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O perigo à espreita

O Globo, Rio, p. 16
29 de Jan de 2011

O perigo à espreita
Pesquisadores constatam que região central de Petrópolis tem áreas de risco densamente povoadas

Célia Costa

Poupada pelas enchentes que devastaram localidades de sete cidades da Região Serrana e provocaram a morte, até agora, de 853 pessoas, a parte central da cidade de Petrópolis é considerada uma bomba-relógio. Na sexta-feira, pesquisadores da Coordenação de Programas de Pós-Graduação de Engenharia (Coppe) da UFRJ sobrevoaram os municípios atingidos, constatando que Petrópolis tem áreas de risco densamente ocupadas onde, se tivesse chovido o mesmo volume registrado em outros pontos, a tragédia na serra seria ainda maior. O sobrevoo é parte do levantamento que visa à elaboração de um documento, a ser entregue aos governos federal e estadual, até o fim da próxima semana, com o que pode ser feito em caráter emergencial e também preventivo.
- É uma contribuição da universidade, semelhante ao que já foi feito após as chuvas em Santa Catarina, em 2008, e em Angra dos Reis, em 2010. É uma posição da Coppe sobre prevenção e medidas emergenciais para se evitar um grande número de vítimas - disse o diretor da Coppe, Luiz Pinguelli Rosa.
Para o vice-governador Luiz Fernando Pezão, a avaliação dos pesquisadores da Coppe é corretíssima. Por isso, acrescentou ele, o projeto do governo estadual para a construção de moradias na região tem levado em conta o número de pessoas que precisam ser retiradas das áreas de risco. Um exemplo citado por Pezão é o Vale do Cuiabá, em Itaipava. Lá, são necessários 200 reassentamentos. Mas o estado vai erguer um total de 1.500 casas em Petrópolis para desocupar áreas de risco.
- Estamos fazendo isso em todos os municípios. Ontem (quinta-feira), o governador Sérgio Cabral autorizou a compra assistida de moradias e também indenizações para tirar pessoas de área de risco - disse Pezão.
O professor de engenharia geotécnica Maurício Erlich, que fez o sobrevoo, disse que a mancha de destruição em Friburgo, Teresópolis e Petrópolis é bastante localizada.
- Em alguns locais você vê muita destruição, mas basta olhar para o lado para observar que alguns locais não foram atingidos - explicou.
Segundo o professor, na Região Serrana existe uma tendência a ocorrer concentração de chuvas em determinadas áreas, como se fossem vários microclimas. Em Teresópolis, bairros como Caleme e Campo Grande e a área rural foram castigados, enquanto o Centro ficou intacto.
A importância de ser adotada uma política de prevenção, uma vez que episódios como o ocorrido na Região Serrana podem acontecer outras vezes, foi destacada por Willy Lacerda, professor de engenharia geotécnica da Coppe, que também participou do sobrevoo. Ele recomenda a criação de abrigos, que devem ser construídos em locais seguros, com capacidade para acomodar de 400 a 500 pessoas. O treinamento da população é outra etapa.
- É preciso melhorar, urgentemente, o sistema de alerta - disse Willy Lacerda. - A prevenção deve ser uma política de estado, e o que aconteceu não pode ser esquecido, mesmo depois de dois ou três verões sem chuva.
O professor disse ainda que, para elaborar o estudo da Coppe, os técnicos vão utilizar fotos tiradas na sexta-feira e imagens registradas por satélite antes dos danos causados pelas chuvas.
A prefeitura de Petrópolis não quis comentar a avaliação dos técnicos da Coppe. O prefeito Paulo Mustrangi, por meio de sua assessoria, disse que o município vem realizando estudos em parceria com o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e a Empresa de Obras Públicas do Estado (Emop). A prefeitura informou também que, desde 2007, a cidade dispõe do Plano Municipal de Redução de Risco de Escorregamentos e Inundações.
Realizado em convênio com o Ministério das Cidades, o plano tem o objetivo de apoiar atividades de gerenciamento de deslizamentos e inundações para o primeiro distrito. Ele contempla diagnóstico de risco, propostas de ações estruturais e não estruturais em áreas de assentamentos precários. O estudo identificou 102 pontos críticos somente no primeiro distrito. Segundo o levantamento, pelo menos 15 mil moradias foram construídas em áreas consideradas de risco ou alto risco. Bairros como Alto da Serra, Quitandinha, Bingen e Independência foram identificados como os mais críticos.

'Cicatrizes' são semelhantes às da Venezuela

O cenário de destruição e até as "cicatrizes" deixadas nas montanhas da Venezuela depois das chuvas de dezembro de 1999 são semelhantes ao que se vê hoje na Região Serrana. No entanto, a tragédia naquele país foi ainda maior. O número de mortos foi estimado em mais de 25 mil, e mais de 200 pessoas ficaram desabrigadas. Além dos mortos, devido a deslizamentos e inundações, os resgates foram realizados em meio ao caos. Três helicópteros caíram. Na época, as enchentes da Venezuela foram consideradas um dos maiores desastres naturais do século XX.
Na ocasião, venezuelanos culparam o governo pela dimensão da tragédia, porque quase metade dos seis milhões de habitantes da Região Metropolitana de Caracas vivia em favelas, muitos nas encostas do Morro El Ávila, severamente atingido por deslizamentos.
O presidente Hugo Chávez deslocou 12 mil soldados, helicópteros e vários navios de guerra para os resgates. A residência do presidente em Caracas, conhecida como La Casona, tornou-se o centro de recepção para crianças que ficaram órfãs.

O Globo, 29/01/2011, Rio, p. 16

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