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O perigo vem à tona

O Globo, Rio, p. 9
31 de Jul de 2015

O perigo vem à tona
Análise aponta contaminação por vírus em Copacabana, Baía e Lagoa. Governos contestam

ANTÔNIO WERNECK, LUISA VALLE, LUIZ ERNESTO MAGALHÃES E MARCO GRILLO
granderio@oglobo.com.br Colaborou Flávia Milhorance

Um estudo encomendado pela Associated Press ( AP) afirma que as águas da Baía de Guanabara, da Lagoa e de Copacabana, que sediarão provas nas Olimpíadas, estão contaminadas por vírus e bactérias. Segundo a pesquisa, atletas correm risco de contrair doenças. O Comitê Rio 2016 alegou que a qualidade está dentro dos padrões. A divulgação de uma análise com críticas severas à qualidade da água dos locais que vão receber competições nas Olimpíadas provocou desconforto no governo estadual e na prefeitura do Rio, levando para os sites dos principais veículos de comunicação do mundo a preocupação com os riscos a serem enfrentados pelos atletas em 2016. O estudo, encomendado pela Associated Press ( AP), revela a presença de vírus, bactérias e coliformes fecais, capazes de provocar doenças, em níveis muitas vezes acima dos toleráveis em dois locais de provas: Baía de Guanabara e Lagoa Rodrigo de Freitas. Também foi coletado material na Praia de Ipanema, que não terá qualquer competição, e na Praia de Copacabana, onde haverá duas provas. Ao todo, 37 amostras foram analisadas, em quatro rodadas de testes.
De acordo com o estudo, coordenado pela Universidade Feevale, de Novo Hamburgo ( RS), a situação mais alarmante é a da Lagoa, palco das competições de remo e canoagem. Lá, 75% do material coletado apresentaram índices de coliformes fecais acima do limite indicado para atividades de contato secundário ( quando o contato com a água é esporádico, e a possibilidade de ingestão é pequena). Em duas amostras, o volume ficou dez vezes acima do permitido. Na Lagoa, foi verificada a quantidade mais expressiva de adenovírus ( que pode causar infecções respiratórias), chegando a 1,7 bilhão por litro num trecho. O índice é 1,7 milhão de vezes superior ao que seria tolerado em praias da Califórnia, segundo a agência. Em duas ocasiões, havia rotavírus (causa diarreia) no material coletado na Lagoa.
SECRETÁRIO: "ISSO É ALARMISMO"
A Secretaria municipal de Meio Ambiente contestou as informações da análise. Segundo o órgão, os índices de coliformes fecais na Lagoa estão dentro dos limites exigidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para o contato secundário. Ainda de acordo com a secretaria, o Brasil segue padrões internacionais, em que são previstos controles da presença de bactérias, e não a análise viral.
Na Baía de Guanabara, onde vai acontecer o torneio de vela, os trechos analisados apresentaram resultados melhores que os da Lagoa. De todas as amostras, o limite de coliformes fecais foi excedido apenas em uma. Só em uma também o rotavírus foi encontrado.
O governo estadual admite que apenas uma das raias olímpicas da Baía de Guanabara - são cinco - não tem condições de balneabilidade hoje. Nos outros pontos, o Instituto Estadual do Ambiente ( Inea) assegura que as condições são propícias. O governo aposta que, até as Olimpíadas, com a construção de uma galeria de cintura para desviar esgoto para o emissário submarino de Ipanema, todas as raias estarão boas.
- A única raia que ainda não está dentro dos padrões internacionais é a da Marina da Glória. Fizemos biorremediação (despejo de bactérias que consomem outras bactérias) para o evento- teste de vela de 2014 e vamos fazer de novo para o deste ano - disse o secretário estadual da Casa Civil, Leonardo Espíndola. - Não conhecemos a metodologia. Isso é alarmismo. Os atletas podem ficar tranquilos.
Para o biólogo Mário Moscatelli, a análise demonstrou que o saneamento não é tratado como uma "política de Estado":
- O Rio é uma cidade sitiada por coliformes fecais. No canal da Joatinga ( na Barra) tem esgoto, em São Conrado também, assim como no canal da Visconde de Albuquerque ( Leblon), no Jardim de Alah, na Marina da Glória...
Em Copacabana, que abrigará a maratona aquática e o nado do triatlo, "as concentrações de vírus foram aproximadamente as mesmas que são encontradas no esgoto", diz a reportagem. Em Ipanema, os índices de coliformes fecais ficaram acima dos tolerados em três ocasiões.
As resoluções do Conama sobre balneabilidade de praias e lagoas fixam parâmetros baseados no controle de bactérias, e não de vírus. Segundo especialistas, esse é o padrão seguido mundialmente.
- A concentração de vírus não é medida normalmente mundo afora. Outro aspecto é que a contaminação de um ponto não significa necessariamente que todo o corpo hídrico está nas mesmas condições - disse o presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, Sérgio Pinheiro Almeida.
Para o infectologista Alberto Chebabo, medições com vírus são mais complexas:
- É um refinamento, nem todo laboratório faz. O padrão internacional é o dos coliformes fecais.
O infectologista Edmilson Migowisky, professor da UFRJ, acrescenta que, sem o conhecimento da metodologia, é preciso analisar os resultados com cautela:
- A questão não é se existem concentrações de coliformes fecais ou vírus. Existem outros fatores, como se a coleta precedeu ou não dias de chuva e se o ponto escolhido inclui raias olímpicas.
O Comitê Rio 2016 ressaltou que também faz análises da água e afirmou que os dados são avalizados pela Organização Mundial da Saúde ( OMS). O órgão garantiu que os atletas não serão expostos a riscos. A organização dos Jogos descartou a possibilidade de tirar a vela da Baía.

