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O segundo alerta

FSP, Opinião, p. A2
09 de Abr de 2007

O segundo alerta
Novo relatório sobre impactos da mudança do clima no mundo mostra inação dos governos, entre eles o do Brasil

Pela segunda vez em dois meses, cumprindo sua agenda, o IPCC -Painel Internacional sobre Mudança Climática - lança um alerta incisivo sobre o futuro do planeta. Como ocorrera em Paris, o relatório agora apresentado de Bruxelas reitera que o aquecimento global é uma realidade e vai piorar, mas acrescenta que os pobres pagarão mais pela omissão dos governos de hoje.
Futuro não muito distante, ressalte-se. Segundo o sumário de Bruxelas, já em 2020 até 250 milhões de africanos poderão enfrentar escassez de água e redução no produto agrícola. Um continente relegado à miséria produziria hordas de refugiados em proporções inauditas.
Por volta de 2050, depósitos subterrâneos de água do Nordeste brasileiro poderão receber menos 70% de recarga. O semi-árido nordestino caminharia para a desertificação. Não haveria Bolsa Família que bastasse.
A biodiversidade também marcha para uma quadra escura, constata o IPCC (órgão criado em 1988 pela ONU). Cerca de 30% das espécies da Terra correrão risco de extinguir-se se a temperatura média do globo subir de 1,5C a 2,5C -algo mais que provável. A mortandade de corais na Grande Barreira, a leste da Austrália, deve acelerar-se.
O governo brasileiro talvez comemore a retirada da menção à perda de 20% a 45% de árvores da Amazônia. Seria como regozijar-se com a omissão, pelo médico, da faixa de probabilidade de um filho morrer de inanição. Fica no relatório, porém, a previsão de que a floresta enfrentará uma "savanização", tornando-se mais parecida com o cerrado -só as cifras foram omitidas.
Os representantes de governos de novo pressionaram para suprimir ou modificar passagens do relatório. EUA, Arábia Saudita, Rússia e China, em especial, batalharam para amenizar o documento que poderá ser usado para deles cobrar compromissos mais sérios com a saúde do globo depois de 2012. Até essa data, o controle das emissões de gases que contribuem para o efeito estufa é regido pelo Protocolo de Kyoto (cidade japonesa onde foi firmado o pacto internacional).
As sessões se prolongaram madrugada adentro. Os autores cientistas protestaram. É da regra do jogo consensualista na ONU, que tem vantagens e desvantagens. O aumento da visibilidade do funcionamento do IPCC só reforça a credibilidade e o impacto de seus relatórios.
Na condição de chanceladores desses documentos, torna-se mais difícil para governos nacionais justificarem sua inação. No Brasil, por exemplo, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente), esforçou-se por fazer parecer que a administração Lula não está paralisada nesse setor, em contraste com todos os outros.
A ministra revelou que o presidente encarregou-a de coordenar várias iniciativas num Plano Nacional de Enfrentamento de Mudanças Climáticas. Vem aí o PEMC, depois do PAC e do PDE, da educação. Compilam-se idéias prontas, medidas em andamento, orçamentos fantasiosos e, num passe de propaganda, o governo parece agir.
Ao menos no que respeita à mudança climática, Lula aparenta ter escolhido uma coordenadora responsável. Isso não dá garantia de eficácia, contudo.

FSP, 09/04/2007, Opinião, p. A2

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