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O nascimento de um gigante

CB, Ciência, p. 30
22 de Mar de 2010

O nascimento de um gigante
Estudo realizado pela Petrobras em parceria com a Universidade de Amsterdã consegue recriar a história do Amazonas

O maior rio do mundo tem 11 milhões de anos. Essa é a conclusão de uma pesquisa inédita, feita por cientistas da Petrobras e da Universidade de Amsterdã, que conseguiu recuperar boa parte da história do Amazonas. Os pesquisadores desvendaram como o curso de água com quase 7 mil quilômetros de extensão começou a se formar. Mais do que ser uma certidão de nascimento desse gigante, a pesquisa pode ajudar a entender o surgimento da imensa biodiversidade da região e prever o futuro do clima em todo o planeta.

De acordo com o geólogo da Petrobras Jorge Picanço, a pesquisa se baseou em nanofósseis depositados no fundo do mar, próximo à foz do Amazonas. "Nas escavações para obtenção de petróleo, foram recolhidas amostras de fósseis de fauna e flora depositadas a profundidades entre 4 mil e 5 mil metros. Foi a análise da idade e da origem desses fósseis que permitiu determinarmos quando, como e por que o rio se formou", explica o pesquisador.

Segundo a pesquisa, há 23 milhões de anos existiam dois sistemas separados. Um ocupava a porção ocidental da atual bacia (veja infografia). Tratava-se de um sistema de lagos e alagados, semelhante ao Pantanal, que durante alguns períodos do ano se comunicava com o mar do Caribe, na região onde hoje é a Venezuela. O outro, que se localizava na parte leste do estado do Amazonas e no Pará, era mais parecido com o atual. Naquela região, existia um rio que desaguava no oceano, em um local próximo ao da foz atual do Amazonas. Os pesquisadores o chamaram de Protorrio.

A união dos dois sistemas só ocorreu por volta de 11 milhões de anos atrás, no Período Mioceno. O surgimento da Cordilheira dos Andes elevou o solo da região, fazendo com que a área alagada se deslocasse para o leste. Enquanto isso, o aumento das calotas polares fez o nível do mar diminuir. "Com isso, o Protorrio se tornou mais conciso: ficou profundo, mas também mais estreito", descreve Picanço. Como consequência dessa mudança, ocorreu o seu deslocamento para o oeste, ocasionando o nascimento do imenso rio transcontinental e alterando decisivamente o clima, a flora e a fauna da região.

Entretanto, depois de surgir, o Amazonas ainda passou por transformações que duraram outros 8,5 milhões de anos até chegar ao seu formato atual. Eventos tectônicos nos Andes fizeram a água tomar o curso que tem hoje. O evento teve consequências para toda a biodiversidade da região. "Animais como as arraias e os golfinhos, que vinham do mar pelo canal que havia na região da Venezuela, ficaram presos no rio e acabaram tendo de se adaptar, dando origem a espécies como o peixe-boi e os botos", explica Picanço.

"Já as espécies terrestres foram as que mais sofreram, pois uma grande faixa de terra entre os dois sistemas foi inundada. Por isso, ocorrem casos como o do macaco guariba, em que as variedades preta e vermelha ocorrem em lados distintos do rio", completa o pesquisador.

Futuro
Segundo o professor do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Cavalcanti, a compreensão da origem geológica do Amazonas pode ajudar a entender a formação da biodiversidade na região, como também projetar cenários futuros para o clima e a vida na Terra. "A base de funcionamento dos biomas são os ciclos biogeoquímicos, como o ciclo da água. Conhecer os processos de transformação que esses ciclos passaram e seus reflexos na natureza pode nos ajudar a projetar que tipo de cenários podemos esperar para o futuro", comenta.

Cavalcanti conta ainda que a influência do rio vai muito além de sua bacia no Norte do país. "Com sua formação, áreas de savana da Amazônia foram desconectadas do cerrado. Isso ocorre, por exemplo, com a savana do Amapá, que possui espécies de pássaros que, apesar de diferentes das encontradas no Centro-Oeste, tem origens biológicas em comum. Isso sugere que, um dia, essas áreas foram ligadas e que as mudanças no clima as isolaram", explica.

Para o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) Alexandre Kemenes, estudar a origem e o comportamento do rio é importante para compreender o funcionamento de todo o bioma amazônico. "A floresta mantém uma relação de interdependência com o rio. Ela é responsável pela reposição da água, enquanto ele regula o clima e serve como um corredor para que a precipitação vinda do Atlântico chegue ao interior da floresta", comenta.

Ele lembra que a sua importância vai além de seus limites. "O clima de toda a América do Sul está diretamente ligado ao da Amazônia, que é responsável pela captação da umidade do oceano e sua distribuição para todo o continente", afirma Kemenes. "Assim, qualquer iniciativa que contribua para a preservação da floresta ajuda a evitar transtornos como o excesso de chuvas em São Paulo, que ocorre porque parte da chuva da Amazônia, devido ao desmatamento, é desviada para outras regiões", conclui.

CB, 21/03/2010, Ciência, p. 30

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