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O índio e o Direito Penal

Dourados Agora - www.douradosagora.com.br
Autor: José Carlos de Oliveira Robaldo*
06 de Nov de 2008

A discussão quanto à possibilidade de o índio responder penalmente pela eventual prática de crime, em face do entendimento da doutrina (comentários de juristas) e da jurisprudência (reiteração de julgados pelos tribunais), está superada. Isso porque somente está isento de sanção penal o indígena inadaptado, isto é, aquele que, pelas circunstâncias em que vive, não assimilou a cultura do não-índio, portanto os demais, salvo por doença mental etc, são plenamente responsáveis para o Direito Penal. Logo, respondem pelos seus atos como outro qualquer. A responsabilidade penal, portanto, não se confunde com a responsabilidade civil, onde o silvícola é considerado relativamente capaz e, por isso, é tutelado pela FUNAI.

Aliás, na época em que fui Promotor de Justiça, em diversas comarcas do interior do Estado por onde atuei, enfrentei calorosos debates no tribunal do júri sobre a matéria, pois era comum a defesa do índio acusado da prática do crime de homicídio consumado ou tentado, que era feita por advogado representante da FUNAI, defender a hipótese da inimputabilidade penal (não responsabilização) pela simples condição de indígena. Tal tese, por óbvio, era rechaçada pelos jurados. O indígena brasileiro, no geral, está integrado à cultura do não-índio, por isso ele tem condições de distinguir o certo do errado e de agir conforme esse entendimento. Assim, em matéria penal, ele não pode ter tratamento diferenciado, salvo em relação à execução da pena, devido às suas peculiaridades.

O ponto, entretanto, que demandou acirradas controvérsias, mas que atualmente já está pacificado pela jurisprudência, diz respeito à competência para julgar os casos em que há indígena como autor ou como vítima de crimes, se da Justiça Estadual ou Federal.

Dadas às inúmeras discussões existentes sobre o tema relacionado com a competência, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 1995, por meio da Súmula 140 determinou que compete à Justiça comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima.

A Constituição Federal, em seu art. 109, XI, prescreve que cabe à Justiça Federal apreciar "a disputa sobre direitos indígenas", o que, aparentemente, conflita com o teor da Súmula 140, acima mencionada.

Esse conflito, entretanto, é somente aparente, mesmo porque, caso existisse, prevaleceria o mandamento constitucional. O divisor de águas nessa questão está na natureza da controvérsia, isto é, se se trata de direitos indígenas ou não.
Sobre o tema, o STF, sob a relatoria do Min. Celso de Mello, decidiu que a Constituição promulgada em 1988 introduziu nova regra de competência, ampliando a esfera de atribuição jurisdicionais da Justiça Federal, que se acha, agora, investida de poder para também apreciar a "disputa sobre direitos indígenas" (CF, art. 109, XI). Essa regra de competência jurisdicional - que traduz expressiva inovação da Carta Política de l988 - impõe o deslocamento, para o âmbito de cognição da Justiça Federal, de todas as controvérsias que, versando a questão dos direitos indígenas, venham a ser suscitadas em função de situações específicas. A disputa pela posse permanente e pela riqueza das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios constitui o núcleo fundamental da questão indígena no Brasil. A competência jurisdicional para dirimir controvérsias pertinentes aos direitos indígenas pertence à Justiça Federal comum (RE 183.188). Esse entendimento foi seguido por diversas decisões do STJ.

Aparentemente, esses fatos estavam longe da realidade sul-mato-grossense. Entretanto, recentemente, um processo envolvendo indígena acusado da prática de vários crimes (tentativa de homicídio, extorsão, seqüestro e cárcere privado, lesão corporal, formação de quadrilha e corrupção de menores) praticados na comarca de Amambai-MS e que estava em curso na justiça comum daquela localidade, por determinação do STJ, em face do que dispõe a norma do art. 109, XI (envolvendo questões de terra), da CF, acima mencionado, foi deslocado para a Primeira Vara da Justiça Federal de Ponta Porã-MS, a quem caberá o processamento e julgamento, não se aplicando, com efeito, a Súmula 140.
O Direito, como as demais ciências, tem suas peculiaridades, daí a necessidade da sua interpretação para ser bem aplicado ao caso concreto.

*Procurador de Justiça aposentado. Mestres em Direito Penal pela Universidade Estadual Paulista-UNESP. Professor universitário. Representante do sistema de ensino telepresencial LFG, em MS. E-mail: jc.robaldo@terra.com.br

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