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O maior devastador do Brasil

OESP, Vida, p. A26
18 de Set de 2005

O maior devastador do Brasil
O cearense José Dias Pereira, o Zezinho, responde pela derrubada de 2 milhões de árvores em dois anos, na Terra do Meio, no Pará

Cristina Amorim

"Dos grandes, eu sou pequeno." Em cinco palavras, o cearense José Dias Pereira, o Zezinho, que responde pela maior derrubada de floresta do ano, resume o que significa desmatamento na Amazônia: grupos atuam de forma consistente em uma das regiões mais violentas do País, a Terra do Meio, no Pará, acabando com a mata. Tais grupos possuem um esquema de funcionamento que permite manter a derrubada contínua, a despeito das ações de fiscalização e controle do governo. E se ele, Zezinho, fala que 8.900 hectares - o que equivale a uns 2 milhões de árvores entre 2004 e 2005 - é coisa de "pequeno", ou sua percepção de grandeza é distorcida ou ele é capaz de mentir para um juiz federal.
Os números altos do desmatamento sugerem que Pereira disse, sim, a verdade. Entre 2003 e 2004, cerca de 26 mil quilômetros quadrados (ou 2,6 milhões de hectares) sumiram. O próximo índice, de 2004/2005, indica uma queda, mas nem por isso a área derrubada será pequena e justificável pelos projetos de desenvolvimento sustentável da Amazônia. Tem muita gente cortando muita árvore desnecessariamente por aí.
A frase do Zezinho é parte de um depoimento que prestou na sede da Justiça Federal em Santarém (PA) há dez dias. Declarado analfabeto, com 58 anos, 40 deles gastos na Terra do Meio, para onde foi acompanhando o pai, ele respondeu às perguntas do juiz Fabiano Verli. Além da imprensa e dos advogados, também estava presente sua mulher, Maria, assistente social. Apesar da simplicidade do marido, ela vestia um terno rosa que combinava com o tom de sapatos, óculos escuros de grife e bolsa.
Zezinho olhou pouco para a mulher durante o depoimento. Desde agosto, quando foi preso preventivamente em sua casa, em Ourilândia do Norte (PA), ele é mantido no presídio de Santarém com base em pedido do Ministério Público Federal. O procurador Renato de Rezende Gomes, quem fez a denúncia, espera que a detenção se prolongue até o fim do processo.
CASO EXEMPLAR
Ministério Público e Ibama querem fazer do caso um exemplo de que o governo está afinal de olho nos grandes desmatadores e que eles sofrerão sanções a partir de agora.
A multa prevista pode ser alta - Pereira, por exemplo, recebeu três autos que, somados, ultrapassam R$ 22 milhões -, mas raramente é paga. Até hoje, não houve uma condenação sequer que tenha resultado na prisão do acusado: muitas vezes, o processo termina com o pagamento de cestas básicas ou com a prestação de serviços à comunidade. A penalização branda é um estímulo para novos desmatamentos. "Tudo tem uma primeira vez na vida", diz, crente na Justiça, o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Flávio Montiel da Rocha. "O que ele desmatou é terra devoluta, do Estado do Pará e da União, fruto de grilagem."
A área "limpa", localizada no município de Altamira (PA), ainda pega 1.900 hectares da Estação Ecológica Terra do Meio, unidade de conservação lançada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, em fevereiro deste ano logo depois do assassinato da missionária americana Dorothy Stang, em Anapu (PA). No depoimento, Pereira disse inicialmente que não conhecia o limite da estação. De fato, a área ainda não foi demarcada. Porém, ele depois admitiu que tentou ocupar parte da unidade para obter uma indenização posterior do governo. Primeiro entram as motosserras, conta, depois vem a queimada. Sobraram algumas castanheiras, fadadas a morrer pela ação do fogo e pelo empobrecimento do solo. "Se você tem uma terra, tem de ocupar e derrubar para conseguir o direito de posse, ou outro entra e toma conta."
