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O primeiro projeto do CTI : o "PROJETO KRAHÔ"

Revista Marandú
01 de Mai de 2003

Estamos em 1979 e o CTI recém fundado consegue um recurso da PPM ( Pão para o Mundo/Bröt für die Welt) para um apoio aos Mãkraré-Krahô. A relação e o trabalho junto a este povo tem início em 1975 quando Gilberto Azanha é convidado pela FUNAI para coordenar entre os Krahô o "Projeto de Desenvolvimento Comunitário" e Maria Elisa Ladeira o "Programa de Educação". Na época a FUNAI estava preocupada com a situação que ela considerava como de extrema penúria. Mas a proposta de trabalho levada por Gilberto e Maria Elisa junto ao órgão indigenista era muito revolucionária para a época e em 1976 eles são afastados da FUNAI.

Leiam trechos do relatório enviado em 1980 à PPM onde parte desta história é contada

"Histórico:
Os Krahô (população de 700 índios) mantêm contato permanente com um segmento da população brasileira dedicada à pequena criação de gado que penetrou a região habitada por estes índios em meados do século XVIII. Até 1941, os Krahô dispunham de um território sem fronteiras definidas, que, apesar de pouco a pouco ocupado pelos regionais e seu gado, permitiria que mantivessem sua vida tradicional de caçadores semi-nômades.

Em 1941 foram atacados pelos fazendeiros vízinhos que tinham a intenção de reprimir o roubo e a matança do gado pelos índios. Além de 25 mortos, todos índios, o massacre teve uma consequêmcia importante, que alterou a história do contato até então vivida pelos Krahô: a criação do posto do Serviço de Proteção aos Índios (SPI, extinto em 1967) numa área de 320.000 hectares que foi doada pelo Estado de Goiás para o usufruto dos Krahô. Ao se colocarem sob a proteção do posto - o que no momento lhes parecia a única alternativa de sobrevivência - os Krahô aceitaram e reconheceram a sua derrota, perdendo a autonamia que ainda dispunham.

A maioria dos Krahô de hoje acredita que sem a proteção do posto serão novamente atacados e mortos e, mais ou menos condicionam a sua sobrevivência, como grupo diferenciado da população regional, à presença de um funcionário da FUNAI. Nem mesmo o fato das dezenas de 'chefes' - brancos - que passaram pelo posto não lhes concederam senão discursos sobre 'O trabalho', 'A preguiça', 'O atraso', e de demonstrarem por todos os meios, seu nojo e repugnância aos índios, alterou a conciência nascida do massacre, de que viviam por concessão.

Os chefes dos postos sempre definiram o "interesse dos índios" - que deveriam defender - do ponto de vista do branco. Por este ponto de vista, o Krahô é visto como mão-de-obra potencial que ocupa 'improdutivamente' uma terra boa e o que é 'melhor' para o índio é ser branco, reproduzir-se como tal. Esta reprodução deveria ser moldada pelo sistema produtivo dominante: criação extensiva de gado associada a roça de subsistência. Mas o Krahô 'caça' o gado, não cria, e somente faz grandes roçados se o clima político interno for favorável. Frustrados nas suas esperanças de fazer dos Krahô 'regionais', todos os chefes do posto, depois de algum tempo, acabam deixando os Krahô como sempre estiveram, isto é, na marginalidade de ser índio, Krahô.

Limitados em territórios exíguos para as exigências de um grupo semi-nômades e culturalmente adaptado à aridez do cerrado, os Krahô tiveram de buscar outras alternativas de subsistência que lhes permitissem fazer a esta nova situação. Como um grupo ainda caçador, optaram pela venda de arara e outros pássaros e pela prestação de serviços entre os brancos vizinhos para completar - mesmo precariamente - e pela compra, o baixo nível de produção das suas roças e a escassez de caça.

