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O novo desafio socioambiental

GM, Opiniao, p.A3
Autor: MANZANO, Nivaldo
28 de Abr de 2004

O novo desafio socioambiental
A entrada da norte-americana Wal-Mart no mercado europeu encerra lições para a governança corporativa do exportador brasileiro. Ao se inteirar da notícia, um gerente de compras de uma das maiores cadeias de supermercados britânicos comentou: "Se intentarmos competir com o Wal-Mart em preço, vamos perder". Em vez de competir em preço, alguns supermercados britânicos optaram pela competição em responsabilidade social e ambiental. A tendência espraia-se pela União Européia como diferencial competitivo e tem como diretriz o green paper da UE sobre responsabilidade social. É nessa opção - das novas práticas socioambientais de importadores europeus - que se instala um novo desafio para o negócio brasileiro de exportação. O que está em questão é uma nova visão do processo de agregação de valor. Um estudo da Association of British Insurers (2002) observa que o consumidor, tanto quanto saber da utilidade competitiva oferecida pelo produto, está interessado em saber o que o produto agrega em termos de qualidade de vida. Isso é dizer que do ponto de vista financeiro o valor patrimonial dos ativos tangíveis representa atualmente uma parcela menor e decrescente do valor patrimonial total, que inclui também os ativos intangíveis. É sabido que um número crescente de consumidores dispõe-se, por exemplo, a pagar mais por um café produzido de modo ambientalmente correto e socialmente justo. E a rede do "comércio" justo, ou solidário (fair trade), cresce nos mercados desenvolvidos a uma velocidade muito maior do que a média de crescimento desses mercados - aproximadamente de 35% ao ano. A percepção do valor crescente atribuído pelos mercados aos ativos intangíveis não escapa às instituições financeiras e companhias de seguros, que desde o final dos anos 90 passaram a incorporar em sua análise de risco de crédito a dimensão do risco socioambiental. Na realidade, essa percepção está associada virtualmente à expectativa de todos os públicos de interesse - consumidores, clientes, fornecedores, investidores, governos, comunidade, ONGs, comunidade científica e gerações futuras. É dizer que a noção de risco mudou. Observe-se que o varejo britânico chamou à mesa os fornecedores para negociar a adoção de processos e padrões de sustentabilidade, que estão além dos requisitos da conformidade legal e das certificações voluntárias, ao incluir, por exemplo, o bem-estar animal e o desempenho social e ambiental. Em contraste, a cultura empresarial brasileira, de modo geral, ainda não incorporou de fato a sustentabilidade como ativo intangível; é com freqüência reativa ou conservadora quanto à conformidade legal e está longe de ter universalizado a adoção das certificações voluntárias. Um sinal de alerta para o agronegócio brasileiro exportador, em especial, é a importância que o ambiente empresarial europeu vem atribuindo à adoção, em 1999, do Euro Retailer Produce Working Group (Eurep), que estipulou um conjunto de recomendações para a Good Agriculture Practice (GAP). O protocolo GAP tende a se converter no padrão da indústria seguradora para o setor. Entre outras exigências, o protocolo GAP estabelece normas voluntárias de adesão sobre a saúde e o bem-estar do trabalhador rural, sobre a vida silvestre e sobre a conservação dos recursos naturais. A expectativa dos públicos de interesse, em geral, é que as normas e as práticas estabelecidas no GAP se universalizem. O que se pretende com o GAP é uma melhoria na gestão socioambiental dos negócios em escala global. O GAP, porém, não é tudo. Para algumas redes de supermercados europeus, a adequação aos padrões do Eurep não é suficiente. Algumas delas estão buscando obter vantagens competitivas de desempenho socioambiental ainda mais exigente. Assim, por exemplo, a Tesco inclui entre suas exigências junto ao fornecedor a adesão a programas de redução no uso de agroquímicos, energia e água. Da mesma forma, a Sainsburys também se decidiu por uma estratégia de fortalecimento da imagem mediante associação a exigências de desempenho socioambiental, para além das certificações voluntárias e da conformidade legal. A marca Sainsburys deve atestar que as espécies e os seus habitats não se encontram ameaçados. A empresa exige de seus fornecedores implementação de programas locais de conservação da biodiversidade. E a rede Waitrose investe no lançamento de um selo que oriente o consumidor a distinguir entre um alimento produzido de modo sustentável e outro, de modo convencional. Todas essas iniciativas assentam no pressuposto de que o desempenho socioambiental, para além das certificações voluntárias e da conformidade legal, traz consigo o condão de criar vantagem competitiva ante a expectativa de crescimento acelerado do número de consumidores interessados em comprar produtos de cadeias sustentáveis.
kicker: A rede do "comércio" justo, ou solidário (fair trade), cresce nos mercados desenvolvidos

GM, 28/04/2004, p. A3 (Nivaldo Manzano - Consultor da Cema Socioambiental. )

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