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O preço da distração

OESP, Vida, p. A26
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
08 de Dez de 2005

O preço da distração

Marcos Sá Corrêa

Responda depressa: o que é bioma? Quem hesitou diante dessa palavra, que tem livre trânsito entre ambientalistas, mas ainda soa aos outros ouvidos como o novo nome de uma provável doença, não poderia estar em melhor companhia. Oitenta por cento dos americanos também tropeçam diariamente no jargão da militância ecológica. E a culpa não deixa de ser dos termos obscuros que se usam para trombetear a salvação do planeta. Bioma, por exemplo, é uma palavra inofensiva, que se aplica às comunidades de vida silvestre. Mas, tinha de ser logo ela?
A perplexidade que cerca a conversa ambiental aparece num dossiê que saiu há pouco nos Estados Unidos. Lá, o desdém pela natureza à primeira vista começa e acaba no presidente George W. Bush. Mas Bush tem por baixo uma opinião pública que trata o assunto com "uma algaravia de factóides variados e desconexos, poucos princípios (às vezes incorretos), numerosos palpites e muito pouca compreensão real" do que está falando, segundo Kevin Coyle, ex-presidente da National Environmental Education and Training, uma fundação criada pelo Congresso há 15 anos para alfabetizar os americanos pela cartilha da conservação ambiental.
Reunidos por Coyle no relatório Environmental Literacy in America, dez anos de testes mostram que o trabalho ainda mal começou. Quarenta e cinco milhões de americanos acham que o oceano é fonte de água doce. Cento e trinta milhões acreditam que a energia que move o paraíso dos eletrodomésticos vem de hidrelétricas, que mal cobrem 10% de seu consumo. E 120 milhões presumem que as fraldas descartáveis são a maior praga dos aterros sanitários, quando na prática elas respondem por 1% do problema.
No meio de tamanha mixórdia, não admira que poucos entendam o que tem a ver a poluição do ar ou da água com seu cotidiano perdulário. E o pior, diz Coyle, é que "o padrão persistente de ignorância ambiental" é mais ou menos o mesmo entre "os membros mais influentes e educados da sociedade". Seria de esperar que a garotada que está agora no ensino médio, tendo por trás quase uma década de educação ambiental no currículo, ganhasse dos adultos nas sabatinas da National Environmental Education and Training. Mas os mais moços perdem nos testes para os mais velhos. Ou que as mulheres superassem os homens em atenção ao meio ambiente. Mas elas são ainda mais distraídas do que eles. O ambientalismo ainda não se aprende no colégio e sim nos meios de comunicação. Mas eles cobrem mal o assunto.
Se depender só de sua popularidade, pelo visto o mundo está perdido. E isso, lembra Coyle, tem preço. Um preço que não se estima só em prejuízos ambientais. Consumidores bem informados tendem a economizar energia em casa, reciclar o lixo, poupar água e banir produtos químicos de seus jardins. E, só na conta de eletricidade, um corte de 5% no desperdício doméstico, multiplicado por quase 300 milhões de pessoas, generalizando-se a mudança de hábito pela sociedade americana, daria um abatimento anual de US$ 11 bilhões. No tanque de combustível, o mesmo índice valeria um desconto de US$ 7 bilhões. Na boca da torneira, US$ 14,2 bilhões.
O difícil, no caso, não é pôr esses números em prática, mas enfiá-los na cabeça de quem está sempre pensando em outras coisas e só acorda para esses problemas quando eles lhe pregam um susto. Faltou luz na Califórnia cinco anos atrás. E lá, como aconteceu em 2001 com o apagão no Brasil, o governo acabou espantado com a onda de adesão espontânea à sua campanha para conter, durante a emergência, os hábitos de esbanjamento coletivo. Esperava, na melhor das hipóteses, uma queda de 2% no consumo. Teve 10%. Foi bom enquanto o aperto durou. Depois, voltou tudo ao normal. Ou seja, ao anormal.

Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br)

OESP, 08/12/2005, Vida, p. A26

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