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O futuro da produção de alimentos

OESP, Espaço Aberto, p. A2
Autor: KLOTZ, Edmundo
17 de Jul de 2008

O futuro da produção de alimentos

Edmundo Klotz

A produção industrial de alimentos no Brasil cresceu 4,55% nos últimos 12 meses encerrados em maio e as vendas reais subiram 2,58% em maio, na mesma comparação. A tendência é a de o setor fechar o ano com as vendas reais e a produção física com desempenho equilibrado nas duas contas, em torno de 4,5% acima do ocorrido em 2007. Esses números talvez já sejam suficientes para demonstrar que não houve descompasso entre a oferta e a demanda, e também que não houve uma aceleração dos preços em razão da falta de produtos ao consumidor. A inflação tem outras causas.

A indústria de alimentos instalada no País traçou o cenário e fez o dever de casa. Investiu R$ 104,8 bilhões em dez anos (incluindo as estimativas para 2008), ampliando a base de produção, tanto que não houve estrangulamento da capacidade instalada. Ao contrário, a ocupação de sua planta industrial foi menor no período até maio de 2008, 71,76%, do que em 2007, quando chegou à média de 75,3% no ano. Havia e há espaço para ampliar a oferta, embora isso não signifique uma queda automática dos preços, já que a inflação vem de fora, da alta do petróleo, do aumento dos tributos, das commodities e dos insumos que afetam os custos do setor (embalagens, fretes).

O diagnóstico está feito. O desafio do setor brasileiro, agora, reconhecem todos, governo, analistas e empresários, é produzir mais. Tanto para abastecer o mercado interno e evitar que a inflação importada atrapalhe o ciclo virtuoso de crescimento da economia, como também para ajudar a arrefecer a inflação global. É um momento precioso para o Brasil ratificar o seu papel como um dos poucos países com capacidade para elevar a produção de alimentos e se firmar como provedor mundial.

O cenário atual se desenhou sobre o fundo da alta do consumo mundial de alimentos, marcada principalmente pela participação, a cada dia mais acentuada, dos países asiáticos e outros emergentes no mercado consumidor, contribuindo para aumentar a demanda por soja, arroz, trigo, milho, itens fundamentais na produção de derivados para a alimentação e de ração para todo tipo de produção animal em escala.

A polêmica sobre os biocombustíveis se insere nesse quadro, porque sua produção estaria contribuindo para reduzir as áreas destinadas ao plantio de alimentos. Desde logo se viu que o etanol brasileiro, derivado da cana-de-açúcar, não afeta o mercado de commodities agrícolas, diferentemente do etanol norte-americano, produzido a partir do milho.

No período em que se iniciou a alta de preços de alimentos no mercado interno, o dique dos custos das commodities já se havia rompido mundo afora. No ano passado, os preços internacionais subiram mais de 50%. Esse aumento bateu no mercado brasileiro ainda no final de 2007 e se tornou maior pouco depois, a partir do início deste ano, em plena safra, quando se esperava que os preços fossem cair.

Essa conjuntura internacional não afetou a entrega de produtos no mercado brasileiro, mas elevou os preços das principais matérias-primas. Alguns países contingenciaram a exportação de suas commodities, como a vizinha Argentina, que proibiu a exportação de trigo e outros grãos, estrangulando ainda mais a oferta e obrigando a indústria brasileira a comprar em mercados mais distantes, com custos maiores.

Petróleo e seus derivados, de fertilizantes a embalagens, tudo continuou a subir, influenciando os preços dos alimentos e pressionando toda a cadeia produtiva. Os preços dos fretes dispararam em função do petróleo, este transformado em refúgio diante das incertezas da economia norte-americana, que debilitam o dólar. A opção clara foi manter a produção e a oferta, ainda que fosse impossível não repassar parte desses custos aos preços.

A primeira decisão do Banco Central aos sinais de pressão inflacionária foi elevar os juros. Mas em seguida o governo reagiu à inflação importada, decidindo utilizar os estoques de arroz, reduzir a taxação sobre o trigo e anunciar mais investimentos para a produção agrícola. Outro fator que preocupa o governo é a alta dos preços dos fertilizantes, já que o Brasil é importador de mais de 50% do que consome.

A mudança de direção na avaliação do governo coincide com o cenário traçado há tempo pelos empresários. E há muito que fazer. Em 2007, o setor exportou US$ 26 bilhões em alimentos processados (sem as commodities). E foi responsável por cerca de US$ 23 bilhões do superávit da balança comercial (importou menos de US$ 3 bilhões), ou perto de 60% do superávit total do País, de US$ 40,039 bilhões no ano.

Se quiser manter sua performance no mercado internacional, o Brasil terá de construir urgentemente uma alternativa para a questão cambial, que corrói os esforços de exportação, e cuidar do fornecimento ao mercado interno com sabedoria, por exemplo, deixando de taxar os produtos da cesta básica. Terá de enfrentar o desafio de escolher entre a adoção de novas tecnologias, apesar de contestadas, ou optar por ampliar as áreas de plantio, ou as duas coisas. São questões controvertidas, mas terão de ser discutidas. São temas que os preservacionistas mantêm em foco, como se a meta de produzir mais alimentos e atender a mais pessoas fosse causa menos nobre. Governo e sociedade terão de chegar a um acordo sobre o caminho a trilhar. Mesmo porque as obras de infra-estrutura precisam avançar em todas as áreas para garantir a oferta e o fluxo de matérias-primas para a indústria. Sem o aumento da oferta de matérias-primas não haverá comida para todos. O setor de alimentos está pronto para esses desafios e para se manter entre os maiores produtores do mundo. Precisa, para isso, de tempo e dos instrumentos de adequação.

Edmundo Klotz, engenheiro, é presidente da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia)

OESP, 17/07/2008, Espaço Aberto, p. A2

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