"Olha a situação que o senhor nos coloca", respondeu o juiz. "Daqui a pouco a gente não terá mais mata, mais nada." Segundo Verli, o desmatamento recorde do ano é resultado da ausência da figura do Estado na região e da falta de recursos dos órgãos competentes para fiscalizar e reprimir a derrubada da floresta. Ainda assim, ele manteve a prisão por entender que Pereira pode voltar a derrubar a mata.
INVESTIGAÇÃO
Enquanto o processo é conduzido, Ministério Público e Ibama investigam a possível participação de sócios de Zezinho, inclusive de pessoas poderosas da região, no desmatamento registrado em Altamira.
Apesar de não divulgarem nomes, a reportagem do Estado apurou, com fontes diferentes, que um dos envolvidos seria o deputado estadual Luiz Afonso Sefer, líder do PFL na Assembléia Legislativa do Pará. As fontes, que pediram para não serem identificadas com medo de represálias, sugerem que Zezinho não teria capital suficiente para a empreitada e que a parceria entre os dois seria bastante conhecida na Terra do Meio. O deputado foi procurado para comentar a acusação, por meio de um assessor, mas não respondeu aos pedidos de entrevista até as 20 horas de ontem.
O presidente da Associação dos Agricultores da Colônia Fernando Velasco, Noeci Batista Gama, que atua na região, duvida também que Zezinho tivesse conhecimento técnico suficiente para conduzir uma derrubada tão extensa. "Não tenho como afirmar que existe uma ligação entre os dois, mas normalmente existe uma pessoa que cuida da fazenda e outra que banca", afirmou.
Para derrubar 6.852 hectares apenas em 2005, foram necessários de 45 a 50 homens, que colocaram as motosserras para funcionar durante cinco meses em pleno "inverno amazônico", a estação de chuvas que começa em outubro e termina em maio. A época foi escolhida para escapar da fiscalização do Ibama, que só atua na região durante a época da seca, de junho a outubro, quando tradicionalmente ocorria a ação dos desmatadores. "Eles agora estão adiantando as atividades para fugir. Quando chegamos, o estrago já foi feito", explica o engenheiro florestal Norberto Neves, do Ibama, que realizou a vistoria dos danos ambientais.
A "fazenda" recebeu o nome de JD e LA - coincidentemente, as iniciais dos dois primeiros nomes de José Dias Pereira e Luiz Afonso Sefer. Na sede, escondidos no meio do mato, existem mais de 200 mil metros de arame para cercar a área, além de combustível para tratores, motosserras e aviões, usados para espalhar sementes de pasto.
Pereira quer levar 8 mil cabeças de gado. Uma ninharia, diz, quando comparado a outros fazendeiros da região. "E a crise deu uma freada no desmatamento. Tinha uma área até maior", afirmou durante o depoimento em Santarém. As sementes já foram espalhadas, apesar da prisão de Zezinho. Seu filho, Joel, também citado no processo, porém respondendo em liberdade, espera em uma sede da "fazenda" a seqüência de chuva e calor que faz a planta brotar. Em alguns meses, a Terra do Meio terá mais 8.900 hectares de pasto.
Com naturalidade, Joel admite que nem ele nem o pai possuem títulos da terra, somente um contrato assinado por uma mulher chamada Márcia, cujo sobrenome ele desconhecia. O documento, afirmou, estava em Ourilândia. Segundo Montiel, existem cartórios na região que emitem contratos frios.
Uma equipe de fiscais do Ibama, apoiada pelo Exército, permanece na região até o fim do mês - isso se houver substitutos dispostos para a equipe atual, que fica 15 dias em campo, no acampamento militar.
Ainda é cedo para saber se o governo conseguirá transformar Zezinho em um exemplo da luta contra o desmatamento. Por enquanto, ele é uma perfeita amostragem de como a ilegalidade movimenta a Terra do Meio, com grilagem, derrubada indiscriminada de árvores, tráfico de interesses e desprezo pelas instâncias oficiais e pela floresta amazônica.

OESP, 18/09/2005, Vida, p. A26

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