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O rio está para peixe

CB, Brasil, p. 14
07 de Jan de 2005

O rio está para peixe
Levantamento realizado por 34 cientistas da UFRJ nas águas doces do país leva à descoberta de 800 espécies de animais subaquáticos. Novo catálogo científico deverá ser publicado ainda no primeiro semestre de 2005

Ullisses Campbell
Da equipe do Correio

Com redes de pesca, 34 cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) percorreram rios de 20 estados brasileiros durante seis anos. Enfrentaram sol quente, chuvas fortes e muita lama. Arriscaram a vida em correntezas e cachoeiras de todas as regiões. O resultado desse sacrifício é nobre. Os pesquisadores coletaram 80 mil peixes, sendo que cerca de 800 espécies ainda não estão descritas pela ciência. Isso quer dizer que o catálogo científico brasileiro de peixes de água doce, que possui 2,2 mil espécies, vai aumentar em 30% no ano de 2005.
A maioria dos peixes novos coletados na expedição já pertence a uma família de animais aquáticos identificadas pela ciência. Eles são subgrupos de espécies já descritas, como ocorre com os novos cascudos e piabas. No entanto, a equipe de Buckup encontrou espécies tão novas que ainda não pertencem a nenhuma família. É o caso de um peixe que sequer tem nome, encontrado num rio próximo à Manaus, no Amazonas. Minúsculo, o animal é escuro, tem hábitos noturnos e é fino feito um lápis. Ainda vamos nominá-lo, diz o pesquisador.
Pescaria científica
A coleta de peixes inéditos lembra uma grande pescaria. Os pesquisadores da UFRJ saíram em pequenos barcos e jogaram tarrafas (redes de pesca) em rios, lagos e igarapés. O resultado da pescaria científica será tornado público ainda no primeiro semestre do ano que vem, quando será publicado o Catálogo das Espécies de Peixes de Água Doce do Brasil.
O novo catálogo substituirá o que está em vigor, publicado em 1948, feito pelo biólogo americano Henry Fowler, o primeiro a registrar algo do gênero. A lista publicada por ele está completamente desatualizada, diz o pesquisador Paulo Buckup, da UFRJ, um dos coordenadores do trabalho que resultou no inventário. Além de não conter centenas de espécies descritas nas últimas décadas, as definições de espécie de Fowler não correspondiam ao que hoje se sabe sobre os limites morfológicos e geográficos de cada uma., justifica.
A lista de Fowler possui 1,2 mil espécies. Já o novo catálogo apresenta 2.122 espécies encontradas nos rios do Brasil, que vão desde piabinhas e cascudos de quatro a cinco centímetros e alguns gramas até o pirarucu (Arapaima gigas), o maior peixe de água doce do mundo, que pode atingir três metros e chega a pesar 150 quilos. De todas as espécies que listamos, cerca de 15% eram desconhecidas e só agora estão sendo cientificamente descritas, explica o outro coordenador da pesquisa, Naércio Aquino Menezes, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP).
O novo catálogo faz parte do projeto Conhecimento, Conservação e Utilização Racional da Diversidade da Fauna de Peixes do Brasil, iniciado em 1998, com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Além de preencher uma lacuna no conhecimento científico sobre a biodiversidade de peixes de água doce encontrados no Brasil, a nova publicação poderá servir de base para políticas de conservação dos peixes e de exploração sustentável da pesca.
Sustentável
Hoje, o Brasil produz cerca de 700 mil toneladas de peixe por ano, das quais cerca de 70% são retiradas das águas que banham suas costas e 30% dos rios. O país ocupa a 27ªposição no mercado mundial, exportando cerca de US$ 350 milhões em peixes. Infelizmente, a pesca extrativista no Brasil ultrapassou os limites da sustentabilidade. Por isso, são necessárias políticas mais cuidadosas para a exploração sustentável desse recurso, diz Buckup.
Apesar de a maior parte da produção de peixes vir do oceano, o maior número de espécies está nos rios. O Catálogo das Espécies de Peixes Marinhos do Brasil, elaborado pela equipe da UFRJ, dentro do mesmo projeto, e publicado no ano passado, lista 1.297. Levando em conta os dados conhecidos da região biogeográfica Neotropical, que inclui as Américas do Sul e Central e o sul do México, os pesquisadores supõem que o Brasil tenha mais do que as 2.122 espécies de água doce listadas no novo catálogo.
Segundo Buckup, na Região Neotropical são conhecidos 4,5 mil peixes de água doce e deve haver outros 1.550 ainda não estudados pela ciência. Esse número representa cerca de 34% das espécies conhecidas. Extrapolando para o Brasil, pode-se imaginar, numa estimativa conservadora, que o país ainda tenha algo em torno de 720 espécies desconhecidas. Por isso, nosso trabalho ainda não acabou, diz.

De todas as espécies que listamos cerca de 15% eram desconhecidos e só agora estão sendo cientificamente descritas
Naércio Aquino Menezes, do Museu de Zoologia da USP
Números 2.122 espécies de peixes serão registradas no novo catálogo científico

CB, 07/01/2005, Brasil, p. 14

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