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O São Francisco do PT

OESP, Vida, p. A12
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
03 de Fev de 2005

O São Francisco do PT

Marcos Sá Corrêa

A transposição do Rio São Francisco não precisa de adversários. Tudo o que se pode dizer contra ele está dito em 14 páginas de papel reciclado, coroadas com uma estrela vermelha do PT em cada folha. Embaixo vem a "nota técnica" do partido, arquivada na comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados.
A papelada leva as assinaturas de Titan de Lima e Alexandra Reschke. Ele é especialista em gestão de resíduos sólidos e outros passivos ambientais. Ela, em habitação, saneamento e transportes. Titan de Lima continua trabalhando na assessoria do partido. Alexandra Reschke passou para o Ministério do Planejamento. Ambos trataram do São Francisco na virada do milênio, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso parecia pronto para despejar R$ 2,8 bilhões no rio e água ao semi-árido nordestino. Como agora Lula promete fazer depois do carnaval.
Quatro anos depois, o governo é outro. Mas o projeto continua o mesmo, embora se chame oficialmente de "revitalização". Embora não perca a chance de desviar o curso da conversa para dizer que por baixo da transposição corria o propósito de privatizar o serviços de água e esgoto no País ou desancar a "pérola neoliberal" do governador do Tocantins, José Siqueira, que antevia "lucros para todos" no São Francisco, a nota tenta mostrar que o PT não podia embarcar nessa aventura. E tentava provar o que dizia com argumentos técnicos.
Um deles era a falta de propostas sérias para revitalizar o rio. O partido achava que a recomposição das matas ciliares na Bacia do São Francisco tinham de ficar por conta dos fazendeiros que a devastaram, em vez de ser debitada à União. Outra divergência era fingir que o Nordeste não tinha outra saída fora a transposição, ignorando deliberadamente alternativas respeitáveis, como "o aproveitamento dos lençóis freáticos" e as "soluções de reflorestamento e florestamento do semi-árido, como meta de equilíbrio climático para a região, com o objetivo de amenizar o regime da falta de chuvas".
Dá para subscrevê-los hoje sob qualquer sigla. Mas foi ao criticar a velha pressa do governo Fernando Henrique que os dois petistas acertaram em cheio no que não viram. Ou seja, a nova pressa do governo Lula. Eles condenaram na época como "vício de iniciativa" a ordem de "início imediato" da obra, sem cumprir "um ritual" que é "regido pelos seguintes diplomas legais: Decreto 99.274, de 6 de junho de 1990, resolução Conama 237, de 19 de dezembro de 1997, e Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981".
Em outras palavras, faltava o licenciamento ambiental, que Lula considera uma pedra no sapato do crescimento econômico. Ele é chato mesmo. Foi feito para barrar urgências. E a lei é de uma "clareza solar", segundo o relatório. Por exemplo: "A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, bem como os capazes sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual competente, integrante do Sisnama e do Ibama, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis".
O processo é cheio de obstáculos, como um rio pedregoso. Começa com a licença prévia, que autoriza o projeto. Passa pela licença de instalação, que permite a obra. E só acaba com a licença de operação, que verifica se as condições anteriores foram cumpridas ao pé da letra, antes de autorizar a inauguração. Pular uma etapa e cair na outra é confusão na certa, avisou o PT. Só falta avisar o presidente Lula.

Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 03/02/2005, Vida, p. A12

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