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O sertão do Brasil no tempo dos dinossauros

OESP, Caderno 2, p. D1, D3
28 de Ago de 2004

O sertão do Brasil no tempo dos dinossauros
Faap expõe riquezas da Chapada do Araripe e mostra a evolução da vida aos olhos da arte e ciência

Maria Hirszman

Muito se falou no passado recente sobre os 500 anos de história do Brasil. Uma exposição grandiosa, que será inaugurada amanhã em São Paulo, no Museu de Arte Brasileira, da Faap, reduz a pó esse pequeno intervalo de tempo e recua milhões de anos no tempo, revelando com riqueza de detalhes como era a vida animal e vegetal no País em eras bem mais longínquas, quando dinossauros ainda viviam na Terra.
O ponto de partida da mostra, que concilia precisão científica com o cuidado em apresentar as coisas de forma didática e visualmente atraente, é a Chapada do Araripe, patrimônio mundial de onde vêm a maioria dos itens contemplados pela exposição. Também vem de lá o projeto da mostra, idealizado pela Fundação Araripe e abraçado pela Faap, que rompe com este evento a tradição de focar-se apenas em ações de cunho histórico e artístico.
O enorme platô, de 50 mil quilômetros quadrados, situado na fronteira entre Ceará, Pernambuco e Piauí, é um centro de pesquisa importante, de reconhecimento internacional, com clima extremamente propício para a conservação e onde se encontram com freqüência registros importantes da vida no período mesozóico (entre 240 e 65 milhões de anos atrás) e sobretudo no cenozóico (até os dias atuais). Dentre as características únicas dessa região está o fato de que foi provavelmente ali que surgiram as primeiras espécies de plantas a utilizarem as flores como forma de reprodução.
Uma das principais atrações da exposição é exatamente do mesmo período dessa transformação botânica: a figura de um dinossauro de cerca de 110 milhões de anos atrás, reconstruído a partir de fóssil do crânio de um animal semelhante encontrado na região (além dele há ainda fósseis de um pequeno dinossauro e três pterossauros). A recriação desse animal da espécie Angaturama - um exemplo da importância geopolítica dessas descobertas é o hábito dos cientistas de batizar esses animais com nomes de origem indígena - dá uma interessante dimensão ficcional à exposição.
"Há na mostra uma boa dose de representação. Estamos no mundo do quase faz-de-conta. Afinal, esse dinossauro é a interpretação de um cientista a partir de alguns elementos", explica Diógenes de Almeida Campos, um dos responsáveis pela curadoria científica. Nada mais equivocado do que a idéia de que a ciência é feita de idéias absolutas.

A evolução das espécies em terras brasileiras
Mostra parte das riquezas arqueológicas, paleontológicas e artísticas do Nordeste para explicar, de maneira atraente, como plantas e animais se desenvolveram ao longo de milhares de anos

