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O novo governo e as políticas socioambientais

OESP, Eleições, p. H3
Autor: RICARDO, Beto; CAPOBIANCO, João Paulo; SANTILLI, Márcio; ESTERCI, Neide
04 de Out de 2002

O novo governo e as políticas socioambientais

Beto Ricardo, João Paulo Capobianco, Márcio Santilli e Neide Esterci

Para superar o discurso genérico da campanha eleitoral e poder implementar ações concretas em favor do desenvolvimento sustentável, o novo governo deverá assumir a responsabilidade, orçamentária inclusive, de liderar as políticas socioambientais.
Desde meados da década de 80, quando os índices de desmatamento na Amazônia assumiram uma escala de impacto ambiental global, o Brasil passou a ser fortemente questionado nos foros internacionais. Como reação, o governo brasileiro adotou uma estratégia eminentemente defensiva.
Após os escândalos ambientais que vieram à tona no fim do regime militar, os presidentes que foram eleitos em seguida estruturaram novos órgãos ambientais, fortaleceram a legislação e implantaram programas ambientais em parceria com a cooperação internacional, como o Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais Brasileiras (PPG7), além de outros, como o Sivam. Houve um novo salto na demarcação de terras indígenas e na criação de unidades de conservação em todo o País.
Tais ações, no entanto, não foram acompanhadas de investimentos financeiros capazes de consolidar um novo padrão de sustentabilidade socioambiental no País. Ao contrário, os investimentos públicos continuaram a representar uma pequena fração dos recursos direcionados para atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente, além de serem quase totalmente dependentes da cooperação internacional. Os instrumentos de política econômica e desenvolvimento regional, não incorporaram critérios ambientais. Resultado: as políticas de fomento ao desenvolvimento sustentável não saíram do papel, ou não ultrapassaram a dimensão piloto.
A Agência Brasileira de Cooperação estima que mais da metade dos recursos oriundos da cooperação bilateral entre o Brasil e os países desenvolvidos estão atualmente concentrados na área ambiental. Da mesma forma, as organizações do terceiro setor que atuam frente às políticas socioambientais, incluídas as ONGs, as instituições de pesquisa e os movimentos sociais, também dependem majoritariamente de recursos externos para financiar suas atividades.
É mais do que justa a cobrança da diplomacia brasileira por apoio mais efetivo da comunidade internacional à política ambiental. Boa parte da produção predatória se dirige a mercados externos e a proteção às florestas, à biodiversidade e ao equilíbrio climático interessa à humanidade como um todo.
Mas a dependência de recursos externos limita a escala dos programas ambientais, fragiliza a liderança brasileira na sua execução e não expressa, nas suas políticas, o grau de prioridade que a população brasileira espera.
Os programas de cooperação são fragmentários e não se integram num planejamento estratégico de política pública. Assim, os indicadores negativos não se revertem, mantendo o Brasil numa posição defensiva diante da opinião pública e da comunidade internacional.
Daí a necessidade de fortalecer as políticas socioambientais num contexto de retomada de crescimento econômico, conforme pretendem todos os candidatos à Presidência. Assim, propomos o seguinte:
1) Que o governo e demais instâncias do poder público assumam a responsabilidade pela execução e o financiamento das políticas públicas socioambientais, criando, entre outros, instrumentos tributários, que garantam mecanismos de incentivo econômico à conservação e ao uso sustentável dos recursos naturais, e a justa repartição dos benefícios decorrentes de sua utilização.
2) Que as oportunidades de recursos oriundos da cooperação internacional sejam consideradas pelo governo como oportunidades de financiamento de caráter complementar.
3) Que os ministérios responsáveis pelas demandas socioambientais, como Meio Ambiente, Ciência e Tecnologia, Desenvolvimento Agrário e Integração Nacional, estruturem um conjunto de programas próprios, que abranjam todo o espectro de suas competências frente a estas demandas e sejam considerados prioritários no âmbito do Plano Plurianual (PPA).
4) Que o Ministério do Planejamento promova o aumento gradativo das contrapartidas nacionais nos programas de cooperação para a área ambiental, e seus custos de coordenação, monitoramento, articulação interinstitucional e participação da sociedade civil sejam assumidos pelo Orçamento.
5) Que os referidos ministérios constituam fundos públicos e reformulem os existentes, em especial o FNMA vinculado à pasta do Meio Ambiente, dotando-os de regras transparentes e competitivas de acesso para o financiamento institucional e de projetos executados pelo terceiro setor.
6) Que instituições públicas de fomento, como BNDES e Banco do Brasil, e de desenvolvimento regional, como a Agências para o Desenvolvimento da Amazônia e a do Nordeste, incorporem critérios ambientais consistentes para seus projetos e estruturem linhas de crédito específicas para produção e negócios sustentáveis.
7) Que o Planejamento formule uma macroestratégia de planejamento ambiental, em que se insiram os planos de desenvolvimento regional e os grandes projetos de infra-estrutura, de modo que o respeito ao meio ambiente e aos direitos das populações afetadas não se limite à lógica da mitigação de impactos locais.
8) Que os referidos programas e fundos sejam geridos de forma transparente, sujeitos ao controle da sociedade civil organizada, através de instâncias interinstitucionais que tenham participação direta e orgânica das organizações e redes que a constituem.
9) Que o governo federal estimule as agências de cooperação internacional que atuam no Brasil a também se organizarem em redes, de modo a otimizar o caráter estratégico dos seus investimentos no País.
10) Que o governo promova a articulação interinstitucional entre os ministérios e órgãos federais com competências relativas às demandas socioambientais, inclusive através de programas interministeriais.
11) Que o Ministério das Relações Exteriores reveja sua postura tradicionalmente defensiva em relação às questões socioambientais, e abra espaço para a expressão das posições da sociedade civil organizada nos foros internacionais.

Os autores são diretores do Instituto Socioambiental. (isa@socioambiental.org)

OESP, 04/10/2002, Eleições, p. H3

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