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O mistério do clima

CB, Ciência, p. 40
19 de Set de 2009

O mistério do clima
Especialistas dizem que a ocorrência de fenômenos inesperados, como a sequência de tornados na Região Sul e as chuvas fora de época, pode ter relação com o efeito estufa

Silvia Pacheco
Especial para o Correio

Chuvas intensas e fora de época, enchentes no Nordeste, períodos de grande estiagem e tornados frequentes no Sul. Nas últimas semanas, eventos climáticos como esses ganharam espaço na mídia e nas rodas de conversa. Afinal, é difícil se acostumar com precipitações intensas no Centro-Oeste e no Sudeste em pleno inverno. Sem falar nos tornados castigando o Sul do país, que causaram a morte, no último dia 7, de quatro pessoas em Santa Catarina e de 10 na província argentina de Misiones. A estranheza é geral. Para os especialistas, as mudanças climáticas estão em curso e suas causas têm relação, em grande parte, com o efeito estufa, provocado pela emissão de gases poluentes.
Em outras palavras, os estudiosos de climatologia dizem que as transformações são provocadas tanto por causas naturais como pela ação do homem. A dificuldade é definir o grau de influência de cada fator, e isso se deve à escala de tempo considerada nas análises. "Se observarmos os registros de reconstrução das temperaturas na Terra em uma perspectiva de longo prazo, que são centenas de milhares de anos, há evidências de que estamos vivendo um lento processo de resfriamento. Por outro lado, se observarmos os registros numa escala de tempo de décadas, há evidências de um rápido processo de aquecimento, que simplesmente reverte a tendência natural do processo anterior", explica o geólogo Saulo Rodrigues, doutor em mudanças climáticas pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha, e coordenador do programa de pós-graduação em desenvolvimento sustentável da Universidade de Brasília (UnB).
Segundo os pesquisadores, não se pode afirmar que a seca no oeste de Santa Catarina e no Rio Grande do Sul ou a chuva em excesso no Sudeste são consequências diretas do aquecimento global, pois podem fazer parte de uma variabilidade climática natural. "O que se deve considerar é o conjunto dos fenômenos extremos que estão ocorrendo. Por exemplo, recentemente ocorreram três tornados em Santa Catarina e dois no Rio Grande do Sul, quase simultaneamente, o que não é normal. Há 10 anos, esses eventos poderiam ser considerados uma anormalidade. Hoje, como eles têm ocorrido com mais frequência, podemos associá-los ao aquecimento, mas não garantir esse dado. Apenas quando reunimos todas as ocorrências de eventos extremos, observamos se eles são simultâneos ou não, podemos ter certeza de que se deve ao aquecimento global", explica Hilton Silveira Pinto, pesquisador em meteorologia e climatologia aplicadas à agricultura da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Enchentes
É certo para os cientistas, porém, que o efeito estufa já está afetando os sistemas físicos (clima, recursos hídricos) e biológicos (ecossistemas, saúde humana, cidades etc.) do planeta. A afirmação consta no quarto relatório do Painel Intergovernamental para Mudança Climática da ONU (IPCC, na sigla em inglês), de 2007. "Os sistemas naturais são vulneráveis às mudanças climáticas, e alguns serão prejudicados irreversivelmente", afirma Rodrigues.
No Brasil, os efeitos já podem ser sentidos. Um exemplo é a ocorrência de eventos extremos, como as inundações ocorridas no ano passado em Santa Catarina e as enchentes que afetaram dezenas de municípios nas regiões Norte e Nordeste no primeiro semestre deste ano. Em contraste, estiagens atípicas atingiram o Sul do país, comprometendo as safras. "A questão da mudança do clima deve considerar a vulnerabilidade a que os biomas globais estão expostos, face aos impactos decorrentes da mudança do clima, e a consequente necessidade de se definir estratégias de adaptação a esses impactos", comenta Rodrigues.
Para análises desse tipo, modelos agroclimáticos estão sendo desenvolvidos por instituições como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Unicamp. Esses estudos fornecem importantes indicações de impactos em diversas culturas agrícolas ocasionados pelo aumento da temperatura média no Brasil e por variações no regime de chuvas.
Os modelos permitem identificar as regiões mais vulneráveis para determinados cultivos e elaborar planos de adaptação, como a diversificação de culturas agrícolas.
Segundo Silveira Pinto, as adaptações na agricultura deverão ser feitas por meio do melhoramento genético, principalmente dos grãos. "A ideia é melhorar as variedades que temos hoje, para que elas fiquem tolerantes ao aumento de temperatura e das secas", explica. "Talvez tenhamos de mudar a geografia de produção, o que traz um custo associado de infraestrutura, de armazenagem, de estradas, de especialização dos agricultores", avisa.
Doenças
A variabilidade climática também afeta o quadro de incidências de doenças. Segundo o doutor Ulisses Comfalonieri, do Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz em Minas Gerais, o quadro de distribuição de doenças pode mudar, dependendo da combinação entre temperatura e umidade. "Diferentemente do que muita gente acha, não haverá ocorrência de novas doenças, mas sim a proliferação e contágio das já existentes", afirma.
Um exemplo disso pode ser a dengue. Comfalonieri explica que hoje a doença não é problema no Sul do país porque o mosquito transmissor, o Aedes aegypti, não sobrevive ao frio do inverno. "Contudo, se o inverno se tornar mais brando, a dengue poderá se tornar um problema para a região", diz.
As alterações no clima podem afetar vastos setores das populações de menor renda, como os habitantes do Semiárido nordestino. A área poderia, num clima mais quente no futuro, transformar-se em região árida, afetando a agricultura de subsistência regional, a disponibilidade de água e a saúde, obrigando as populações a migrarem. "Isso geraria ondas de refugiados do clima para as grandes cidades da região ou para outras regiões, aumentando os problemas sociais já presentes nas metrópoles", aponta o geólogo Saulo Rodrigues.
De todo modo, já é esperado uma intensificação gradativa dos desastres naturais relacionados ao clima e suas consequências. Isso exige medidas preventivas capazes de atenuar esses desastres. A saída proposta pela ciência é trabalhar para traçar cenários e ganhar tempo para estabelecer medidas de adaptação e de mitigação.

