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O papa Francisco e as florestas

Valor Econômico, Opinião, p. A11
Autor: BABBITT, Bruce
11 de Ago de 2015

O papa Francisco e as florestas
As reservas indígenas na Amazônia brasileira têm desempenhado papel fundamental na redução das taxas de desmatamento - a um custo considerável. Nos últimos 12 anos, mais ativistas e líderes indígenas foram mortos no Brasil do que em qualquer outro país.

Bruce Babbitt

Quando o papa Francisco visitou a América Latina em julho, fez um apelo apaixonado pela proteção da floresta amazônica e das pessoas que lá vivem. "Nossa casa comum está sendo pilhada e devastada com impunidade", disse a ativistas reunidos na Bolívia para o Encontro Mundial dos Movimentos Populares. "Covardia em defendê-la é um pecado grave".
Atender o apelo de Francisco não é apenas uma questão moral; é uma necessidade prática. Quando os líderes mundiais reunirem-se durante a Conferência sobre Mudança Climática das Nações Unidas, em Paris, no fim deste ano, para formular uma resposta aos desafios do aquecimento mundial, eles precisam colocar em prática políticas para proteger as florestas tropicais e as pessoas que nelas habitam.
Francisco não é o primeiro missionário que visitou a Amazônia. Sacerdotes franciscanos, jesuítas e dominicanos vêm pregando o evangelho na região há séculos. O que torna o apelo de Francisco diferente é que suas palavras não foram direcionadas só à população local, mas aos habitantes da América do Norte e Europa, onde a demanda por madeira, biocombustíveis e produtos agrícolas motiva a destruição das florestas tropicais e põe em perigo as vidas de populações indígenas.
Comunidades na Amazônia vêm sofrendo penosamente as consequências de incentivos econômicos que induzem a derrubada das florestas tropicais. Em todo o mundo, povos indígenas estão sendo ameaçados, assassinados e expulsos de suas terras natais. Dos 116 ativistas ambientais assassinados em 2014, 40% eram líderes indígenas. Em setembro de 2014, por exemplo, Edwin Chota e três outros líderes das comunidades Asháninka do Peru foram brutalmente assassinados, provavelmente por madeireiros ilegais. Dois meses depois, José Isidro Tendetza Antun, um líder do povo Shuar, no Equador, foi torturado e morto ao dirigir-se a uma manifestação de protesto contra um projeto de mineração que ameaçava as terras de seu povo.
Além de ser uma afronta aos direitos humanos, o desflorestamento e, paralelamente, as agressões contra as culturas indígenas são uma grave ameaça à luta contra as mudanças climáticas. Os vínculos entre a perda de cobertura florestal e o aquecimento mundial têm sido bem documentados. As emissões de dióxido de carbono devidas ao desmatamento e à queima da floresta responde por quase 10% das emissões em todo o mundo.
Enquanto isso, os povos das florestas têm demonstrado que muitas vezes são os melhores guardiões das árvores das quais depende sua subsistência. As florestas onde vivem os povos indígenas muitas vezes absorvem mais carbono do que as administradas por quaisquer outros proprietários, públicos ou privados. Com efeito, as reservas indígenas na Amazônia brasileira têm desempenhado um papel fundamental na redução das taxas de desmatamento - a um custo considerável. Nos últimos 12 anos, mais ativistas e líderes indígenas foram mortos no Brasil do que em qualquer outro país.
Durante os trabalhos em Paris no fim deste ano, espera-se que os países apresentem planos nacionais - denominados Contribuições Planejadas Determinadas em Nível Nacional (INDCs, em inglês) - delineando os passos específicos que tomarão para reduzir as emissões de CO2. Se o apelo de Francisco for atendido, essas etapas deverão assumir compromissos no sentido de ajudar os povos indígenas a assegurar o direito à sua terra e capacitá-los a proteger suas florestas contra a destruição.
Até agora, apenas pouco mais de um quarto dos países do mundo apresentaram INDCs preliminares para apreciação. Infelizmente, poucos países com florestas tropicais apresentaram seus planos, e nenhum dos países amazônicos fez isso.
O México, ao contrário, está dando um bom exemplo. Por meio de seu INDC, o governo definiu várias metas ambiciosas, inclusive a promessa de chegar ao desmatamento zero até o ano de 2030 e de restaurar ecossistemas florestais nas bacias hidrográficas do país. No entanto, embora o México assegure direitos formais relativamente firmes à terra e à propriedade aos povos indígenas e comunidades locais, esses direitos precisam ainda ser integrados a outros regulamentos - o que restringe qualquer tipo de desenvolvimento econômico.
Países industrializados, como os EUA e os membros da União Europeia, têm uma responsabilidade especial na formulação de soluções para o problema do desflorestamento. Comunidades que vivem em ambientes florestais precisam receber ajuda para a gestão de seus recursos e a manutenção de seus meios de subsistência. O Fundo Verde para o Clima, estabelecido pelas Nações Unidas para ajudar os países em desenvolvimento a reduzir as emissões de CO2 e adaptarem-se às mudanças climáticas, deveriam incluir disposições específicas que levem em consideração os povos indígenas de maneira coerente com o Mecanismo Dedicado de Dotações do Fundo para Investimento Climático.
As próximas viagens de Francisco incluirão visitas a Washington (DC) e a Paris, onde deverá continuar sua defesa do meio ambiente. Cabe a nossos líderes responder ao seu apelo e converter orações em políticas. (Tradução de Sergio Blum)

Bruce Babbitt, ex-secretário do Interior [dos EUA] e ex-governador do Arizona, é membro da diretoria da Associação de Conservação da Amazônia.

Valor Econômico, 11/08/2015, Opinião, p. A11

http://www.valor.com.br/opiniao/4174372/o-papa-francisco-e-florestas

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