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O pior está por vir

CB, Mundo, p. 20
Autor: MAATHAI, Wangari Muta
18 de Mar de 2007

O pior está por vir
Próxima versão do relatório da ONU sobre o aquecimento do planeta será mais assustadora. Todos os continentes sofrerão estragos com as mudanças climáticas

Rodrigo Craveiro
Da equipe do Correio

O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) divulgado em fevereiro culpou o homem pelo aquecimento global, mas manteve certa discrição em relação aos impactos do fenômeno. O próximo documento, a ser publicado em abril pelo comitê da Organização das Nações Unidas (ONU), não economiza previsões pessimistas e condiciona o adiamento do problema a uma drástica redução nas emissões de gases causadores do efeito estufa. Mas também deixa claro que o simples corte na liberação de gás carbônico na atmosfera será insuficiente. "Não há dúvidas de que as temperaturas subirão em todas as regiões do planeta", alertou ao Correio a norte-americana Terry Root, bióloga da Universidade de Stanford (EUA) e co-autora do novo estudo.
"Mudanças no clima estão afetando os sistemas físicos e biológicos de todos os continentes", indica o relatório, cujo rascunho foi obtido pela agência de notícias Associated Press. A previsão se revela um contraste marcante com o documento publicado em 2001 pelo próprio IPCC. Naquele texto, os cientistas afirmavam que os efeitos do aquecimento global estavam a caminho, apesar de considerá-los regionalmente difusos.
De acordo com o novo relatório, o calor intenso contribuirá com a retração das grandes geleiras do Oceano Ártico por volta de 2050, o nível do mar subirá, e a água dos oceanos inundará as casas de dezenas de milhões de pessoas a cada ano. As chuvas se tornarão cada vez mais raras, incidindo diretamente no cultivo de grãos e na produção de alimentos. Os prognósticos fazem parte do rascunho do documento.
Terry revelou que a Austrália e o continente africano serão brutalmente atingidos pelos efeitos do aquecimento global. "As populações dessas regiões dependem das precipitações pluviométricas, e as chuvas se transformarão de modo drástico nesses locais", explicou.
"Também assistiremos a mudanças nos desertos e à disseminação de doenças pela África. Qualquer país pobre sofrerá mais danos." O relatório do IPCC trará uma falsa previsão otimista. Com o aumento na duração das estações no Hemisfério Norte, a comida será mais farta. No entanto, por volta de 2080, a fome golpeará centenas de milhões de pessoas (veja o infográfico nesta página).
"As mudanças no meio ambiente e no clima serão intensas, e incluirão seca nos subtrópicos e disseminação de pragas de insetos", previu o neozelandês Kevin Trenberth, co-autor do último relatório do IPCC e pesquisador do Centro Nacional para Pesquisa Atmosférica (NCAR), com sede no Colorado (EUA). Segundo ele, o novo documento será mais substancial, ainda que a principal mensagem mantenha a essência da advertência.
Inclusões
Mas uma parte do próximo relatório deve causar uma preocupação ainda maior na comunidade científica.
Trenberth disse que o texto sugerirá que processos não inclusos em modelos anteriores podem potencializar o aquecimento global. Temas como o derretimento do permafrost - um tipo de solo impermeável e sempre congelado, típico das regiões árticas e subárticas - e a conseqüente liberação de metano e dióxido de carbono na atmosfera, além do ciclo do carbono nos oceanos, foram ignorados pelo documento anterior.
O neozelandês acredita que o dióxido de carbono já presente na atmosfera levará pelo menos um século para se dissipar e produzirá mais aquecimento global. "Se formos sábios, devemos fazer planos para nos adaptarmos às mudanças climáticas", aconselhou. Trenberth vê com preocupação especial o derretimento de picos nevados, fenômeno que ocorre inclusive na Cordilheira dos Andes. "As montanhas são mais vulneráveis, pois à medida que o gelo e a neve derretem, mais radiação solar é absorvida e não refletida, amplificando o aquecimento global", comentou.
"As coisas estão acontecendo mais rápido do que esperávamos", alertou à Associated Press Patrícia Romero Lankao, também do NCAR e co-autora do relatório. Escrito e revisado por mil cientistas de dezenas de países, o novo documento do IPCC ainda deverá ser editado por autoridades de várias nações. Mesmo em forma de rascunho, é capaz de tirar o sono de ambientalistas e governantes.

