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O impasse da questão indígena

JT, Editoriais, p. A3
28 de Jan de 2004

O impasse da questão indígena

Ao suspender a reintegração de posse que havia sido ordenada pela Justiça Federal em favor dos proprietários das 14 fazendas ocupadas por 4 mil caoivás-guaranis, na região de Japorã, em Mato Grosso do Sul, a desembargadora Consuelo Yoshida, do Tribunal Regional Federal, indiretamente reconheceu que o conflito não tem mais condições de ser resolvido no plano jurídico. Segundo ela, diante da animosidade entre indígenas e proprietários rurais, a reintegração poderia ter um desfecho trágico.

"Não se trata de um conflito possessório qualquer, a ser resolvido pela simples aplicação do Código Civil", afirmou a desembargadora, reconhecendo, na prática, que o caso só poderá ser equacionado por via política. Mas, como não há possibilidade nenhuma de uma negociação entre as partes, pois os caiovás-guaranis interpretaram essa decisão judicial como uma vitória e vários produtores estariam dispostos a agir por conta própria, sob a acusação de que os índios estariam destruindo lavouras e roubando gado, o próprio prefeito de Japorã reconhece ser impossível evitar o confronto.

O mais grave é que as duas partes estão com a razão. Pelo Código Civil, os fazendeiros têm direito líquido e certo às fazendas e base legal para assegurar a reintegração da posse do que é seu por via judicial. Pela Constituição, os caiovás-guaranis têm o "direito originário" sobre suas "terras tradicionais" e os antropólogos da Funai comprovaram que a área em litígio já pertenceu a seus antepassados.

Diante desse impasse entre um direito originário que remonta ao período anterior à descoberta do País e o direito positivo constituído com a formação do Estado nacional, como a Justiça e a União devem agir? A saída prevista pelo legislador é a desapropriação das fazendas, com a indenização dos proprietários pelas benfeitorias, como colhedeiras, lavoura e gado. Mas, como Japorã se destaca pelo alto grau de produtividade no cultivo da soja e na pecuária de corte, suas terras, ao contrário do que ocorre em Roraima, têm alto valor de mercado.

É por isso que nenhuma das partes aceita fazer concessão alguma. O hectare para pastagens custa R$ 2,5 mil e o coberto por soja vale R$ 5 mil. Como os caiovás-guaranis pleiteiam a posse de 9,6 mil hectares, a União não tem dinheiro suficiente para indenizar as benfeitorias e os fazendeiros se negam a sair no prejuízo, após investirem na aquisição e na exploração das propriedades.

Sem uma solução judicial para o caso, a saída que resta às autoridades é tentar um acordo no plano financeiro, com todo o custo que isso possa acarretar para o Tesouro. Sem esse acordo, o confronto latente em Japorã pode explodir numa carnificina.

JT, 28/01/2004, Editoriais, p. A3

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