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O inimigo da praia

O Globo, Ciência, p. 36
30 de Jul de 2010

O inimigo da praia
Aquecimento global ameaça mudar contorno do litoral do Rio, diz estudo da UFRJ

Renato Grandelle

As mudanças climáticas ameaçam as praias cariocas, de acordo com um estudo apresentado esta semana na reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O aumento da temperatura, a mudança nos padrões de vento e a crescente erosão estão entre os fatores que podem transformar a orla do Rio nas próximas décadas. Desastres já ocorridos no litoral, como grandes ressacas, também poderão ocorrer com mais frequência.

Segundo projeções realizadas pelo geógrafo e geólogo Dieter Muehe, da UFRJ, o nível do mar poderia aumentar até 50 centímetros. Esta elevação, de acordo com Dieter Muehe, resultaria em um amplo recuo da linha costeira. Trata-se de um espaço que deveria ser preenchido por sedimentos, mas eles não têm chegado como deveriam à praia - seja pela mudança dos ventos, seja pela construção de barragens, que dificultam o contato daquelas áreas com os rios.

Com os sedimentos necessários, a praia ocupa o espaço extra - e, assim, garante sua existência em um ponto mais para dentro da costa. Caso contrário, ela desaparece.

E, na falta dela, a erosão provoca estragos ainda mais acentuados.

- A reação ao aquecimento global é a erosão e o aumento das tempestades, em frequência e intensidade - alerta Muehe. - O mar mais quente facilita a formação de ciclones extratropicais, que afetam principalmente as regiões Sul e Sudeste.

Além dessas tempestades, há, também, uma mudança na direção do vento. Aí, certos locais vão ganhar muito mais areia do que outros.

Para entender esta diferença, basta conferir os efeitos do El Niño no Arpoador.

- O El Niño, assim como o aquecimento global, provoca uma mudança na circulação de ventos na atmosfera - explica Paulo Cesar Rosman, oceanógrafo da Coppe/UFRJ. - As ondas que chegam às praias assumem direções diferentes do normal. O transporte de areia fica desigual e a praia muda o seu molde. No fim do inverno, o Arpoador costuma ficar com uma extensa faixa de areia. Agora, porém, quase não há areia por ali.

Com o Arpoador quase sem areia, o paredão fica exposto à batida das ondas e a tempestades - que, por sinal, serão mais frequentes nas próximas décadas, segundo as projeções climáticas.

- A melhor proteção para um lado da praia cai, expondo a fragilidade com que foi montada a área urbana - lamenta Rosman. - As cidades litorâneas de todo o mundo são vulneráveis. Construir uma avenida atrás da praia restringe a capacidade daquele ambiente de se adaptar.
Já existem formas de reduzir danos
De acordo com Rosman, procurar atualmente os efeitos das mudanças climáticas na orla é "como tentar ouvir um assovio numa festa de carnaval". As alterações são sutis demais para serem vistas.

- Mas é importante ressaltar que, se as ondas chegam com uma direção de 2 ou 3 graus diferente do comum, já é o suficiente para mudar toda a angulação da praia - pondera. - O aumento do nível do mar também ocorrerá de uma forma muito suave e lenta, e não a uma taxa constante.

O estrago causado pelos ventos também tem solução, inclusive já aplicada em Copacabana. É possível compensar os efeitos da erosão costeira ocupando aquela área com areia de outra praia, de características semelhantes. A técnica é cara, embora mais prática do que fazer obras de contenção do mar.

A reposição de areia é uma das estratégias de proteção costeira que podem ser aplicadas pelas prefeituras. O ideal, diz Muehe, é facilitar a ligação da praia às fontes de sedimentos:
- Em Cabo Frio, já houve erosão que provocou o recuo da linha da costa. Estes acontecimentos podem culminar, daqui a 50 ou 100 anos, em riscos para construções litorâneas. Maricá também sofreu transformações visíveis com ressacas.

O Globo, 30/07/2010, Ciência, p. 36

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