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O impacto ambiental de Lula

OESP, Vida, p. A18
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
14 de Abr de 2005

O impacto ambiental de Lula

Marcos Sá Corrêa

Lula lá - ou seja, na África - e nós aqui, medindo sem querer o impacto ambiental de seu governo. O balanço sai quase por acaso, como se estivesse envergonhado entrar na conversa de quem estava em Brasília esta semana para falar bem de seu próprio trabalho e não para falar mal do trabalho alheio. Numa reunião de militantes, mas daqueles que sempre acham possível fazer alguma coisa. O que menos se via na mesa é gente acostumada a pôr a boca no trombone em campanha de protesto. E, mesmo assim, o que mais se ouvia brotar de seus relatos eram denúncias feitas de má-vontade, soando como se fossem o enunciado dos problemas que cada um estava ali para resolver.
Na Amazônia, por exemplo, o contrabando de peixes ornamentais está crescendo tanto, por falta de autoridades dispostas a fiscalizar o tráfico de animais silvestres, que a concorrência já atravanca a tarefa dos pesquisadores de espécies nativas. Em outros lugares, revolvidas pela febre de nomeações no começo do mandato e de lá para cá entregues ao deus-dará dos cortes orçamentários, as unidades federais de conservação andam caindo aos pedaços. Em Mato Grosso, o governador Blairo Maggi continua a abrir passagem para a soja através dos parques e das reservas estaduais, alegando que elas são um obstáculo ao desenvolvimento.
Etc. Não dá para citar uma a uma. São histórias modestas, sem vocação para manchete. Levam muito tempo para sair dos cafundós onde residem para chegar tarde demais ao noticiário nacional, geralmente ocupado com as futricas de Brasília e as crises cotidianas que o País considera à altura de sua atenção. Como a última safra de usinas hidrelétricas, que está em toda parte. Turbinados pelo apagão de 2001, passaram projetos feitos às pressas, embrulhados em números capengas e relatórios de impacto ambiental cujos textos saíram daquelas teclas providenciais que copiam de um documento e colam no outro o que está na tela do computador. E, agora que os brasileiros estão pensando em outra coisa, essas barragens pipocam da noite para o dia como fatos na vida de populações interioranas, expropriando matas, rios, cachoeiras e outras prerrogativas locais em nome de prioridades remotas.
De longe, é fácil dizer que o progresso é assim mesmo, rápido e rasteiro. Mas, de perto, cada história dessas, por menos importante que pareça, forma um painel de anarquia ambiental que acaba espetado na conta do governo Lula, para não falar na folha corrida da ministra do Meio Ambiente. Ecologista tem fama de chato. E merece a reputação, ao agir como vítima de hipocondria cósmica ou fanático de seita milenarista, pregando o fim do mundo pelo catecismo da mudança climática. Esse tipo de choradeira todo mundo tem o direito de fingir que não ouviu.
Mas quando são os otimistas de sempre que começam a se queixar, aí é sério. Tratam-se em grande medida de eleitores de Lula. Há entre eles muitos devotos, devotos que não batem prego no governo sem antes encher de estopa a biografia de Marina Silva. Tocam, da mão para a boca, ONGs que dependem de doações e os patrocinadores raramente gostam de apostar dinheiro em rinhas onde se briga com o governo. Se nem eles conseguem engolir os resmungos contra a política ambiental em vigor é porque ela já deixou de ser propriamente uma política para virar um bicho diferente, produto do cruzamento do populismo com negócios mal contados, do autoritarismo com a falta de autoridade pública e do Fome Zero com a vontade de comer.

Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco (www.oeco.com.br )

OESP, 14/04/2005, Vida, p. A18

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