Andamento:

Uma aldeia Krahô somente produz para dar conta de todas as suas necessidades (de mantimentos, de dinheiro, etc....) se houver um clima político favorável, se as lideranças estiverem suficientemente fortes para agenciar, coletivamente, o trabalho despendido por cada família elementar na sua subsistência. Em uma situação de escassez relativa, o tempo maior na subsistência aumenta o peso da família elementar na estrutura global da sociedade Krahô, em detrimento dos grupos rituais, estes sim os responsáveis pela ligação entre as diversas famílias que compõem a aldeia. Nesta situação, o resultado é a dispersão dos grupos familiares para completar sua subsistência (pela mendicância, pequenos serviços nos moradores vizinhos, etc...). É somente criando um nível relativo de abundância (de mantimentos, de dinheiro) que torna-se possível a retomada da vida ritual e a re-articulação dos grupos familiares.

Durante os 20 meses que puderam permanecer com os Krahô ( de julho de 1975 a novembro de 1976), os antropólogos Gilberto Azanha e Maria Elisa Ladeira e o indigenista Vincent Carelli procuraram trabalhar no sentido de modificar as relações posto/índios, desenvolvendo a estes a decisão quando as medidas que deveriam ser tomadas em seu interesse; foi colocado à disposição das lideranças os recursos necessários para os trabalhos de roça. Disto resultou o fortalecimento das lideranças que, nas duas safras do período, conseguiram agenciar coletivamente os trabalhos de roça. Na primeira safra (75/76), algumas famílias chegaram a vender arroz, que foi comprado pelos executores do projeto e armazenado para servir como semente no plantio do ano seguinte, Neste ano (76/77) os Krahô triplicaram a área cultivada e realizaram todas as etapas do plantio (desde a derrubada da mata) coletivamente, por equipes divididas segundo os grupos rituais, o que não ocorria há vários anos. Depois do afastamento dos antropólogos pela FUNAI, as lideranças perderam a força e a situação nas aldeias regrediu completamente.

Mesmo depois de afastados do trabalho na área, o contato com as lideranças Krahô, principalmente aquelas das aldeias do 'Galheiro' e 'Santa Cruz', teve prosseguimento. O líder João Canuto esteve por duas vezes em São Paulo, em 1977 e fins de 1979. Os antropólogos Gilberto Azanha e Maria Elisa Ladeira estiveram por três meses em 1978, quando os líderes das duas aldeias acima citadas propuseram a continuidade o trabalho sem a interferência da FUNAI. Foi quando solicitou-se à PPM um Financiamento para um projeto de apoio agrícola para ser desencadeado em junho/julho de 1979.

A FUNAI, no entanto, negou a autorização para a entrada na área Krahô dos antropólogos responsáveis pelo projeto. Diante deste fato, foram até a cidade de Itacajá, próxima à área, para discutir com líderes das aldeias onde deveriam ser levado inicialmente o trabalho o que poderia ser feito, dadas circunstâncias. Depois de 4 dias de reunião, decidiu-se repassar diretamente para as lideranças indígenas um pequeno auxílio (de Cr$64.000,00) que seria suficiente para dar a cobertura necessária para que fosse feito o plano das roças individuais já derrubadas. Todo o trabalho de limpeza das roças assim como o plantio propriamente dito foi feito coletivamente.

Esta atitude de confiança nos índios teve um efeito político importante, pois pela primeira vez na história recente dos Krahô, alguns de seus líderes dispuseram de dinheiro para resolver um trabalho comum para as suas aldeias (pois como parte da subsistência o dinheiro é procurado individualmente e usado do mesmo modo) e, o que é mais importante, sem a mediação dos brancos. Em dezembro passado, o líder João Canuto esteve em São Paulo para apresentar os resultados da aplicação do dinheiro e as prestações de contas. Nesta oportunidade foi discutido também a continuidade do plano e a programação para 1980.

Tão importante quanto o plantio, foi o fato destes líderes terem visto que seriam capazes de melhorar as condições de vida nas suas aldeias sem dependerem do posto, passando por cima da falta de respeito, da má vontade e da incompetência dos funcionários da FUNAI na área. Estes líderes não esperam mais dos seus 'protetores' nenhuma iniciativa; mostraram-se capazes de assumir o destino do seu grupo."

Esta análise, feita há mais de vinte anos, continua norteando as ações do CTI junto aos Timbira. Ao longo deste tempo, o trabalho se estendeu dos Krahô para a totalidade do "Pais Timbira", no dizer de Nimuendaju.

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