Brasil ameaçado

Veja algumas das consequências que o aumento da temperatura global pode trazer para o Brasil nas próximas décadas.

Agricultura
A "aridização" do Nordeste e a savanização da Floresta Amazônica são previstas como consequncias do aumento do clima seco e quente no Norte e Nordeste do país, que deve ocorrer gradativamente ao longo das próximas décadas. Sinais claros desse processo podem ser sentidos já a partir de 2020.

Chuvas
O percentual das chuvas deverá ficar constante, mas a intensidade delas será maior. Haverá mais temporais, afetando o comportamento agrícola do país.

Grandes cidades
Deve-se esperar uma intensificação gradativa dos desastres naturais relacionados ao clima, como as inundações e deslizamentos de encostas. Com o aumento de temporais, as cidades sofrerão mais com alagamentos. Uma das soluções é planejar o crescimento e adotar medidas como a impermeabilização e a desocupação de áreas de risco.

Saúde
Pode ocorrer o aumento de pessoas com doenças respiratórias nos grandes centros urbanos, por conta do acúmulo dos gases poluentes, especialmente do ozônio. Deve haver ainda mudança no quadro de distribuição das doenças tropicais e surtos de leptospirose por conta de enchentes.

Socioeconômica
O agravamento da seca em algumas regiões pode levar a uma situação de insegurança alimentar. Haverá também o problema de aumento na migração da zona rural para urbana, o que pode potencializar os problemas de segurança social e a falência dos serviços sociais.

Fontes: Hilton Silveira Pinto, Saulo Rodrigues e Ulisses Comfalonieri

CB, 19/09/2009, Ciência, p. 40

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