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O resgate da CTNBio

OESP, Notas e Informações, p. A3
24 de Dez de 2006

O resgate da CTNBio

A Câmara dos Deputados deu um voto a favor da agricultura moderna, ao aprovar, na quarta-feira, a redução do quórum para aprovação comercial de transgênicos pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Pela regra em vigor, são necessários dois terços dos votos para a liberação. Com a mudança, bastará a maioria absoluta, 50% dos votos mais um. O Senado ainda apreciará o projeto. Se confirmar a decisão da Câmara, a política brasileira para transgênicos poderá ter um caráter mais científico e menos ideológico ou religioso e o País ganhará com isso. Neste ano, a CTNBio não aprovou a produção comercial de nenhum organismo geneticamente modificado. Sua última reunião deliberativa foi cancelada por falta de quórum - expediente usado com freqüência pelos inimigos da modernização e do agronegócio.

A alteração do quórum foi acrescentada pelo relator, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), ao texto de uma medida provisória sobre outro assunto. O texto original tratava da distância mínima entre plantações de transgênicos e unidades de conservação ambiental.

O relator contrabandeou duas novidades para o interior da MP. Além da redução do quórum para as decisões da comissão, acrescentou a autorização da venda do algodão transgênico plantado clandestinamente em 150 mil hectares.

A mudança do quórum foi discretamente apoiada pelo Palácio do Planalto. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece haver percebido, afinal, o erro cometido quando concordou, há alguns anos, com a transformação da CTNBio numa assembléia, com assentos e poder de veto para inimigos jurados do agronegócio, demonizado por uma parte da esquerda nacional. Ao apoiar essa deformação, o presidente permitiu o engessamento da comissão. O contrabando serviu, portanto, para a correção de um erro de amplas conseqüências.

A legalização do algodão clandestino repete um procedimento já adotado, em caráter provisório, para algumas lavouras de soja. Providências desse tipo envolvem a aceitação, pelo poder público, de uma ilegalidade consumada.

Quando isso ocorre, a própria noção de lei fica confusa, pois um recado perigoso é transmitido ao público: a violação compensa, quando cometida por um grupo com força suficiente para criar problemas políticos ou econômicos. Os caloteiros habituais do Banco do Brasil sabem disso, assim como os sonegadores de impostos. Uns e outros apostam em renegociações periódicas e anistias e geralmente acertam.

Nos casos da soja e do algodão transgênicos, no entanto, a transgressão foi incentivada pelo irrealismo e pela ineficiência da política. As sementes eram acessíveis e era possível apostar na precariedade dos controles. Além disso, era indisfarçável a quase paralisia das decisões oficiais, em conseqüência de conflitos ideológicos entre grupos do próprio governo. Nessas condições, mal se poderia falar de uma política para transgênicos. Esse é um ambiente perfeito para a estratégia do fato consumado.

Há mercados, em todo o mundo, tanto para transgênicos quanto para produtos de tipo tradicional. A maioria dos grandes produtores - e competidores da agricultura brasileira - já produz em escala comercial organismos geneticamente modificados. A política de mercados tradicionalmente fechados a esses produtos vem ficando mais flexível. Se as autoridades brasileiras não reconhecerem as implicações desse dado, os produtores nacionais poderão perder fatias importantes de mercados consumidores.

O Brasil tem condições para exportar tanto os alimentos e fibras tradicionais quanto os modificados. Pode atuar com eficiência e grande poder de competição nas duas frentes. Nada força o País a adotar com exclusividade uma ou outra linha de produção. Da mesma forma, nada o obriga a aprovar precipitadamente, isto é, sem avaliação de risco, as inovações tecnológicas. Mas é preciso conduzir essa avaliação com base nos melhores critérios científicos disponíveis. Os técnicos não devem estar a serviço nem de empresários preocupados apenas com a lucratividade a curto prazo nem de caçadores de bruxas travestidos de ambientalistas. Se for desengessada, a CTNBio poderá cumprir essa função.

OESP, 24/12/2006, Notas e Informações, p. A3

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