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O País Tropical queima: incêndios florestais ameaçam biomas brasileiros

Jornal do Campus USP - http://www.jornaldocampus.usp.br/i
01 de Out de 2021

O estado de São Paulo vive a seca mais severa dos últimos 91 anos. Os efeitos são adversos para a população que sofre com a escassez no abastecimento de energia e água nos municípios, e também para as matas da região. Até o mês de setembro, foram registrados pelos satélites cerca de 4.400 focos de incêndios no estado, 1.143 a mais em comparação ao mesmo período em 2020.

Somente na região metropolitana da capital, foram registrados em agosto dois incêndios de grande repercussão. O primeiro ocorreu em Pirassununga, dentro do campus Fernando Costa da USP. A área é um ecótono, ou seja, um ambiente de contato entre dois biomas, caracterizado como um ecossistema de transição, nesse caso Mata Atlântica e Cerrado. Por conta disso, 38% do território é composto por reservas ecológicas, e mesmo protegido, um incêndio alastrou-se a partir do capim seco presente na paisagem, queimando parte da reserva no dia 23 de agosto.

De modo semelhante, o Parque Estadual do Juquery, localizado em Franco da Rocha, sofreu por dias com focos de incêndio. O fogo que iniciou-se no dia 24 de agosto, após a soltura de balões na área, consumiu parte da floresta e afetou a população local. Milena Barbosa, moradora de Franco da Rocha há 21 anos, relata que logo no início do incêndio já era possível avistar a fumaça e fuligem se espalhando pela cidade.

"Desde o começo, já com a fuligem, minha casa ficou repleta e começou a atacar a bronquite do meu irmão, a minha, da minha mãe. O ar ficou péssimo, garganta seca, eu tive dor de cabeça por conta da fumaça", disse.

Ela cresceu indo ao Parque do Juquery, ponto turístico e de lazer notório, em excursões escolares e afirma o significado do local para a cidade: " o primeiro contato que eu tive com a natureza foi com o Parque do Juquery. Então, naquele dia de estresse, que você não queria fazer nada, ia para o Parque caminhar, olhar a natureza, os bichos ao longo das trilhas. Ele tem um significado muito grande para a população".

O incêndio do parque levou quatro dias para ser totalmente controlado apesar da ação conjunta da prefeitura com brigadistas, a equipe Águia da Polícia Militar e a Fundação Florestal; compondo quatro frentes de combate às chamas no total. Os principais efeitos, no entanto, são avaliados somente após o combate ostensivo, "o foco, agora, são os biólogos e veterinários que estão atrás de animais vivos, porque pelo que sabemos são pouquíssimos os animais que conseguiram ser resgatados com vida", afirma Milena.

A redução de biodiversidade na fauna, contudo, é somente uma das problemáticas envolvidas em um incêndio florestal. A longo prazo, florestas que sofreram queima sofrem com o aumento da mortalidade de árvores, perda de biomassa e da capacidade de estoque de carbono.

A ambientalista e pesquisadora no Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), Liana Anderson, explica as dificuldades de recuperação dessas florestas. "Com mais de 30 anos, é possível observar através de medições que a floresta não recupera a quantidade de biomassa.As florestas que sofrem isso tem diminuição de 25% no estoque de biomassa. Então, você tem mudança na configuração da floresta, no armazenamento de carbono", diz.

Sobre o processo de regeneração a pesquisadora alerta: " essa floresta certamente não vai conseguir se recuperar, no tempo de vida de uma pessoa. Ainda que sejam abandonadas para se regenerarem, elas não alcançam esses serviços ecossistêmicos que as florestas não afetadas pelo fogo podem prover".

Nos últimos dez anos, a situação na América Latina tem sido motivo de preocupação para especialistas. Estudos do Cemaden e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), apontam para um aumento considerável no número de focos de calor. Os focos de calor são dados detectados por satélites e indicam fogo ativo em horas e locais específicos. Esses dados estão sendo processados desde 1998 e, em análise comparativa, é possível identificar um recorde histórico de focos em 2020, especificamente nos meses de março, maio e abril.

O Brasil sentiu os efeitos desse aumento em 2020."A primeira coisa que chama atenção é que no ano de 2019, mês de março, e 2020, mês de abril, foram recordes históricos em relação a toda a série de dados que temos, desde 1998", afirma Liana.

