necessariamente pelo Posto Fiscal de Contagem, referência que acabou por dar o nome à reserva.

"Lá tem o valo, ou seja, as trincheiras, que serviam para conter o gado. Não encontramos o alicerce, mas vimos os vestígios de madeira e um pequeno trecho da estrada que indicam o local em que funcionou a fiscalização da Coroa. O asfalto da DF-001, no Lago Oeste, está sobre essa estrada. Da Rebio saía uma outra estrada, vicinal, que ligava a Estrada Real da Bahia ao Arraial de Santa Luzia, que hoje se chama Luziânia", conta o historiador.

Wilson Junior planeja reunir levantamentos históricos e pré-históricos para elaborar um mapa que retrate a região antes da construção da capital federal. Segundo ele, nos sítios arqueológicos identificados foram encontrados cemitérios, estradas, fazendas, casas, valos e vários rastros que mostram que a história dessa região não começou com a construção de Brasília.

PRÉ-HISTÓRIA - Vestígios encontrados na região da Rebio da Contagem indicam que a presença humana no local remonta há mais de seis mil anos A.C. Diluída no meio de uma vegetação representativa de seis tipos de cerrado, as marcas confundem-se com o bioma, mas são fósseis indicadores da presença de grupos humanos pré-históricos, do período lítico, ou seja, do tempo da pedra lascada.

Suspeita-se que eram grupos de caçadores e coletores. Os indícios, como sugerem alguns objetos em forma de pratos entalhados em pedra e outras manufaturas, ainda se encontram espalhados na Rebio. A descoberta foi feita pela equipe de pesquisadores do Núcleo de Arqueologia do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia (IGPA) da Universidade Católica de Goiás (UCG), em setembro do ano passado.

Durante a realização do "Levantamento do Patrimônio Arqueológico Pré-Histórico e Histórico Cultural na Área Diretamente Afetada pela Construção da Estação de Tratamento de Água (ETA) Contagem e Reforma e Construção de Adutoras, no Distrito Federal", os pesquisadores identificaram três sítios arqueológicos pré-históricos, classificados como sítios líticos a céu aberto.

Eles coletaram 19 instrumentos supostamente manufaturados pelos ancestrais humanos e matéria-prima bruta em quartzito. Os objetos estavam na superfície e subsuperfície da área a ser afetada pela obra da Companhia de Água e Esgotos de Brasília (Caesb). A descoberta confirma a existência dos sítios arqueológicos e amplia a lista dos mais de 100 sítios históricos e pré-históricos registrados no Distrito Federal.

Além da própria vegetação do cerrado e dos sítios arqueológicos, somam-se às riquezas da Rebio um dos maiores aquíferos que abastece Brasília e a maioria das cidades-satélites de água potável. Por isso, dentro da reserva há estações de tratamento e adutoras da Caesb.

Há lendas sobre a existência de tesouros milionários enterrados em seu subsolo, o que por muito tempo atraiu moradores do seu entorno, principalmente da Vila Basevi, da Rua do Mato e da Fercal. Alguns chegaram a cavar buracos de mais de um metro de profundidade em trechos de sítios arqueológicos para localizar um ouro que nunca foi encontrado.

PRESSÕES - Embora seja uma área em que a visitação pública e a interferência humana sejam proibidas pelo SNUC (Lei no 9.985/00 e Decreto no 4.340/02), a Rebio da Contagem sofre pressão por todos os lados, sobretudo, pela especulação imobiliária. Estradas, condomínios urbanos, vilas, fábricas de cimento e de asfalto, cascalheiras, bem como a invasão da reserva para atividades de lazer, prejudicam a biota e destroem os sítios arqueológicos.

"A Rebio, segundo a lei do SNUC, esta incluída em uma categoria de unidade de conservação que não permite uso intenso nem visitação turística, apenas estudos científicos e atividades de cunho educacional. Alem disso, encontramos lá o cerrado senso stricto, cerrado rupestre, campos sujos, campos limpos, mata de galeria e matas de encosta, ou seja, ela protege seis diferentes fitofisionomias vegetais do cerrado, um dos biomas mais ameaçados do mundo", informa a chefe da Rebio, Isabela Deiss.

Ela garante que todo o cuidado é pouco com a Rebio da Contagem e conta que tem desenvolvido uma luta árdua para impedir a invasão. Contudo, apesar das placas e das abordagens aos moradores e às pessoas que invadem a reserva, a fim de esclarecer e impedir a entrada na área, a população costuma usar a reserva como atalho, pista de motocross, área de ciclismo, espaço para praticar trilha e até mesmo como lixão.

Moradores dos condomínios jogam lixo e ateiam fogo, provocando grandes incêndios florestais durante o período das secas. Eles costumam também retirar clandestinamente a água dos mananciais. São ações que eliminam um dos poucos remanescentes de cerrado que existem dentro do DF e podem destruir para sempre os instrumentos que contam a história do Brasil.

"Enfrentamos um problema muito sério por causa dessa especulação imobiliária em volta da reserva. É que as pessoas começam a usá-la como área de lazer. Usam-na como se fosse o quintal das suas casas e andam de bicicleta na reserva, fazem caminhadas, passeiam com seus animais, jogam e queimam seu lixo dentro da reserva, o que pode acarretar a depredação desse importante patrimônio cultural. Além do mais, esse uso representa grande ameaça para a fauna, alterando e prejudicando de maneira significativa sua dinâmica e provocando seu afugentamento, sem falar que prejudica o estabelecimento de diversas espécies vegetais, em razão do pisoteio e da alteração de microclimas ", afirma Isabela.

Situada ao norte do Distrito Federal, entre as bacias do rio Maranhão (Bacia Amazônica) e do rio Sobradinho (Bacia Platina), a Rebio tem 3.400 hectares e está entre as cidades-satélites do Lago Oeste e Sobradinho, na Chapada da Contagem, região mais elevada do DF. Trata-se de uma área considerada como último remanescente da mais antiga superfície de erosão da América do Sul, onde se encontram a maior parte das nascentes e dos aquíferos que abastece o Plano Piloto e as cidades-satélites.

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