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O novo combustível da agricultura

OESP, Economia, p. B7
19 de Nov de 2006

O novo combustível da agricultura
Biodiesel mobiliza pequenos e grandes produtores do País, todos de olho num negócio que vai girar bilhões de reais

Agnaldo Brito

O pequeno agricultor Edilson Ivo dos Santos, o Branco, está ansioso. Não vê a hora de receber um punhado de semente de pinhão manso. 'Guardou' 2,5 hectares do lote em que vive no Projeto de Assentamento Rio Branco, em Nova Olímpia, na Região do Alto Paraguai, norte de Mato Grosso para plantá-lo. Quer semear a área já preparada com uma planta que 'dizem'ser muito boa para biodiesel.

Branco e seus colegas só pensam no evento mais importante do ano naquelas bandas, que ocorre na próxima terça-feira. O presidente Lula prometeu ir a Barra do Bugres, a 40 quilômetros de Nova Olímpia, para ligar uma fábrica. Vai inaugurar a nova unidade de produção de biodiesel do interior do Brasil. Há muitas prometidas, 48 espalhadas pelo País. Juntas, terão condições de produzir 1,9 bilhão de litros de 'combustível verde'. Por ora, 12 já vingaram.

Um complexo novinho em folha, esse de Barra do Bugres, vai transformar óleo de qualquer coisa no novo combustível, já eleito pela agricultura brasileira como o negócio que trará um quinhão da dinheirama que roda no círculo petrolífero para a agricultura do pequeno e do grande produtor rural.

Branco gostaria de encontrar o presidente. 'Se tivesse a chance, iria pedir financiamento para plantar 5 hectares.' Os assentados da região devem receber cerca de três toneladas de sementes de pinhão manso nos próximos dias. Iniciativa da Barralcool, empresa que investiu R$ 27 milhões na construção da unidade, cuja capacidade alcança 57 milhões de litros de biodiesel por ano.

A empresa vendeu 16 milhões dos 840 milhões de litros de biodiesel comprado pela Petrobrás nos quatro leilões realizados pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) neste ano. A condição para entrar nos leilões era incluir a agricultura familiar no negócio. No Centro-Oeste, a Barralcool teve de obter um Selo Social que atesta a compra de 10% da matéria-prima da agricultura familiar. Por isso, a empresa corre. 'Meu sonho é ter de 1,5 mil a 2 mil famílias envolvidas na produção de matéria-prima para produção de biodiesel. Se puder ter mais que os 10% exigido pelo programa, vou ter', diz João Nicolau Petroni, diretor-presidente da Barralcool, o homem que trará o presidente a Barra do Bugres.

Mas o esforço de envolver a agricultura familiar - 150 mil famílias, segundo objetivo do Ministério do Desenvolvimento Agrário - não parece tarefa simples. Pedro Carlos Boudny, dono de um lote no Projeto de Assentamento Riozinho, também em Nova Olímpia, anda animado com a idéia. Na área de 32,5 hectares, Boudny separou um hectare para plantar combustível. Mas os dedos rudes das mãos castigadas pela lida da roça não semearão um centímetro de terra sem um contrato bem explicado. Boudny aguarda para saber se a fábrica de biodiesel do município vizinho garantirá o que promete: comprar a produção.

'Conheço pinhão manso há muito tempo, mas sempre achei que a semente servia para matar verme de porco. Nunca pensei que isso servia para fazer gasolina e movimentar um motor de carro', conta. Boudny espera que a nova utilidade do 'remédio de porco' lhe garanta renda além dos R$ 400 por mês angaria com o lote.

O ABC do Biodiesel

O que é: biocombustível feito a partir de óleo vegetal, será usado obrigatoriamente como aditivo ao diesel de petróleo no Brasil a partir de 2008

Do que é feito: o biodiesel pode ser feito de qualquer óleo vegetal. No Brasil, as novas indústrias produzem o combustível a partir dos óleos de mamona, dendê, soja, pinhão manso e até de sebo de boi

Vantagens: é um combustível renovável, da mesma forma que é o álcool, hoje largamente usado no Brasil

Por que usar: é uma alternativa para reduzir o consumo de combustíveis fósseis, recursos finitos e responsáveis em parte pelo efeito estufa

Uso no Brasil: o biodiesel será usado como aditivo na proporção de 2% ao diesel consumido em todo o País a partir de 2008. Em 2013, a mistura sobe para 5%

Produção: demanda por biodiesel pode superar 3 bilhões de litros em 2013. O setor privado promete criar capacidade para produzir 1,9 bilhão de litros nos próximos anos

Vínculo social: ao contrário da Europa e dos EUA, o biodiesel no Brasil está atrelado a metas sociais. Na Europa, a ênfase é ambiental; nos EUA, econômica

O que se pretende: o Programa Nacional de Biodiesel pretende transformar 150 mil famílias de pequenos agricultores em fornecedores de matéria-prima para a indústria nascente

Quase tudo pode virar biodiesel: o biodiesel é um combustível como o diesel de petróleo. Mas, ao contrário do derivado de petróleo, pode surgir de muita coisa: óleo de pinhão manso, de soja, dendê, mamona ou nabo forrageiro e até mesmo sebo de boi. Palma também serve. Boa parte do
nascente parque produtor transforma óleo de qualquer desses produtos em biocombustível

Apoio técnico aos pequenos está atrasado, diz Embrapa

A disposição dos agricultores familiares do País em ocupar o espaço criado pelo governo no Programa Nacional do Biodiesel corre o risco de ser frustrada. Os financiamentos para plantio existem, mas apenas para culturas pesquisadas e testadas, como o dendê, no Norte e a mamona, no Nordeste. Os bancos não querem bancar safras de matéria-prima cujo potencial ainda é desconhecido, como o pinhão manso.

Assim, obrigar o recém-nascido parque produtor de biodiesel a comprar porcentagens da matéria-prima do pequeno lavrador do interior do Brasil já se constitui no maior problema para a indústria processadora de óleo. 'Não é tarefa fácil organizar e atrelar uma legião de pequenos produtores a uma cadeia de suprimento, quando há escassez de tudo', diz Sílvio Rangel, gerente da divisão de Biodiesel da Barralcool.

O desafio brasileiro não é pequeno na organização da cadeia produtiva do biodiesel, principalmente diante do desafio de não permitir que esse novo negócio vire o que é hoje a cadeia sucroalcooleira, de sucesso inegável, mas que exclui por completo a pequena propriedade rural.

A agricultura familiar carece neste momento de suporte técnico, de uma estrutura capaz de transferir com eficácia a tecnologia genética e de técnicas de plantio e manejo para todos os cantos do País. 'Estamos muito aquém disso', admite José Roberto Rodrigues Peres, gerente-geral da Embrapa Transferência de Tecnologia. Peres representa a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no comitê gestor do programa de biodiesel.

A própria Embrapa ainda monta o Centro Nacional de Agroenergia e articula com as unidades espalhadas pelo País, voltadas à pesquisa de oleaginosas - soja, dendê e mamona, entre outras - a incluir no foco de investigações os potenciais de cada matéria-prima. A pesquisa ou a extensão rural (braço técnico responsável por levar à pequena propriedade os avanços tecnológicos da ciência agrícola) ainda estão aquém da demanda.

Situação que, segundo Peres, leva ao atropelo. É o caso da região do Alto Paraguai, em Mato Grosso, que elegeu por conta e risco uma matéria-prima. 'Não há pesquisa suficiente sobre pinhão manso no Brasil. Pode dar certo, mas pode dar errado', avisa.

OESP, 19/11/2006, Economia, p. B7

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