Maria Hirszman

A exposição Ciências da Terra, Ciências da Vida não é uma via de mão única. Alia elementos aparentemente díspares, como a sofisticada cenografia de Lino Villaventura, e as fascinantes paredes de vegetação que recriam a história evolutiva das plantas. E, desta maneira, tenta unir ou pelo menos aproximar áreas aparentemente estanques do conhecimento, tornando-as mais visíveis e facilitando ao grande público a compreensão de questões normalmente restritas - e de forma muitas vezes sisuda - aos bancos escolares.
"Hoje, todo mundo fala de ciência, genética, preservação, biodiversidade e a idéia da exposição é ajudar a ligar essas palavras isoladas que temos tanta dificuldade de compreender", resume Dominique Besse, diretora do Museum National d'Histoire Naturelle de Paris, que responde pela coordenação geral da exposição ao lado de Violeta Arraes, presidente da Fundação Araripe.
A mostra não ignora a dificuldade normal de compreender uma história tão ampla e rica de detalhes, como o surgimento e a evolução da vida na Terra.
Afinal, não deixa de ser surpreendente saber que plantas como as samambaias apareceram na Terra há cerca de 410 milhões de anos, enquanto que os primeiros vestígios humanos têm apenas 15 mil anos de existência. E apresenta auxílios como uma linha do tempo e um resumo em audiovisual dessa longa saga, do Big Bang aos dias de hoje.
O fato de situarmos essa história num determinado horizonte geográfico - a chapada do Araripe - também facilita um pouco a compreensão desse universo e introduz questões importantes, ajudando a divulgar para um público cada vez mais amplo a importância desse território.
Floresta refúgio entre a Amazônia e a Mata Atlântica, a vegetação local guarda importantes segredos a serem desvendados ainda pelos biólogos, é o que afirma Patrick Blanc, curador da segmento de botânica da exposição. Ele recria, em dois núcleos distintos - o primeiro, quando ainda existiam dinossauros e mamíferos gigantes. "Minha idéia foi mostrar os dois períodos-chave", explica o biólogo francês que desenvolveu um fascinante método de cultivo em paredes.
Os sedimentos de pedra escondem riquezas fósseis de grande importância que, infelizmente, são muitas vezes desviados pelo contrabando. Há, por exemplo, registros de bichos-preguiça gigantes, com altura superior à de um homem, que teriam vivido na região há cerca de 1 milhão de anos. As pinturas rupestres (algumas delas reproduzidas na mostra) encontradas na região indicam que o Araripe abrigou um dos primeiros núcleos humanos do Brasil.
Mas nem só de passado se constrói essa história do Araripe: contextualizando a discussão nos nossos dias, a exposição traz uma bela seleção de arte popular, que mostra como esses ricos sedimentos arqueológicos se traduzem plasticamente e se transfiguram em estranhos seres mitológicos. Aliás, é essa produção que garantiu o tombamento recente do patrimônio imaterial da região.
Esse núcleo, como explica Dominique Besse, resgata uma espécie de memória coletiva de um povo extremamente religioso e devoto de padre Cícero. "Talvez essa religiosidade derive dessa ligação entre o homem e o sobrenatural; à essa memória presente de um passado que tem 400 milhões de anos", arrisca.

Pesquisador contesta tese da presença humana
Michael Cremo defende que o homem já existia há milhões de anos e não 100 mil