EUA USAM PADRÃO PARECIDO

A medição dos índices de balneabilidade nos Estados Unidos é feita com base em dois indicadores bacterianos de contaminação também usados no Brasil: a Escherichia coli e os enterococos. A diferença para o Brasil é que a Agência de Proteção Ambiental americana (EPA, na sigla em inglês) não recomenda o uso de coliformes totais ou fecais na avaliação.

Os critérios para determinar a qualidade das águas usadas para fins recreativos nos EUA foram fixados em 1986. Em 2012, porém, a EPA atualizou o documento. Os novos parâmetros são fundamentados em estudos médicos recentes e usam uma definição mais ampla de doença, reconhecendo, por exemplo, que podem ocorrer sintomas de contaminação, como infecções estomacais, sem que haja febre.

O órgão também diminuiu de 90 para 30 dias o período em que deve ocorrer um novo monitoramento; apresentou novas ferramentas e métodos de teste, que permitem resultados em poucas horas; e indicou o uso de medições de curto e longo prazo, que, combinadas, garantem a avaliação precisa da água.

Os critérios adotados nos EUA funcionam como recomendações para os 50 estados americanos, mas não se trata de regulamentações. "Estados e tribos autorizadas têm o discernimento de adotar, onde apropriado, outros critérios de medição de qualidade de água que diferem dos recomendados pela EPA", diz o documento. O órgão avalia, agora, a adoção de dois métodos de coliphage, um indicador viral de contaminação fecal.

O QUE FOI ENCONTRADO

Adenovírus humano. Pode causar infecções respiratórias, gastrointestinais, oculares, do trato urinário e, em casos mais raros, síndromes neurológicas. Não é um vírus mortal. Geralmente, os sintomas são parecidos com os da gripe.

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Rotavírus. Provoca diarreia, o que pode levar a desidratação, vômitos e febre, além de problemas respiratórios, como coriza e tosse.

Enterovírus. Provoca febre, dores de estômago, garganta, cabeça e musculares, além de vômito. Ele ainda pode causar infecções gastrointestinais e neurológicas, como a meningite.

Para esses vírus, não há vacina nem tratamento específico, além do controle dos sintomas. São geralmente transmitidos por secreções respiratórias, mas também podem ocorrer em ambientes contaminados, como a água.

O Globo, 31/07/2015, Rio, p. 9

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