Previsão deve ser levada a sério

A luta ambiental e o fato de sua organização ter plantado mais de 40 milhões de árvores no Quênia valeram à ativista queniana Wangari Muta Maathai, de 67 anos, o Prêmio Nobel da Paz de 2004.Fundadora do Movimento Cinturão Verde - uma organização não-governamental focada na conservação e na educação ambientais -, a professora integrou a lista das 100 heroínas do mundo, divulgada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).Em entrevista ao Correio, por telefone,Maathai defendeu o plantio de árvores como base da preservação ecológica, elogiou a busca brasileira por biocombustíveis e afirmou que o mundo tem todos os motivos para se preocupar com as previsões catastróficas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).No início deste ano, a ativista inspirou a campanha Plante pelo planeta: campanha por um bilhão de árvores. Lançado pelo Pnuma,o programa já plantou neste ano 630 milhões de árvores.

Entrevista //Wangari Muta Maathai

Que medidas a humanidade precisa tomar para mitigar os efeitos do aquecimento global?

É muito importante plantar árvores. Isso é extremamente importante. Trata-se de uma ação duradoura. Pensando nisso, lançamos a campanha para plantarmos 1 bilhão de árvores em 2007. Outra coisa que acredito ser necessário é mudar o nosso modo de vida. Temos de mudar o modo como usamos energia, especialmente os combustíveis fósseis. Para nós, é absolutamente possível reduzir a quantidade de combustíveis fósseis que utilizamos. Em alguns países, as pessoas estão começando a usar outros tipos de energia, como a eólica (ventos), a hidrelétrica e a nuclear. São energias limpas. Mas sabemos que há restrições à energia nuclear.

O Brasil considera o uso de biocombustíveis, como o etanol,para lidar com esse fenômeno. Como a senhora vê a iniciativa do país em se resguardar das mudanças climáticas?

Minha avaliação é de que o Brasil está numa posição de liderança em sua região ao investir em etanol e fontes limpas de energia, alternativas aos combustíveis fósseis. O Brasil tem de ser saudado por essa iniciativa. E espero que mais países adotem essa mudança. Eu gostaria também de comentar sobre um país em especial, o Japão. Os japoneses têm investido bastante em tecnologias que produzem veículos híbridos (movidos a eletricidade ou hidrogênio).

No sentido oposto,os Estados Unidos se recusam a ratificar o Protocolo de Kyoto.Como vê a posição norte-americana no cenário ambiental?

Eu creio que o governo norte-americano certamente está considerando uma política mais suave em relação à questão. As evidências sobre o que os combustíveis fósseis têm feito ao planeta são bastante convincentes. A postura da Casa Branca vem sofrendo oposição e tenho certeza de que os Estados Unidos serão mais cooperativos em relação à ratificação do Protocolo de Kyoto. O governo norte-americano tem a responsabilidade de fornecer liderança nessa área, pois os EUA são o país que mais colabora com o aumento dos gases causadores do efeito estufa. Eles têm uma obrigação maior de cooperar com o resto do mundo para encontrar soluções ao problema. Dito isso, gostaria de lembrar as ações de indivíduos, empresas e estados norte-americanos. Alguns têm ido na contramão da postura do governo, demonstrando comprometimento com o Protocolo de Kyoto.

Falta uma consciência ecológica mais amadurecida ao mundo?

A consciência ecológica é muito maior hoje do que há 10 ou 20 anos. Até pouco tempo, muitas pessoas estavam bastante hesitantes em levar a sério o tema aquecimento global. As mudanças climáticas são uma das razões para eu plantar e proteger árvores do Congo ou do sudeste da Ásia. As florestas podem ser protegidas com o apoio de governos dessas regiões. E, assim, se adaptarão ao aquecimento global. Os governos têm de desestimular a derrubada de árvores.

O fato de a senhora ter ganho o Nobel da Paz capitalizou as atenções para o tema do meio ambiente?

Acredito fortemente que o Prêmio Nobel da Paz não foi apenas creditado a mim, nem foi somente um reconhecimento ao nosso trabalho. Mas tratou-se de um alerta ao mundo para que saiba que a paz e a estabilidade não podem ser concretizadas num planeta onde recursos naturais limitados não são gerenciados de modo sustentável e não são distribuídos de forma equânime. É muito importante que tenhamos governos democráticos responsáveis e comprometidos com os direitos humanos. O Nobel da Paz é um portal para que as pessoas se disponham a imitar o papel de personalidades como o ex-vice-presidente dos Estados Unidos Al Gore.

Como analisa as últimas previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)?

Não há razão para duvidarmos de nossos cientistas. Esse relatório é muito importante para o mundo e, especialmente, para os governos de países desenvolvidos. Temos de levar essas palavras muito a sério. Eu diria que há pelo menos 90% de chances de que algo muito grave esteja ocorrendo. Temos de partir para a ação. Quando chegarmos à certeza de 100%, muito tempo terá passado. Temos de fazer algo ou pagaremos um preço que é nosso. (RC)

CB, 18/03/2007, Mundo, p. 20

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