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O mercado sai à frente de Quioto

GM, Opinião, p. A3
Autor: TACHINARDI, Maria Helena
03 de Dez de 2003

O mercado sai à frente de Quioto

Enquanto representantes governamentais estiverem discutindo critérios sobre projetos de transferência de tecnologia e a questão das florestas - se elas devem ou não entrar no conceito do Protocolo de Quioto - na 9 conferência das partes da Convenção-Quadro sobre Mudanças do Clima, em Milão, até o próximo dia 12, a iniciativa privada mundial revelará que está passos à frente dos governos. Afinal, o Protocolo de Quioto, assinado por 120 países, ainda não está vigente porque precisa ser ratificado por 55 nações que respondam por pelo menos 55% das emissões de gases de efeito-estufa (GHG). Entretanto, a ratificação pela Rússia, que seria suficiente para a entrada em vigor do Protocolo, não deverá acontecer. Ontem, o presidente russo, Vladimir Putin, disse, por meio de seu principal assessor econômico, que o país não ratificará Quioto porque este "impõe limitações significativas ao crescimento econômico da Rússia". Com isso, tendem a ganhar maior relevo iniciativas como a que será anunciada no próximo dia 9, em Milão. O World Economic Forum (WEF), com oito parceiros - BrasilConnects (Brasil), Deloitte Touche Tohmatsu (Reino Unido), International Emissions Trading Association -IETA - (Canadá), World Energy Council (Reino Unido), Pew Center (Estados Unidos), World Business Council for Sustainable Development (Suíça), World Resources Institute (Estados Unidos) e WWF (Estados Unidos) - anunciará um conjunto de companhias globais (perto de mil) que já aderiram ao Global GHG Register - registro que visa dar maior transparência às ações voluntárias de empresas que emitem gases de efeito-estufa e que investem no mercado de seqüestro de carbono. A Lafarge (cimento), que tem filial no Brasil, é uma das grandes globais que participam do registro do WEF, lembra o professor da Universidade de São Paulo (USP) e consultor Jacques Marcovitch, que estará em Milão para a reunião da Convenção do Clima.

Por que as empresas estão tendo cada vez mais interesse em registrar suas emissões de GHG? Porque acionistas minoritários, consumidores e ONGs estão crescentemente interessados na transparência de informações sobre emissões de GHG. Esse público quer saber como as empresas lidam com os riscos das mudanças do clima e como elas se posicionam frente aos regimes que estão emergindo para tratar do tema.

"O que as obriga a isso é uma pauta pragmática, que tem contornos distintos, dependendo da região do mundo onde se está", diz Marcovitch. Nos EUA, por exemplo, onde o governo Bush se retirou de Quioto, que havia sido assinado por Bill Clinton, em 1997, estados como a Califórnia já estão se movimentando, sobretudo as companhias privadas. "As empresas, que estão escaldadas, já sabem que esse é um tema que, apesar de ter perdido prioridade depois de 11 de setembro de 2001 (ataques terroristas ao WTC e ao Pentágono), continua a incomodar os onguistas e acionistas minoritários. Nenhuma empresa pode achar que, porque o assunto não está na mídia, não ressurgirá a qualquer hora. Por exemplo, no verão europeu deste ano. Os debates que houve na TV francesa para discutir o que as empresas e o governo estavam fazendo foi constante, ao ponto de os franceses irem para a Rússia e pedirem pelo amor de Deus para o governo Putin ratificar Quioto", comenta Marcovitch. O fato de o tema não estar na primeira página dos jornais não significa que não esteja preocupando os dirigentes de empresas.

A iniciativa privada está à frente dos governos, mas isso não significa que ela prescinda das ações oficiais. É o que deixa claro o presidente executivo da BrasilConnects, João Carlos Veríssimo, que assinou com o WEF, em setembro, uma parceria no Global GHG Register. "É importante que o governo apóie o Protocolo de Quioto. Esse é o compromisso que ele tem e não deveria indicar nada que seja diferente do Protocolo de Quioto". Segundo Veríssimo, se a iniciativa privada faz projetos equivalentes aos do Protocolo de Quioto e começa a gerar mercado, isso pode até ajudar o governo, em algum momento, a criar um protocolo geral que, lá na frente, tenha as mesmas características do acordo internacional negociado no Japão. "A BrasilConnects, parceira do WEF, pode ser um instrumento correto para o Brasil começar a fazer o seu registro de venda de certificados", pondera Veríssimo.

Ele explica o funcionamento dos mercados em matéria de GHG. "Do lado do mercado vendedor, as empresas que fazem projetos para redução de carbono ficam com crédito e podem vender para alguém que polua. A Aracruz, por exemplo, procura cada um dos compradores individualmente, apresenta o seu projeto e o coloca à venda". Na medida em que se tenha uma organização como o World Economic Forum, que regula ou organiza os dois mercados (o vendedor e o comprador), começa-se a ter, num mesmo registro, compradores e vendedores, com regras claras, diz o presidente da BrasilConnects. Hoje, segundo ele, "há duas grandes linhas de atuação nesses mercados: uma que faz padrões equivalentes aos de Quioto e outra fora desses padrões. A BrasilConnects atua dentro do padrão de Quioto, que é o que a Europa e outros países estão fazendo. Os EUA têm uma metodologia própria, fora de Quioto".

Maria Helena Tachinardi - Jornalista. (mtachinardi@gazetamercantil.com.br))

GM, 03/12/2003, Opinião, p. A3

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