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O mundo anda mais rápido fora de Le Bourget

Valor Econômico, Opinião, p. A12
Autor: KAHN, Suzana
11 de Dez de 2015

O mundo anda mais rápido fora de Le Bourget
Não há opção a não ser avançar na mudança de trajetória. O processo formal da CoP se torna importante facilitador

Suzana Kahn

Ações que seguem em direção do desenvolvimento sustentável e do combate aos impactos do aquecimento global são desafios que não podem ser tratados separadamente e nem tampouco a solução é de exclusividade dos governos nacionais. Fomentar uma transformação para um futuro de baixo carbono requer um esforço coletivo envolvendo múltiplos atores.
Os atores que atuam fora do palco de Le Bourget, local onde é realizada a CoP-21, talvez por possuírem maior liberdade para desempenhar seus papéis, têm acelerado a mudança para outro padrão de desenvolvimento com menor emissão de gases de efeito estufa.
Prefeitos de centenas de cidades ao redor do mundo se reuniram na prefeitura de Paris na primeira semana da CoP-21, onde acordaram uma série de medidas para tornarem suas cidades mais adaptadas às mudanças climáticas e menos intensivas em emissões de gases de efeito estufa. Eles ressaltaram, inclusive, os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) lançados recentemente pelas Nações Unidas em outubro de 2015, onde o objetivo número 11 menciona que as cidades devem se tornar inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis. O acordo entre prefeitos foi sacramentado fora de Le Bourget.
Arranjos bilaterais estão em curso, como no caso, por exemplo, da Província de Quebec, no Canadá, que criou um fundo para apoio aos países africanos de língua francesa. Inúmeros projetos de mitigação e adaptação estão sendo implementados nos países africanos com estes recursos. Fundos específicos para florestas, como Fundo Amazônia, são mais facilmente criados. Acordos entre EUA e China têm mais chances de prosperar do que um acordo multilateral, uma vez que foram desenhados para beneficiar os dois países. Estas negociações não passam pela agenda de negociação oficial de Le Bourget.
O setor financeiro já vislumbra alternativas em uma economia de baixo carbono. Existem recursos para financiar a transição para uma nova economia, porém, não se tem ainda mecanismos adequados para isso. Inúmeras discussões em Paris seguiram nessa direção. Mecanismos para estimular e financiar a transição deverão ser encontrados, seja por meio de regulamentações, de mercados, taxações e/ou incentivos.
O primeiro passo já foi dado na medida em que houve o reconhecimento formal do valor da mitigação de emissão de carbono. A partir disso, já é viável se pensar em medidas de precificação do carbono. Porém, a estruturação de um ambiente seguro para esta visão onde o carbono passa a ter um valor econômico, ambiental e social precisa ser montada. Grandes investidores, fundos de pensão e bancos estão juntos e bem atentos às novas oportunidades. Todos presentes do lado de fora de Le Bourget.
O setor empresarial, acuado pelo receio de ver seus negócios naufragarem, se mobilizou para identificar novas oportunidades de lucrar, de se aproximar de seus consumidores, de melhorar sua reputação e atrelarem sua imagem a uma ideia de futuro. Muitas empresas já colocam a "pegada" de carbono em sua cadeia de valor. O evento da Aliança Solar estava lotado, nunca se teve tanto investimento e empresas interessadas em energia renovável, seja na produção, na comercialização ou no uso deste tipo de energia em seus processos produtivos. Não foram poucos os empresários que faziam discursos muito similares aos das Ongs ambientalistas, que no passado dominavam este tipo de narrativa. Todos ao redor de Le Bourget.
A área científica também busca se unir por meio da criação de um consórcio de centros de pesquisa e universidades ao redor do mundo, para dar apoio científico na implementação das ações de redução de vulnerabilidades ambientais e mitigação de gases de efeito estufa. Assim, além da fundamental participação de cientistas no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), o meio científico pode e deve contribuir na construção e monitoramento de planos de ação.
As universidades e centros de pesquisa não só reúnem todas as competências necessárias para construir um caminho de baixo carbono, como também têm dever de identificar, questionar e analisar criticamente as opções a serem trilhadas.
Os ambientes acadêmico e de pesquisa têm como assumir um papel de mais destaque nesta mudança de trajetória de desenvolvimento, que exigirá tanto novas tecnologias e processos como novas práticas e hábitos individuais. A ciência apoia, mas não é parte das negociações realizadas em Le Bourget.
A união formada do lado de fora de Le Bourget acelera, portanto, o entendimento de que não há outra opção para o mundo a não ser avançar no sentido da mudança de trajetória. Assim, o processo formal da Convenção Quadro de Mudança Climática, ou Convenção das Partes (CoP), se torna um importante facilitador deste caminho. No entanto, desta vez, não mais o único meio de colocar o mundo no trilho dos 2 graus de limite máximo de temperatura no fim deste século.
Uma vez que todos os segmentos da sociedade se convenceram que têm muito a ganhar neste processo rumo a uma economia de baixo carbono, e muito a perder se nada for feito, a Convenção das Partes assume seu papel de enquadramento das ações dos países em termos dos futuros compromissos climáticos.
A boa notícia da CoP -21 é que todos, dentro e fora de Le Bourget, estão participando do futuro.

Suzana Kahn é coordenadora executiva do Fundo Verde da UFRJ e presidente do Comitê Científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas.

Valor Econômico, 11/12/2015, Opinião, p. A12

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