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O futuro da Amazônia é o nosso futuro

FSP, Tendência/Debates, p. A3
Autor: KLABIN, Israel; RICUPERO, Rubens; REICHSTUL, Philippe; MARQUES, Maria Silvia B.
05 de Jun de 2005

O futuro da Amazônia é o nosso futuro

Israel Klabin, Rubens Ricupero, Philippe Reichstul, Maria Silvia B. Marques

Os últimos dados sobre a taxa de desmatamento da Amazônia indicam claramente que o Brasil perderá em curto prazo o grande ativo de que ainda dispõe no mundo globalizado: a maior floresta tropical do planeta.
Por ser um dos grandes ecossistemas do planeta, se não o maior, a Amazônia está diretamente ligada ao problema das mudanças climáticas. A posse desse enorme potencial econômico de uso sustentável de recursos não-madeiráveis e de geração de energias limpas representa uma vantagem, mas também uma responsabilidade e um risco. Não podemos esquecer que os efeitos climáticos da Amazônia são globais e que, em conseqüência, a preocupação sobre o desmatamento e as mudanças climáticas fazem parte de uma agenda global.
Portanto, se há pouco tempo a Amazônia era o grande ativo nas nossas negociações internacionais, provavelmente já começa a ser um passivo. Alguns pontos sobressaem quanto à necessidade, por parte do governo, de implementação das legislações já existentes:
1) A falta de prioridade efetiva da alocação de recursos e de formação de uma estratégia com relação ao desmatamento da Amazônia. O governo nega que isso seja verdade e sustenta que a simples exação de decretos e leis ou do atual plano contra o desmatamento encerra a garantia de que eles sejam cumpridos. Bastaria o governo se comprometer seriamente com o que ele próprio propõe que a situação seria outra. Sem recursos disponíveis, a declaração de prioridade passa a ser uma mistificação.
2)A falta de uso de ferramentas disponíveis para monitoramento e intervenção em tempo real de ações predatórias. O sistema Sivam/Sipam, que custou ao país quase 3 bilhões de dólares e cuja função fundamental era a produção de um banco de dados com acesso público sobre a realidade socioambiental da Amazônia, encontra-se com a sua eficiência reduzida na formação de políticas públicas nas áreas econômica, social e ambiental. Esse sistema não vem funcionando, seja por motivos políticos, seja por incapacidade técnica.
3)É óbvio que a vocação natural da bacia amazônica em matéria de transporte é hidroviária. A maior parte da depredação de origem humana, nos últimos 30 anos, foi conseqüência de estratégias de desenvolvimentos errôneas, que deram ênfase à abertura de rodovias e à exploração predatória de recursos naturais. Em torno dessas rodovias (Belém-Brasília, Transamazônica, Cuiabá-Porto Velho), formaram-se as grandes acumulações de miséria das populações que para lá se dirigiram, com esperança de uma proposta de desenvolvimento que nunca aconteceu. E isso continua agora com o projeto da BR-163, ligando Cuiabá a Santarém.
4)A falta de prioridade quanto ao potencial que representa para o Brasil o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) levou-nos a privilegiar na nossa política externa assuntos de somenos importância. A base da implementação eficiente do TCA passa necessariamente pela formação de uma agenda comum com os outros seis países que compõem a grande Amazônia. O Brasil já sedia a secretaria do TCA; já tem a ferramenta fundamental para um planejamento estratégico conjunto, que é o Sivam/Sipam; já dispõe de tecnologias para formatação de políticas socioambientais de desenvolvimento da Amazônia. No entanto, nada disso é utilizado.
5)Vem o governo ignorando, em sua estratégia econômica e social, que já existem 620.000 km2 de área desmatada, ou seja, 17% da área de floresta densa da Amazônia Legal brasileira disponíveis para uma verdadeira revolução organizada e eficiente, visando a uma ocupação e reforma agrária que viriam a ser um dos trunfos de um governo consciente e conseqüente no que tange aos seus projetos de desenvolvimento econômico, ambiental e social.
Até poucos anos atrás, o Brasil era responsável por uma porcentagem desprezível do total de emissões de gases de efeito estufa do planeta. Porém, nos últimos quatro anos, as emissões brasileiras aumentaram geometricamente, atingindo proporções preocupantes devido às taxas desenfreadas de desmatamento. As conseqüências disso são de extrema gravidade, não apenas com relação ao impacto ambiental global mas também devido à eventual perda de classificação do Brasil entre países não-Anexo 1 do Protocolo de Kyoto. Isso quer dizer que o Brasil poderá perder, em pouco tempo, o seu potencial de receber recursos ponderáveis oriundos de créditos de carbono, seja pelo Protocolo de Kyoto ou por qualquer outro instrumento internacional criado para redução das emissões e do efeito estufa.
Como disse José Goldemberg, no ano que vem, possivelmente, ao sermos questionados sobre a problemática da Amazônia, as nossas respostas ainda serão as mesmas e a situação de desmatamento terá proporções ainda maiores.

Israel Klabin, 78, engenheiro, é presidente da FBDS (Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável). Foi prefeito do Rio de Janeiro de 1979 a 1983. Rubens Ricupero, 68, é membro do conselho da FBDS. Foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Henri Philippe Reichstul, 51, economista, é membro do conselho da FBDS. Foi presidente da Petrobrás e secretário-geral do ministério do Planejamento (1986-87). Maria Silvia Bastos Marques, 48, economista, é membro do conselho da FBDS. Foi presidente da Companhia Siderúrgica Nacional.

FSP, 05/06/2005, Tendência/Debates, p. A3

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