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O golpe do Baú

Amigos da Terra-Amazonia.org.br-São Paulo-SP
14 de Out de 2003

O governo federal cortou 317 mil hectares da Terra Indígena do Baú, habitada por um grupo de índios Kayapó, no sul do Estado do Pará. A decisão foi negociada com a participação dos próprios índios, que conseguiram resguardar o que mais lhes interessava, isto é o acesso à margem esquerda do Rio Curuá, que ficará protegida por uma faixa de 3 km de largura. Há dúvidas sobre a legitimidade do processo e o fato que possa representar um precedente de venda disfarçada de terras por parte dos índios. Porém, por atender os interesses legítimos da população indígena e pôr fim a um conflito, a decisão pode ser considerada aceitável.

Mas uma pergunta fundamental fica sem resposta: o que vai ocorrer com esses 317 mil hectares que - indígenas ou não - eram e continuam terras da União? A redução da TI não veio acompanhada por qualquer determinação a respeito do destino dessa região, já fortemente ameaçada. É portanto legítima a preocupação em relação a algum tipo de omissão, ou até mesmo anuência, quanto a ocupação ilegal e grilagem que ali ocorrem. O Poder Público está ciente desta situação, pois sem isso não teriam ocorrido as pressões que levaram à necessidade de negociação. A política do reconhecimento do fato consumado, após o recente exemplo dos agricultores gaúchos que usaram sementes transgênicas contrabandeadas, pode agora ter no Pará mais um desdobramento, implícito ou explícito.

A área cortada é muito próxima da BR-163, estrada que de acordo com o novo PPA será logo pavimentada: com a chegada do asfalto, o preço dessas terras está preste a aumentar de forma significativa. Em toda a região abundam posses de pequenos ocupantes dos anos 70 - algumas legítimas, a grande maioria forjada - que normalmente são revendidas por especuladores e colonizadoras. Qual a postura do Poder Público frente a este cenário, em uma região onde o Estado - apesar de ali planejar ambiciosos corredores do transporte globalizado - simplesmente nunca chegou? Trata-se de um problema que já existe ao longo de toda a estrada e que agora assume nova dimensão. Enquanto - inclusive dentro do governo - muitos defendem que ao longo da BR-163 deveria ser criado um verdadeiro mosaico de unidades de conservação, de forma a impedir a colonização de sua área de abrangência, a única unidade que existia até agora sumiu, injetando assim no mercado da grilagem uma faixa de aproximadamente 150km de cumprimento e 20km de largura.

Negociar o acordo com os índios foi portanto a tarefa mais fácil. Para eles, o que vai agora ocorrer com a área é mera briga de branco. Ao deixar de sinalizar o destino que dará a essas terras, o governo levanta a suspeita de que negociou em nome de pretensos ocupantes. E está claro que tais pretensos ocupantes apenas desejam dar um belo golpe do baú no patrimônio da União.

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