VOLTAR

O vale e a Vale

O Globo, País, p. 6
Autor: LEITÃO, Míriam
21 de Dez de 2015

O vale e a Vale
Presidente da empresa quer transformar ação de R$ 20 bilhões em termo de conduta

Miriam Leitão

RIO - O presidente da Vale, Murilo Ferreira, afirmou que a Samarco é a responsável pela tragédia de Minas, mas assumiu o compromisso de trabalhar pela recuperação do vale do Rio Doce. Ele disse que gostaria que a ação civil pública de R$ 20 bilhões, movida pelo governo, fosse transformada em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), mas avisa: "Não estamos discutindo o dinheiro."
Na primeira entrevista exclusiva que o presidente da Vale deu desde o rompimento da barragem de Fundão - que provocou o maior desastre ambiental com rejeitos de minério no país -, Murilo Ferreira se equilibrou entre fugir da responsabilidade legal pelos eventos e assumir sua parte da responsabilidade pela recuperação dos danos ambientais e sociais provocados pelo rompimento da barragem em Minas.
Segundo ele, todas as 146 barragens da Vale estão sendo vistoriadas neste momento por especialistas do exterior, para aumentar o grau de segurança, mas garantiu que nenhuma das barragens está em risco hoje. No entanto, ele mesmo admite que a tecnologia evoluiu e que não é mais necessário ter barragens de rejeitos como antigamente. Os novos projetos não terão mais essas barragens.
Murilo Ferreira alegou cumprimento da lei antitruste para sustentar que não tinha qualquer ingerência na administração da Samarco.
- A Vale produz 50 milhões de toneladas de pelotas, a Samarco, 30 milhões, em um mercado de 130 milhões. A Vale, a Samarco e a BHP são concorrentes entre si, e eu tenho que seguir uma disciplina de governança rigorosa para cumprir a lei, inclusive a brasileira. Eu nunca soube quem são os clientes da Samarco, nem por quanto ela vende - afirmou à Globonews.
Perguntado se isso significa que ele também não sabe como a Samarco administra seus rejeitos industriais, Ferreira disse que isso, sim, ele acompanhava pelos documentos que a empresa é obrigada a produzir. Disse que ainda não se tem ideia das causas da tragédia. E argumentou que a Vale já estava orientada para uma integração das ações de recuperação do rio, que estava degradado e assoreado, sem mata ciliar e sofrendo com os esgotos lançados pelas cidades em torno do rio:
- Tivemos agora esse acidente terrível sob todas as perspectivas, mas é uma oportunidade de mostrar uma empresa mais gabaritada do que nunca para assumir suas responsabilidades em relação ao vale. A Samarco começa em Mariana, mas atravessa Minas e chega ao Espírito Santo sem passar pelo Rio Doce, mas com a Vale é diferente. Nossa casa é o Rio Doce, essa é a origem do nosso nome. Vamos ignorar? Não podemos.
Murilo Ferreira acredita que em 10 anos o vale do Rio Doce pode estar numa situação muito melhor do que estava antes da tragédia, porque o trabalho de recuperação não pode separar o reparo dos efeitos do desastre do esforço para corrigir os problemas já existentes, tendo de ser um trabalho que inclua tratar esgotos e refazer a mata ciliar.
Ele nega que a Vale seja responsável por 30% do que é despejado na barragem de Fundão, fato que foi revelado pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). O presidente garante que é menos de 5%.
Ele afirmou já ter dito aos governadores de Minas Gerais e Espírito Santo que gostaria que a ação que os governos estaduais e federal estão movendo contra Vale, BHP e Samarco fosse transformada num TAC, no qual fosse negociada "entre homens de boa vontade" a recuperação do vale. Ele disse ainda que, dessa forma, foge-se da "lenga-lenga jurídica" que pode atrasar os esforços:
- Não estou discutindo números, mas o que precisa ser feito. A Vale tem 73 anos e nunca lidou com uma situação de um desconforto dessa ordem, nem perto disso. Esse acidente terrível pode ser um exemplo, uma transformação.
A Vale está tendo prejuízo este ano pela queda forte do minério de ferro. Sobre a situação da companhia, Ferreira disse que o preço não voltará a ser o que era antes:
- Não voltará aos US$ 191 a tonelada, mas acho que não ficará nos atuais US$ 38. Pode recuperar um pouco, mas a rentabilidade que tinha no passado, esquece. A Vale cortou os custos de US$ 7,1 bilhões em 2012 para algo calculado pelos analistas em US$ 2 bilhões este ano. Vamos trabalhar com custos mais baixos.

O Globo, 21/12/2015, País, p. 6

http://oglobo.globo.com/brasil/artigo-vale-a-vale-18340746

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.