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O projeto da desintegração

OESP, Vida, p. A15
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
13 de Out de 2005

O projeto da desintegração

Marcos Sá Corrêa

Por falar em transposição, o velho São Francisco está em forma para virar doador de água? Não, disse nesta semana o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, numa das entrevistas mais esclarecedoras que o governo já deu sobre o assunto. Para ele, 'o rio está muito ferrado'.
Sim, diz o site do ministério da Integração Nacional, que Ciro Gomes comanda: 'O São Francisco ainda é um rio muito saudável e pujante'. Nem tudo anda muito integrado naquele ministério, se é possível fisgar duas respostas oficiais tão diferentes em suas fontes com uma só pergunta.
No site do ministério, o projeto leva a alcunha de 'Revitalização e Integração'. Em forma de questionário, ele não deixa por menos quando se trata de saber se o rio 'precisa ser revitalizado'. Sim, responde. 'E isso já está acontecendo', por conta de um vasto 'programa coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, com a participação do da Integração Nacional e da sociedade são-franciscana'.
O plano 'contempla ações de reflorestamento de áreas críticas, construção de barragens em afluentes, tratamento de esgotos das cidades e vilas nas suas margens, controle da irrigação e educação ambiental'.
Só o Ministério das Cidades tem R$ 620 milhões para dar água e saneamento a 86 municípios da Bacia do São Francisco, como parte das 'ações para a melhoria das condições de vida das comunidades ribeirinhas'. Que pelo visto são populações muito ingratas ou mal informadas, pois, outro dia mesmo, seus porta-vozes apareceram reclamando que as águas do rio, convocadas para combater a sede em cidades a mais de 300 quilômetros de seu curso natural, mal chegam até hoje à casa de quem vive a meros 500 metros das margens.
E nada disso consta do site como promessa, propaganda ou conversa fiada. Ou seja, aposta no futuro. Do jeito que os números se apresentam, tudo ali já aconteceu, está acontecendo ou acontecerá num jato fulminante de eficiência administrativa.
Nele se afirma que o governo gastou R$ 26 milhões com a revitalização no ano passado. E, neste 2005, 'esses investimentos serão de R$ 100 milhões, só na área dos Ministérios da Integração Nacional e do Meio Ambiente'.
Isso nem Ciro Gomes leva ao pé da letra. Ele admitiu, sem papas na língua, como é de seu estilo, que a parte mais rasa do projeto é a 'agenda pouco positiva da revitalização do rio', denunciada por 'um ambientalismo sério e bem-intencionado'.
De quebra, o ministro reconhece os riscos de se lançar um projeto polêmico de R$ 4,5 bilhões, quando o presidente Lula tem pouco mais de um ano de mandato para tocar uma obra que só pode ficar pronta no próximo governo. Se Lula perder a eleição, a empreitada pára? 'Depende de quem for eleito', disse ele.
Que não é tempo nem clima para mexer em tanta água e tanto dinheiro, isso nem se discute. Sobre os perigos que podem cair do céu, valem por milhões de debates em torno do São Francisco e sua 'agenda pouco positiva' de medidas preventivas, as imagens de rios murchos pela estiagem na Amazônia, lembrando que há qualquer coisa de podre no planeta ainda não contabilizada nos relatórios de impacto ambiental.
E, aqui em terra, a maré não está para peixe. O próprio Ciro Gomes confessou que a política brasileira nunca foi tão 'ruim, desqualificada, analfabeta,semespírito público, corrompida e sem escrúpulos'. Não poderia fazer melhor resumo das condições ambientais em que vai terminando o governo Lula.

Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 13/10/2005, Vida, p. A15

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