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O que falta no debate

OESP, Espaco Aberto, p.A2
Autor: NOVAES, Washington
10 de Dez de 2004

O que falta no debate
Washington Novaes
Embora a taxa média de desemprego nas seis maiores regiões metropolitanas brasileiras tenha caído em outubro para 10,5% e seja a menor desde outubro de 2001, não se afastaram as razões para preocupação grave. Afinal, é a mesma taxa de dezembro de 2002, quando se preparava a posse do novo governo. E, segundo os especialistas, o desemprego diminuiu porque muitas pessoas (60 mil só em setembro) desistiram do mercado de trabalho. Além disso, a renda média dos assalariados reduziu-se em 1,2%, apesar da alta no emprego com carteira assinada. Há 495 mil pessoas empregadas a mais que em outubro de 2003, mas só nas seis regiões são 2.271.000 desempregados (pesquisa mensal do IBGE).
Outra pesquisa, do Dieese, mostra entre 1999 e 2004 queda de 29% na renda dos assalariados mais bem pagos, acima de R$ 2.038/mês, e queda de 21% nos rendimentos até R$ 600/mês. A informalidade, trabalho sem carteira assinada, permanece acima de 50% (Ipea/Pnad). Aumenta para 34,1% a proporção de pessoas com renda abaixo de R$ 146 (Ipea). Temos 57,9 milhões de pobres, 24,6 milhões de indigentes (abaixo de R$ 2,43 por dia). Os 10% mais ricos no País têm 45,7% da renda total e os 10% mais pobres, 13,5%.
Permanece, portanto, a grande questão: crescimento econômico (pelo menos 4% este ano), por si só, não basta para resolver o problema do emprego; não cria em número suficiente nem para os que estão chegando ao mercado, quanto mais o déficit acumulado. E, se não resolve, se a renda dos assalariados continua caindo, não se resolve também o problema do mercado interno. Onde este buscará receita maior, se o poder de consumo da massa de pessoas cai?
Deveríamos voltar os olhos para a experiência internacional. Há muito tempo relatórios como o do Desenvolvimento Humano, que a ONU faz todos os anos com base em estudos de centenas de especialistas, vêm advertindo: "Muitos formuladores de políticas pensam que uma economia em rápida expansão eliminará a pobreza e a privação. Eles estão errados (...). Para que o crescimento econômico seja sustentável tem de ser constantemente alimentado pelo desenvolvimento humano (...). Nenhum país com rápido crescimento econômico e lento desenvolvimento humano manteve o crescimento rápido e acelerou o desenvolvimento humano." Tudo isso está no relatório do Pnud de 1996.
O relatório aponta caminhos concretos: "Governos e comunidades podem influenciar fortemente o desenvolvimento humano canalizando a maior parte da receita pública para gastos sociais de alta prioridade (...). Um estudo do Banco Mundial em 192 países concluiu que só 16% do crescimento é explicado pelo capital físico (máquinas, construções e infra-estrutura física), enquanto 20% vem do capital natural, ambiental. Nada menos que 64% podem ser atribuídos ao capital humano e social. Outro estudo entre os tigres industriais da Ásia, incluído o Japão, chega às mesmas conclusões."
Fortalecer as pequenas empresas, o mercado informal e a agricultura familiar são decisivos, diz o Pnud, na mesma linha para a qual têm apontado os estudos do professor Ignacy Sachs, já comentados neste espaço. Mas não é só: "Países em desenvolvimento precisam escapar de sua debilitante experiência em exportação de produtos primários de baixos valores; precisam combinar recursos naturais com capital humano."
Entra-se, portanto, em dois terrenos complicados. O primeiro é como escapar às políticas econômicas que privilegiam o ajuste (e, neste, o pagamento de juros - mais de R$ 100 bilhões no Brasil até outubro) para dar ênfase às políticas de desenvolvimento humano. É o centro do nosso drama de hoje, fulcro da luta política em pleno desenvolvimento no mais alto nível. O segundo é como formular uma estratégia adequada, que não só privilegie o capital humano, mas também leve em conta o "capital natural", como sugere o Pnud.
Se, como já tem sido comentado aqui, a questão mais grave de hoje no mundo é a insustentabilidade dos padrões de produção e consumo, além da capacidade de reposição do planeta, recursos naturais - o fator escasso - deveriam ser o centro da estratégia de um país como o Brasil. Até porque já estamos também consumindo além da possibilidade.
Isso envolve ainda a questão dos limites do crescimento econômico. Como pensar em resolver problemas sociais com base apenas em crescimento econômico, se os recursos não são infinitos? Ainda há poucos dias, em visita ao Brasil, o ex-vice-presidente da Siemens e hoje consultor da União Européia Hans Danielmeyer reiterou esse ponto de vista: "Tanto a Europa como as demais economias terão de conviver com taxas de crescimento de 0,8 a 1,1% ao ano (...). É uma certeza matemática. O crescimento exponencial das economias é impossível (...). Os recursos naturais são limitados (...). Haverá esgotamento do modelo da sociedade industrial. Haverá mudanças nos paradigmas econômicos (...). Governança e justiça social deverão dominar as agendas governamentais."
Não é um ambientalista radical que fala. É um empresário, um consultor da potência econômica que é a União Européia. E ele adverte que mesmo um país como o Brasil, em posição privilegiada em matéria de recursos e serviços naturais, terá limites. Poderá crescer de 6% a 7% durante uma década, mas depois terá também de se contentar com taxas entre 0,8 e 1,1% ao ano. "Os governantes terão de dizer às pessoas que não é possível crescer mais", adverte ele (Folha de S.Paulo, 21/11).
Se todas essas questões não forem levadas ao centro do debate a que o País assiste, não se avançará. Continuaremos patinando.
Washington Novaes é jornalista.

OESP, 10/12/2004, p. A2

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