Ubiratan Brasil

No início dos anos 1990, os pesquisadores Michael A. Cremo e Richard L. Thompson lançaram um caudaloso trabalho chamado Arqueologia Proibida, com 952 páginas. Era uma tese polêmica, que defendia a presença humana na Terra há milhões de anos e não há 100 mil, como se convencionou.
Dispostos a apresentar uma versão mais curta, que fosse acessível a um público maior, eles escreveram A História Secreta da Raça Humana, lançado agora pela editora Aleph. Cremo veio ao Brasil para divulgar a obra - na terça-feira, ele estará na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (Av.
Paulista, 2.073), a partir das 19h30, participando do Café Literário.
"A tese dos dois livros é que o processo de filtragem de conhecimento acontece no mundo da ciência", disse Cremo ao Estado, em entrevista realizada por e-mail antes de sua viagem. "Descobertas que radicalmente contradizem o consenso sobre a origem humana tendem a ser esquecidas, ignoradas." Ele cita, como exemplo, a publicação, em 1880, de um livro do geólogo J.D. Whitney sobre esqueletos humanos e artefatos encontrados nas minas de ouro da Califórnia, datados de pelo menos 50 milhões de anos atrás.
O antropólogo William Holmes, porém, protestou alegando que, se Whitney tivesse entendido a teoria da evolução do homem, não teria publicado aquilo.
"Em outras palavras, se os fatos não acompanham a teoria vigente, têm de ser deixados de lado."
Cremo e Thompson fizeram um levantamento das descobertas anunciadas nos últimos 150 anos, que incluem vestígios de esqueletos, objetos e marcas de pé comprovando a existência humana há milhões de anos. O problema, reitera, está em contrariar a teoria darwinista, o que significa uma rejeição por boa parte da comunidade científica.
As reações, porém, foram controversas. Segundo Cremo, os pesquisadores não se fecharam num mundo monolítico - "A maioria hoje é evolucionista, mas há dois tipos de darwinistas", observa. "Há aqueles que chamo de fundamentalistas, que sustentam a teoria darwinista com razões nem sempre científicas. Deles, recebemos todo tipo de xingamento." O paleontologista Richard Leakey, por exemplo, disse que o livro era puro embuste e só seria levado a sério por tolos.
"Mas há também darwinistas mais esclarecidos que, mesmo não concordando comigo, acreditam que a informação apresentada é digna de estudo", disse Cremo, lembrando de David Heppel, do Museu Real da Escócia. "Muitos cientistas acreditam que a teoria da evolução precisa ser modificada."
O pesquisador concorda, alegando que atualmente a evolução é uma teoria genética. Ele cita as criaturas sem um olho que, ao longo do tempo, gradualmente desenvolveram outro, semelhante ao olho dos mamíferos. "É certo que aconteceram alterações genéticas que resultaram em mudanças na estrutura física dos organismos, deixando-os mais complexos e aptos para viver", afirma. "Mas, se alguém perguntar aos evolucionistas sobre as causas genéticas dessas mudanças, eles são incapazes de responder. Dizem apenas que se trata de uma evolução."
Cremo faz questão de deixar claro que não tem objeções contra todos os evolucionistas. Há alguns, argumenta, que, naquele caso do surgimento do olho, admitem as mutações genéticas e até se dispõem a descobrir mais detalhes. "São bem distintos dos colegas que dizem que isso acontece assim mesmo, sem esboçar uma tentativa de comprovação." O pesquisador gostaria que novas possibilidades de explicação da evolução humana fossem incluídas no sistema educacional, nos museus públicos e no próprio mundo da ciência.
Michael Cremo apresenta também uma curiosa teoria envolvendo o calendário hindu. Cíclico como os antigos sistemas grego e romano, o calendário hindu tem como unidade básica a kalpa, palavra que, em sânscrito, significa criação. Cada kalpa dura cerca de 4,32 bilhões de anos e a atual começou há cerca de 2 bilhões de anos, idade do fóssil mais antigo reconhecido pelos darwinistas.
O pesquisador conta que cada kalpa é dividida em 14 subciclos. A cada troca de subciclo acontece uma devastação, que obriga a Terra a ter nova população. "Se consultarmos a moderna paleontologia, percebemos que houve seis grandes extinções desde o início da história da vida na Terra, a última justamente foi a que destruiu os dinossauros."

Preste Atenção
na utilização de pedras trazidas diretamente do Araripe para fazer o suporte das vitrines onde estão organizadas os fósseis que compõem o núcleo central da exposição. Imagens das mesmas pedras foram reproduzidas em backlight nas paredes e no convite da exposição, marcando a importância desses segmentos geológicos para o estudo da paleontologia.
no enorme dinossauro que ocupa, o centro do Salão Cultural da Faap e foi reconstruído a partir da observação de urna cabeça fossilizada, de aproximadamente 110 milhões de anos atrás. Por razões de espaço, ele está próximo à instalação vegetal correspondente ao período cretáceo, mas ele viveu 100 milhões de anos antes. Também não tinha interesse pela vegetação, pois vivia quase que exclusivamente de peixes.
nas imagens que mostram a Chapada do Araripe, uma das mais importantes reservas ecológicas e científicas do País, na fronteira entre Pernambuco, Ceará e Piauí. Lá está uma espécie de floresta refúgio, único elo entre a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica
no laboratório montado ao fundo, que fornece mais informações sobre a vida pré-histórica. Também é lá que é exibido um audiovisual que resume a história do mundo a partir do Big Bang
no interessante sistema criado por Patrick Blanc que permite cultivar nas paredes plantas normalmente rasteiras. "Plantadas" numa superfície recoberta por um cobertor, elas são alimentadas por canaletas que distribuem em horários precisos água e nutrientes.
na riqueza de detalhes dos fósseis, cedidos por diversos museus, mas provenientes, em sua maioria, da região do Araripe, muito bem preservados em decorrência do clima da chapada. Em alguns casos, como no de urna libélula, foi possível inclusive extrair mostras de DNA e descobrir detalhes sobre seus hábitos. (M.H.)

OESP, 28/08/2004, Caderno 2, p. D1, D3

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