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O que esperar da Rio+20?

Época - revistaepoca.globo.com
Autor: BRITO, Brenda
19 de Jun de 2012

O que esperar da Rio+20?
O evento é um ponto de reflexão para milhares de brasileiros, como foi a Eco-92

BRENDA BRITO
Brenda Brito é secretária executiva, pesquisadora adjunta e coordenadora do Programa de Mudanças Climáticas do Imazon, instituto de pesquisa não governamental sediado em Belém

Sou de uma geração da década de 80 que leu e ouviu falar sobre a Eco-92 na escola ou na universidade, mas que não presenciou o evento. Por isso, resolvi escrever minha primeira contribuição nesta coluna sobre a Rio+20 refletindo sobre o que esperava desse megaevento.
Sabemos que a Eco-92 foi um período marcante na trajetória socioambiental do Brasil. Várias organizações não governamentais atuantes no país foram criadas na onda do evento e outras atuantes no exterior decidiram abrir escritórios no Brasil.
Na época, o Brasil ainda celebrava a sua Constituição Federal de 1988, que avançou na consolidação jurídica de direitos socioambientais. Alguns exemplos marcantes foram a inclusão de um capítulo sobre meio ambiente, além do capítulo sobre direitos indígenas e a confirmação dos direitos de reconhecimento de territórios de populações remanescentes de quilombos. A Constituição também fortaleceu o Ministério Público, que atualmente é uma das instituições mais atuantes e eficazes na defesa de direitos socioambientais no país.
Passados 20 anos, temos avanços e conquistas na implementação desses direitos. Segundo dados do Imazon e do Instituto Socioambiental publicados em 2010, só na Amazônia Legal o Brasil já possui mais de 2 milhões de quilômetros quadrados de áreas protegidas, incluindo unidades de conservação e terras indígenas. Isso equivale a 26% do território brasileiro! Além disso, o país conseguiu diminuir o ritmo de perda de florestas nesse bioma, alcançando em 2010-2011 a menor taxa de desmatamento desde o início do monitoramento da cobertura florestal na região: 6.238 quilômetros quadrados.
Na esfera nacional, uma grande conquista dos últimos anos foi a aprovação de Lei da Política Nacional de Mudança do Clima de 2009, que instituiu um compromisso voluntário de redução de emissões de gases do efeito estufa no país entre 36,1% e 38,9% de suas emissões projetadas até 2020. A lei também estabeleceu a necessidade de elaborar planos setoriais indicando como essa redução seria alcançada. De acordo com regulamentações posteriores, os planos deveriam estar concluídos em 2011.
Contudo, a celebração de duas décadas de conquistas cedem espaço à necessidade de reflexão profunda dessa geração sobre os rumos e futuros do país. Direitos antes considerados estabelecidos em 1992 passaram a ser questionados e ameaçados de forma alarmante. Vejamos alguns exemplos apenas esse ano:
1. O Congresso Nacional aprovou um novo texto para substituir o código florestal que, dentre outros problemas, reduz a necessidade de recomposição de áreas de preservação permanente às margens dos rios (outros problemas aqui). Numa época em que várias regiões do país sofrem com enchentes, essa alteração anuncia que muitos brasileiros ainda sofrerão com as consequências da degradação dessas áreas. Mesmo com mais de 2 milhões de pessoas solicitando o veto total a essa lei, a presidente Dilma vetou apenas 12 artigos e publicou uma Medida Provisória com 32 modificações ao texto. No entanto, essa MP já havia recebido 650 emendas, demonstrando que o assunto está longe de se esgotar no Congresso e gerando insegurança jurídica no tema.
2. O Congresso Nacional converteu em lei uma medida provisória que diminuiu oito unidades de conservação na Amazônia para ceder lugar à construção de hidrelétricas, contrariando as regras que regulam o processo legal para redução dessas áreas. Um estudo do Imazon demonstrou que essa diminuição afetará 1.050km2 de áreas, das quais 85% são florestas intactas, o que trará impactos à biodiversidade, além de abrir precedentes para diminuição de outras áreas.
3. Os planos setoriais vinculados à lei de mudanças do clima não foram finalizados em 2011. De fato, o prazo foi adiado para abril de 2012 e até maio não haviam sido publicados.
Um conjunto de ongs, muitas das quais criadas na época da Eco-92, lançaram em março de 2012 um manifesto destacando esses e outros retrocessos na agenda socioambiental do Brasil. Porém, esses protestos não são restritos apenas às ongs. Empresários, ex-ministros, cientistas e artistas têm criticado abertamente essas ameaças às conquistas do passado. Porém, mesmo com essas crescentes manifestações, muitos brasileiros ainda não abriram os olhos para o que está acontecendo.
Por isso, muitos disseram que a Rio+20 pode ser um grande fiasco. Porém, prefiro pensar que a Rio+20 é um ponto de reflexão para milhares de brasileiros que ainda não prestavam atenção nos jornais durante a Eco-92, mas cujos parentes mais velhos se inspiraram para alcançar todas as conquistas que agora estão ameaçadas. Talvez esses brasileiros entendam o que está em jogo e passem a procurar mais informação sobre a situação socioambiental do país, passem a contribuir com um debate construtivo sobre os rumos do país ou quem sabe até atuar diretamente no tema. Para os que estão no Rio, há centenas de eventos abertos ao público que discutem alguns dos temas levantados nesse texto.
Dessa forma, a Rio+20 pode contribuir para que o Brasil não seja um país de retrocesso ou do passado e que continue gerando conquistas a serem apresentadas daqui a 10 anos na Rio+30, inspirando outras gerações.

Época, 19/06/2012

http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/06/o-que-esperar-d…

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