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O ministro cético e seu dogma pétreo

Valor Econômico, Brasil, p. A2
Autor: CHIARETTI, Daniela
06 de Jan de 2015

O ministro cético e seu dogma pétreo
País está emitindo mensagens ambíguas em uma hora crítica

Por Daniela Chiaretti

2015 é o ano do clima. O que se espera é que na metade de dezembro, tudo correndo bem, os governos de quase 200 países se acertem em um acordo global que previna e reduza os piores cenários da mudança climática. O quanto esse tratado será forte, como garantirá que o aquecimento não ultrapasse 2oC nas próximas décadas e de que modo serão divididos os custos e sacrifícios entre as nações é algo que só se saberá quando terminar a conferência das Nações Unidas de Paris, a COP-21, às vésperas do Natal.
Ninguém tem ilusões que o acordo salvará o planeta, mas é importante que não seja frouxo. O Brasil, que faz parte do clube dos países que mais emitem gases-estufa e costuma ser protagonista nessas negociações, está, contudo, emitindo mensagens ambíguas em hora crítica. O problema não se verifica tanto nos fóruns internacionais, mas em como a questão é internalizada no governo Dilma Rousseff - e a julgar pelos primeiros movimentos nesse segundo mandato, o presságio é ruim.
No discurso de posse, na semana passada, a presidente fez menção anódina à participação do Brasil no acordo climático, senão conservadora. "A partir deste ano, nos engajaremos fortemente nas negociações climáticas internacionais para que nossos interesses sejam contemplados no processo de estabelecimento dos parâmetros globais de redução de emissões." Todos olham para o próprio umbigo nesse debate global, mas os grandes líderes têm falado sobre o maior desafio contemporâneo da humanidade de forma menos burocrática e mais propositiva.
Os presidentes Barack Obama e Xi Jinping anunciaram com estardalhaço, há poucos meses, um acordo bilateral que fez andar a roda do acordo global. Obama, a despeito do Congresso republicano alérgico a esse papo, colocou a mudança climática no topo de sua agenda e discursos. A presidente Dilma, por seu turno, inaugurou o segundo mandato lembrando glórias do passado e sem lançar nenhuma ideia estimulante para o futuro.
Dilma disse que nos quatro anos de sua gestão o país registrou as quatro menores taxas de desmatamento da Amazônia - o que é verdade, mas parece ser um castelo de cartas prestes a desabar com os indícios de alta dos últimos meses. A matriz energética fica mais suja com a entrada de térmicas a óleo e a carvão, não há grande entusiasmo com energia solar e praticamente nenhum estímulo a autogeração e eficiência energética.
A redução da alíquota de IPI para carros, recém-encerrada, demonstrou sensibilidade zero no quesito emissões urbanas. A política de preços de combustíveis enterrou o etanol, a opção mais limpa. E alguém se lembra daquela conversa de salvar o planeta com biodiesel de mamona e dendê?
Mas a mais desalentadora mensagem de Dilma no tópico mudança do clima veio com a escolha do ministro da Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo. É notório o ceticismo do político do PC do B e ex-ministro dos Esportes ao fato de o aquecimento da temperatura ser agravado pelas emissões de gases-estufa antrópicas, ou seja, provocadas por atividades humanas.
Em 2010, em meio aos debates do Código Florestal, Rebelo envolveu-se em polêmica com o sócio-fundador do Instituto Socioambiental, Marcio Santili. O então deputado respondeu às críticas do indigenista na carta que batizou de "A Trapaça Ambiental". Afirmou que a "teoria do aquecimento global" seria uma "doutrina de fé incompatível com o conhecimento contemporâneo" e seguiu dizendo que "não há comprovação científica das projeções do aquecimento global, e muito menos de que ele estaria ocorrendo por ação do homem e não por causa de fenômenos da natureza."
Os relatórios do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima da ONU, são um resumo meticuloso de todo o conhecimento científico de milhares de pesquisadores (inclusive vários brasileiros) e dizem o contrário há anos e em todas as línguas das Nações Unidas.
"O que nos resta de esperança de avançar rumo ao desenvolvimento sustentável com um ministro que acha que inovação tecnológica desemprega e que mudança climática é uma tentativa de manter os países pobres sem conseguir se desenvolver?", questiona Suzana Kahn, vice-presidente do IPCC e professora da COPPE-UFRJ.
Rebelo foi além em seu sarcasmo ao aquecimento global antrópico - um "dogma pétreo" e um "cientificismo" que "tem por trás o controle dos padrões de consumo dos países pobres". Ele poderia pensar o que quisesse, se não fosse ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação e um dos responsáveis por conduzir, urgentemente, o Brasil a uma economia mais moderna, limpa, de baixo carbono e condizente com o século XXI.
O MCTI é ministério-chave na política climática brasileira. Todo dado oficial sobre emissões de gases-estufa do país parte daí. Carlos Nobre, referência mundial em estudos de mudança do clima, está no ministério desde 2011 trabalhando em estratégias de mitigação e adaptação. O MCTI tem sob sua tutela institutos do calibre do Inpe, que monitora o desmatamento com imagens de satélite, do paraense Emilio Goeldi ou do Inpa, de Manaus, entre outros, todos com cientistas excelentes e carentes de estímulos e recursos.
Se há um ponto a favor Rebelo é que suas declarações têm alguns anos e ele pode ter revisto os próprios dogmas pétreos. Na posse, esquivou-se da controvérsia: "A polêmica existe independentemente da minha opinião. Eu acompanho o debate, como é meu dever de homem público".
O governo brasileiro pode ter atitudes esquizofrênicas no tema, mas o Brasil tem, desde 2009, meta de redução de emissões de gases-estufa para 2020, plano e política nacional de mudança do clima. Em 2014, o Itamaraty realizou consulta para recolher as visões da sociedade sobre as posições que o Brasil deve ter no acordo climático. Agora o país tem que debater qual será sua contribuição para combater os efeitos da mudança climática global e submetê-la à ONU, conforme acertado na última reunião, em Lima, há 20 dias.
Há muito o que fazer neste campo nos próximos meses. Como homem público, o ministro Aldo Rebelo deveria atualizar rapidamente suas posições sobre o assunto.

Daniela Chiaretti é repórter especial. O titular da coluna, Antonio Delfim Netto, volta a escrever em 20 de janeiro
E-mail: daniela.chiaretti@valor.com.br

Valor Econômico, 06/01/2015, Brasil, p. A2

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