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O país de contrastes

CB, Brasil, p. 19
28 de Set de 2006

O país de contrastes
Estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância constata que, apesar dos avanços no acesso às redes de água e esgoto, brasileiros ainda sofrem com as desigualdades, principalmente no Norte e no Nordeste

Paloma Oliveto

O acesso à água potável e ao esgotamento sanitário melhoraram no Brasil, mas para crianças pobres, negras e moradoras das regiões Norte e Nordeste, saneamento básico ainda é artigo de luxo. Um estudo mundial divulgado hoje pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ) mostra que, embora o país esteja próximo de alcançar as metas da ONU em relação à sustentabilidade ambiental, as desigualdades sociais e raciais impedem que os avanços nessa área cheguem para todos.
A Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (Pnad) de 2005 aponta que 82,3% dos domicílios brasileiros têm acesso à rede geral de água, e 75% a esgotamento sanitário (rede coletora e fossa séptica). No Nordeste, porém, os índices caem bastante em relação à média nacional: a água chega a 73,87% dos lares, e há esgoto para 46,44% dos domicílios, sendo que quase 20% usam fossas.
"A grande questão que precisa ser colocada não é se o Brasil vai ou não alcançar as metas da ONU. O grande problema são as desigualdades muito presentes no país. O acesso à água e ao esgoto depende do lugar onde você nasce e da classe social a qual pertence", destaca Patrício Fuentes, coordenador do Unicef em Fortaleza (CE). No relatório global Progress for Children (Progresso para Crianças), o Brasil aparece como um dos países da América Latina que mais avança na universalização do saneamento básico, ao mesmo tempo em que se destaca pelas desigualdades.
Segundo o Unicef, 5,33% das crianças e dos adolescentes brasileiros vivem sem água encanada em casa. Do total, 2,59% são brancas, e 7,85% são negras. Em relação ao esgotamento sanitário, 19% dos brasileiros com até 18 anos não têm acesso sequer a fossas sépticas. O percentual entre crianças brancas é menor: 8,47%. "O acesso à água e saneamento é um indicador importante sobre a qualidade de vida das pessoas. A garantia desses direitos também tem impacto direto na prevenção de doenças e na sobreviência e na saúde de crianças e adolescentes", destaca o texto do relatório.
As desigualdades regionais também são ressaltadas pelo Unicef. Dos quase 6 milhões de crianças e adolescentes que vivem na Região Amazônica, 12,58% não têm água encanada. No Distrito Federal, o índice cai para 0,4%. A coleta de resíduos sólidos chega para 61,46% dos nordestinos, enquanto que, no Sudeste, o percentual é de 88,43%.
Exclusão
Mãe de três crianças com idade entre 9 e 13 anos, a dona-de-casa Vera Lúcia Ribeiro Cirilo, 33 anos, mora na capital da República - unidade da federação com os melhores índices de cobertura de água encanada e acesso a coleta de lixo e esgotamento sanitário. Nem por isso, usufrui desses serviços.
Ela vive com a família num barraco de madeirite construído na Estrutural, um dos bairros mais pobres do Distrito Federal. A água encanada chegou há três anos, mas até hoje a rede de esgoto é só uma promessa. "Construí uma fossa no quintal. E me preocupo com a saúde das crianças, mas fazer o quê?", questiona. Vera Lúcia conta que prefere o clima seco da capital do país à época das chuvas, quando o lixo se mistura à lama das ruas não asfaltadas e entra em casa. "Coleta de lixo não existe por aqui. Os vizinhos amontoam tudo e jogam no terreno baldio. De vez em quando, a gente queima tudo", afirma. Ainda assim, ela recebe carnê para pagar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), no valor de R$ 65 a parcela. "Paguei uma, mas as outras duas não pago de jeito nenhum. Não tenho condições. Se eu fosse rica, pagava, mas aí eu moraria no Lago Sul, e não nesse barraco que eu mesmo construí e que não tem nada", reclama.
O secretário nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Abelardo de Oliveira Filho, reconhece que há muitas desigualdades no acesso ao saneamento básico. "Trata-se de um setor que foi relegado para o segundo plano por muitos anos", justifica. Segundo o secretário, o marco regulatório do saneamento, que já foi aprovado pelo Senado e aguarda votação na Câmara, vai definir as políticas públicas para a área, ajudando na redução das desigualdades. Ele também destaca o programa Saneamento para Todos, que financia obras do setor e, em três anos, investiu R$ 11,9 bilhões.
Para receber os recursos, os interessados participam de uma seleção pública, na qual apresentam as propostas ao Ministério das Cidades. Ganham mais pontos os operadores que apresentam projetos nas áreas mais carentes. Os critérios para a escolha das propostas levam em conta o déficit de saneamento da localidade, o índice de mortalidade infantil e a cobertura dos serviços de água e esgoto.

DF tem o melhor saneamento

Os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, mostram que o acesso ao saneamento básico melhorou no Brasil. Em três anos, o número de casas com esgotamento sanitário aumentou de 22 milhões para 25,5 milhões. O acesso à água potável passou de 38,9 milhões de domicílios para 43,6 milhões. Ainda assim, dos 53 milhões de lares brasileiros, menos da metade - 25,5 milhões - são abastecidos pela rede coletora de esgoto.
Levantamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) com base nos dados do IBGE mostram que, em 11 estados brasileiros, o acesso ao saneamento é igual ou inferior a países pobres da África, da Ásia e da América Latina (veja quadro nesta página).
O Mato Grosso do Sul apresenta os piores índices: apenas 16% dos lares contam com serviços básicos de saneamento, percentual idêntico ao da população do Camboja, na Ásia. Em seguida, vem o Tocantins, com 25% de cobertura, uma taxa inferior à da Somália, um dos países mais miseráveis da África.
Alagoas, Goiás, Pernambuco, Ceará, Mato Grosso, Acre, Bahia e Rondônia são os demais estados brasileiros com menos de 50% de acesso a saneamento básico. Outras 11 unidades da federação têm percentual de acesso inferior à média nacional, que é de 75% (incluindo rede de esgoto e fossas sépticas), sendo que quatro situam-se no Nordeste.
No topo do ranking do saneamento está o Distrito Federal, com cobertura de 94%, a mesma do Uruguai. O estado mais rico do Brasil, São Paulo, tem percentual de 93%, próximo ao do Chile (92%). No Rio de Janeiro (88%), o índice é semelhante ao da Rússia (87%), Santa Catarina tem a mesma taxa da Turquia (83%), e o Rio Grande do Sul (81%) quase iguala-se ao Iraque (80%) no acesso ao saneamento. Nenhum estado chegou perto da Suíça e do Japão, que universalizaram os serviços.
O Pnud também destaca que, no ano passado, a cobertura de serviços de coleta de esgoto regrediu em alguns estados brasileiros, em relação a 2004. O Tocantins teve a pior queda, passando de 29% para 23,7%.
Segundo o secretário nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Abelardo de Oliveira Filho, a expectativa é que, em 2024, todos os brasileiros possam contar com saneamento básico. Ele diz que o planejamento da universalização do acesso foi feito em 2003 e começou a ser executado no ano seguinte. "Oferecer saneamento a toda população é o nosso grande desafio e estamos trabalhando para isso", garante. (PO)

CB, 28/09/2006, Brasil, p. 19

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