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O plano Rossetto

OESP, Notas e Informacoes, p.A3
11 de Dez de 2003

O plano Rossetto

Uma das evidências da má-fé com que foi elaborado o novo Plano Nacional de Reforma Agrária, cujas 32 páginas o ministro Miguel Rossetto entregou às entidades dos produtores rurais na semana passada, é a indisfarçada intenção de confundir pequenas e médias propriedades rurais familiares - que nem sempre são "familiares" - com aquelas derivadas dos assentamentos distribuídos pelo governo no bojo da reforma agrária.
As propriedades chamadas familiares, integradas por pessoas que conhecem bem o trabalho na terra, porque dele vivem há muito tempo - quando não há muitas gerações - na prática de cultivos tradicionais, não só são produtivas, como convivem, harmoniosamente, com as empresas de agronegócios e sua economia de escala. Já as propriedades geradas pelos assentamentos, de que participam pessoas sem experiência, que nunca trabalharam - ou de há muito deixaram de trabalhar - no campo, apresentam os índices mais decepcionantes de produtividade e podem oferecer a seus ocupantes condições de vida até piores do que as das favelas e bairros periféricos das grandes cidades, de onde em boa parte provém - como bem demonstrou reportagem com o engenheiro agrônomo e ex-presidente do Incra Xico Graziano, em nossa edição de domingo, sobre um livro seu a ser lançado, com base em pesquisas locais, por ele realizadas em muitos assentamentos principalmente de São Paulo.
Já pela linguagem o novo plano parece pretender estabelecer o confronto (conceitual e estatístico) entre a propriedade familiar e a empresarial.
Recusando-se a usar o consagrado termo "agronegócio", substituindo-o por outro - "modelo patronal" - carregado de vetustas conotações ideológicas, o documento faz um duvidoso cotejo entre a média de empregos gerados por hectare, entre os dois modelos (o familiar e o patronal) de produção no campo. E conclui que o modelo patronal "insustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental", que começou a ser implantado nos anos 70 com base "num tipo de modernização tecnológica que substitui o trabalho humano pelo emprego de máquinas e insumos agrícolas", que privilegia a grande propriedade, em detrimento da pequena - como se essa modernização não tivesse ocorrido nos milhões de pequenas e médias propriedades agrícolas -, produziu resultados desastrosos, "empobrecendo mais os pobres do campo".
Propõe o plano Rossetto que se volte ao arado puxado por burro e à semeadura manual? Temos aí uma proposta de repetição do luddismo, movimento surgido entre operários da Inglaterra do século 19, contra a mecanização do trabalho, que pregava a destruição das máquinas, por considerá-las responsáveis pelo desemprego e miséria social?
Trata-se de enxergar a questão com "lentes muito estreitas", como disse o presidente da Sociedade Rural Brasileira, João Sampaio, aduzindo: "Sem os superávits comerciais que o atual modelo agrícola vem gerando para o País desde 1998, a recessão e os problemas sociais teriam sido bem maiores. Mesmo quando se fala em desemprego, é preciso olhar com lentes amplas. O número de empregos diretos no campo pode diminuir em alguns lugares, mas o agronegócio cria empregos indiretos, na indústria que produz máquinas e tratores para o campo, nos portos por onde é exportada a produção, e em vários outros pontos da cadeia produtiva." De qualquer forma, é outra falácia do "plano" Rossetto a afirmação de que a pequena propriedade emprega e rende mais por hectare do que a grande.
Tudo o que comentamos até agora é a "justificação de motivos" do plano enviado às lideranças rurais pelo ministro Rossetto para as nove alterações das regras atuais de desapropriação de terras que propõe, todas elas, sem exceção, visando a tornar mais fácil e mais rápida a desapropriação de terras para serem ocupadas pelo MST.
Trata-se de "redefinir a propriedade produtiva", aumentando-se os índices de produtividade que impedem a desapropriação, mexendo-se nas regras que dificultam a desapropriação e criando-se novas condições para os proprietários garantirem sua posse difíceis de serem cumpridas.
Trata-se, enfim, do indisfarçável propósito de alargar, subjetivamente, o conceito da "função social da propriedade", contida na norma constitucional, tendo em vista aumentar a disponibilidade de terras para o MST, mesmo que isso implique uma quebra de contrato com a qual os produtores rurais - tanto quanto a sociedade brasileira - não podem aceitar.
Resta saber se é isto que o presidente Lula da Silva entende por "reforma de qualidade e não de quantidade" - como foi a do governo Fernando Henrique.

OESP, 11/12/2003, p. A3

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