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13 de Out de 2022
O 'povo do rio' do Brasil paga o preço pela hidrelétrica da Amazônia
Fernanda Ribeiro
13/10/2022
As águas do rio Xingu abaixo da barragem hidrelétrica de Belo Monte, na Amazônia brasileira, costumavam inundar as ilhas florestadas do rio durante a estação chuvosa, permitindo que os peixes deslizassem entre as árvores e comessem frutas caídas.
Mas desde que a controversa barragem foi inaugurada há seis anos, as florestas deixaram de inundar de forma consistente e os peixes perderam um local importante para se alimentar e desovar, dizem os moradores.
"Hoje, todas essas frutas caem em terra firme, então os peixes não conseguem comida", disse Josiel Pereira, um indígena Juruna da aldeia de Mïratu, no estado do Pará.
Durante a estação seca, por sua vez, a barragem às vezes libera muita água de uma só vez, inundando praias de areia e destruindo os ninhos onde as tartarugas colocam seus ovos há muito tempo, disse Pereira, que está ajudando os cientistas a entender os impactos ecológicos da construção da barragem.
"Tem sido muito difícil para nós sobreviver após o desenvolvimento da barragem de Belo Monte", disse ele em entrevista. "Isso causou muito impacto na nossa alimentação, na nossa fonte de renda."
Com um custo estimado de pelo menos R$ 40 bilhões (US$ 7,6 bilhões), o complexo hidrelétrico de Belo Monte, a quarta maior hidrelétrica do mundo, inclui uma barragem principal chamada Pimental e o reservatório de Belo Monte.
Aproveitando as águas do Xingu, a barragem gerou cerca de 5% de toda a eletricidade do Brasil no ano passado, de acordo com sua operadora Norte Energia.
Mas o enorme complexo de barragens, com forte oposição de muitos grupos indígenas na Amazônia, também está mudando os antigos padrões de subida e descida sazonal da água a jusante, perturbando o equilíbrio da natureza e a vida das pessoas que dependem dela, alertam cientistas e moradores. .
"Sinto-me triste porque antes eu poderia ganhar o meu sustento, o sustento da minha família, pescando", disse Pedro Viana, 51 anos, sentado na proa de um barco, arrastando uma rede de pesca na curva abrupta do Xingu conhecida como Volta Grande, ou "Big Bend", um trecho de 130 km (80 milhas) do rio a jusante de Belo Monte.
"Hoje, tenho que sobreviver vendendo farinha e banana", disse Viana, membro da comunidade indígena Juruna local.
Menos peixes
Pesquisadores e grupos de defesa dos indígenas dizem que a principal barragem de Pimental, no complexo de Belo Monte, bloqueia cerca de 80% da água do Xingu, enviando-a através de um canal artificial que alimenta a usina.
Atualmente, a barragem envia no máximo 4.000 ou 8.000 metros cúbicos de água a jusante por segundo na estação chuvosa - a quantidade se alterna a cada ano - e 700 metros cúbicos na estação seca, segundo a Norte Energia.
Mas moradores e pesquisadores dizem que é uma fração dos níveis históricos de liberação de água. Isso levou o órgão ambiental brasileiro Ibama a pedir novos estudos sobre os impactos dos níveis de liberação de água da barragem.
Um relatório de maio de 2022 de pesquisadores dos Estados Unidos e do Brasil, parcialmente financiado pela Norte Energia, encontrou uma redução de quase 30% na "riqueza, abundância e diversidade funcional" das espécies de peixes e uma queda geral no tamanho dos peixes na Volta Grande como resultado da construção do complexo de Belo Monte.
A Norte Energia apresentou propostas para ajustar a quantidade de água que libera a cada temporada, a serem analisadas pelo Ministério Público Federal, que no passado ajuizou várias ações contra a empresa por danos ambientais causados pela construção da barragem.
Em nota, a Norte Energia disse que as quantidades de água alocadas abaixo da barragem de Pimental foram destinadas a "garantir as condições ecológicas da Curva Grande" e criar vazões que "simulem a pulsação natural do rio Xingu".
Em particular, os períodos de menor liberação de água não ficaram abaixo dos níveis naturais em alguns anos, disse.
Mas André Oliveira Sawakuchi, professor associado do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo e especialista que estuda a área há mais de uma década, discorda.
A colossal descarga de água da Volta Grande e a base rochosa de granito criaram, ao longo do tempo, um ecossistema de ilhas florestadas no rio que se adaptaram ao fluxo e refluxo sazonal do rio, disse Oliveira Sawakuchi.
"Aqui, temos uma floresta dentro do rio. Isso é muito particular e único", disse.
Mas a engenharia da barragem causou uma "disrupção total desse ecossistema. Não é possível manter as duas coisas funcionando completamente - a produção de energia e o ecossistema", acrescentou.
O povo Juruna juntou-se a cientistas e ao Instituto Socioambiental, ou ISA, sem fins lucrativos, para propor um plano alternativo para os lançamentos de água da barragem de Pimental que forneceria mais água para si e para a natureza.
A contraproposta deles deverá ser analisada pelo Ministério Público Federal no próximo mês, juntamente com a da empresa.
Espaço sagrado
Ao redor da Volta Grande já existem marcas de cheias expostas em pedregulhos, amplas dunas de areia ao longo das margens e novas ilhas no córrego - todos terrenos antes submersos.
Os Juruna - que se autodenominam "gente do rio" - dizem que as mudanças são preocupantes para comunidades que desde tempos imemoriais dependem do rio para navegação, pesca e água para beber, cozinhar e tomar banho.
Para os Juruna, uma confluência de cachoeiras baixas e corredeiras chamada Jericoa na Volta Grande é um lugar sagrado. Cascatas de águas bravas criam redemoinhos no rio, que eles navegam com facilidade em canoas de madeira ou botes.
Usando um tradicional cocar de penas de arara azul e vermelha com plumas brancas, Giliarde Juruna, 40 anos, chefe da aldeia de Mïratu, lamentou as ameaças que seu povo enfrenta.
Ele disse que ex-líderes Juruna foram enganados pela Norte Energia para aceitar promessas ambientais e financeiras que a empresa não cumpriu.
"Eles nos prometeram que teríamos energia de graça", disse ele. Mas a cerca de 500 reais por mês por família, a eletricidade gerada pela barragem custa mais do que a maioria da comunidade pode pagar, reclamou.
Em nota, a empresa disse que realizou "mais de 100 projetos socioambientais" na Volta Grande desde 2011, cumprindo acordo com o Ibama.
Entre elas estão a instalação de pisciculturas e plantações de cacau e o acesso à água potável, saneamento e esgotamento sanitário para as comunidades ribeirinhas, além do acesso à saúde às famílias da "área de influência da barragem".
A população local diz que essas mudanças fazem pouco para beneficiá-los.
Em Mïratu, Josiel Pereira apontou peixes mortos boiando em uma das pisciculturas. Ele disse que os peixes eram uma espécie introduzida que não estava bem adaptada à área, ao contrário das espécies nativas outrora abundantes, como o pacu.
Sem peixe suficiente no Xingu, Silvia Da Cruz, uma mãe indígena de quatro filhos em Mïratu, disse que precisa comprar carne, frango e alimentos processados para alimentar sua família, aumentando o custo de vida e forçando famílias como a dela a entrar na economia monetária.
"Não é verdade que a energia da barragem de Belo Monte seja limpa", disse Mariel Nakane, economista que trabalha com o ISA. "(os brasileiros) estão pagando menos pela energia hidrelétrica mas os custos estão aqui para os moradores da Volta Grande."
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