Isso seria indício de um maior número de incêndios no período mais inicial do ano, um dado interessante visto que os meses mais secos no país ocorrem geralmente entre agosto e outubro. Apesar disso, ainda não é possível afirmar que existe um deslocamento de estação seca, mas sim que o fogo está começando mais cedo e em um volume maior.

Exemplo disso, foram os recordes de queimadas no Pantanal e na Amazônia em 2019 e 2020. Na Amazônia, as médias dos meses de fevereiro, março e abril de 2018 a 2020 foram maiores que as da década de 1999 até 2009. E o Pantanal, que estampou diversas manchetes no ano passado por conta dos incêndios florestais, considerando somente o mês de maio teve maior número de focos em relação à primeira década (1999 até 2009). O resultado disso foi um também recorde histórico nos meses de março, abril, julho, setembro e outubro.

Neste ano, o Pantanal segue com medições abaixo do esperado, mas outros biomas têm apresentado dados muito preocupantes. Segundo o Inpe, Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga, por exemplo, obtiveram no acúmulo parcial do ano um maior número de focos em relação ao ano passado. Na Caatinga, o aumento é em mais de 100%.

Esses dados, porém , não referem-se ao total de área queimada. Essa mediação é processada de forma muito mais lenta que os focos de calor e mostra a extensão que determinado fogo atingiu. São dados complementares à análise de focos de incêndio, contudo só é possível obtê-los anualmente.

Em 2019, esse processamento indicou um total de 318 mil quilômetros quadrados queimados, maior que a área de todo o Estado de São Paulo. Já no acumulado parcial deste ano foram registrados quase 121 mil quilômetros quadrados, com aumento comparado a 2020 de área queimada nos biomas Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica.

Segundo Liana, as causas dessa problemática são diversas, como a seca severa que afeta muitos estados brasileiros e o gradual processo de aquecimento global. "Pode- se pensar em diferentes engrenagens que se retroalimentam. Quanto mais seca você tem maior a ocorrência de queimadas e incêndios florestais. E quanto maior a ocorrência desses eventos, maior liberação de gases de efeito estufa para a atmosfera que, consequentemente, atuam nas mudanças climáticas".

Esse é o efeito da degradação florestal, produto de cortes seletivos de floresta, como o incêndio florestal, que geram o chamado "efeito de borda". A borda de uma floresta é a parte em contato com outro tipo de cobertura, uma estrada ou pastagem por exemplo, que a partir de processos de degradação tem seu perímetro e exposição da mata aumentados.

Logo, há uma mudança nas condições de luminosidade, umidade e temperatura nessa floresta, chamada de alteração do microclima. Esse processo gera impactos que contribuem para o aquecimento climático. Uma ilustração é a Amazônia brasileira que obteve um aumento de temperatura entre 1979 e 2018 em torno de 1,7oC. Esse valor é mais alto do que a média global do mesmo período, que é de 0.98oC.

Para a pesquisadora do Cemaden, é importante considerar a contextualização global também, já que uma grande contribuição das emissões do Brasil é por desmatamento. "Esses são fatores que só se consegue diminuir fazendo cumprir a legislação, com investimentos que já são previstos por lei: monitoramento, tecnologias, multa e inteligência para atuar na investigação dos crimes ambientais. É diferente, por exemplo, se nossas emissões fossem majoritariamente por combustíveis fósseis, pela indústria, pela matriz energética do país como nos Estados Unidos e na Europa", afirma.

Atualmente, existe uma variedade de técnicas de agricultura livre do fogo e o Cemaden possui um amplo catálogo com essas práticas e tecnologias. O que falta, porém, é a capacitação, disseminação desse conhecimento e a mobilização das iniciativas públicas e privadas para uma agricultura mais sustentável. Outra questão é a priorização por parte dos órgãos públicos do combate ao fogo e não da prevenção. O que ocorre hoje são ações de monitoramento de fogo ativo, como o Programa Queimadas, mas não em planos estratégicos de prevenção de focos em áreas sensíveis. "E são fatores que só se consegue diminuir fazendo cumprir a legislação, com investimentos que já são previstos por lei: monitoramento, tecnologias, multa e inteligência para atuar na investigação dos crimes ambientais", alerta Liana.

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