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O fim de um povo paranaense

Gazeta do Povo-Curitiba-PR
Autor: Guilherme Voitch
07 de Mar de 2005

Pesquisadores procuram por xetás perdidos

Documentos dos anos 50 já falavam de índios levados em caminhões, sem destino conhecido

Embora todos os documentos oficiais sobre os xetás falem em apenas oito remanescentes, pesquisadores trabalham com a hipótese de haver ainda um grupo de índios "perdidos" vivendo em cidades, misturados aos brancos, sem contato com outros de seu grupo nem com as autoridades ligadas à causa indígena. Esses xetás isolados podem não ter a menor idéia de sua origem ou, talvez, pensem que seu povo já está extinto.

A maneira como se deu a incorporação dos xetás às comunidades brancas faz com que essas hipóteses façam muto sentido. Seus primeiros contatos não foram intermediados por indigenistas, mas vinculados diretamente a agricultores e colonizadores do Noroeste do Paraná. Menos de quatro anos após o primeiro contato, em 1958, um ofício encaminhado pelo antropólogo José Loureiro Fernandes, da Universidade do Paraná, dá uma amostra de como isso acontecia. Pelo documento, ele informava ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI) que caminhões da Companhia Brasileira de Colonização e Imigração (Cobrimco), empresa que atuava com loteamento de terras na Serra dos Dourados, teriam sido avistados, pelo menos duas vezes, conduzindo índios para fora de sua região. "Qual o destino?", indagava. "Nada se sabe. Ninguém ao que parece, tentou averiguar."

Nas histórias dos sobreviventes, dos sertanistas e antropólogos que estudaram e acompanharam o povo, são várias as menções a filhos levados dos pais e de famílias xetás separadas propositalmente. Em muitos casos, tratava-se de gente bem intencionada. "Os brancos encontravam os pequenos no mato e achavam que estavam perdidos. Mas, como os próprios sobreviventes afirmam, índio não se perde. Havia também quem tirasse as crianças dos braços do pai, sob o pretexto de estar civilizando os xetás", diz a antropóloga Carmen Lúcia da Silva, pesquisadora da UFPR especialista no povo xetá. Na outra ponta, estão posseiros e funcionários ligados às companhias colonizadoras da região que atuavam com a intenção de desestruturar os xetás, como consta no relato de Loureiro.

Assim, os estudiosos nunca tiveram como mapear com certeza o destino de todos os xetás. Em seus levantamentos, Carmem trabalha com a idéia de que existam, pelo menos, mais quatro xetás. Dois seriam irmãos, e as pistas indicam que eles poderiam estar trabalhando em fazendas na região de Maringá e no estado de Goiás. Um outro menino, provavelmente primo de Tuca, foi tirado da mãe por um frade da Ordem dos Capuchinhos em 1956, nas imediações da fazenda Santa Rosa. O menino recebeu o nome de Natal e foi colocado em um colégio de freiras em Cruzeiro do Oeste, onde
ficou até 1960.

Há registros ainda de uma menina, que recebeu o nome de Thiara Marques e foi levada por brancos para Campo Mourão. De acordo com os dados de Carmem, Thiara teria sido estuprada pelo filho do casal que a adotou e então foi entregue à dona de um prostíbulo da região. Carmem ainda tem registros de uma passagem dela pela penitenciária Feminina de Piraquara, por crime de homicídio, em 1979. Thiara teria saído da penitenciária em 1983 e depois disso não há mais informações sobre ela. O atual número um a encabeçar a lista de prováveis xetás é Osmar Bispo dos Santos, de trinta e poucos anos, conforme ele mesmo diz. Osmar vive há dez anos na reserva ecológica do Cambuí, perto da divisa entre Curitiba e São José dos Pinhais. Ele lembra pouca coisa de sua infância. Sua primeira memória é a de um menino tendo os pés lavados em algum lugar que lembra a rodoviária de uma cidade pequena. O menino é colocado num ônibus por uma mulher, provavelmente sua mãe. No trajeto, sente-se mal e é repreendido pelo motorista. Passa por várias cidades e acaba descendo em Curitiba, onde é recebido por policiais e levado a um orfanato.

A história de Osmar e sua aparência física chamaram a atenção de Indiamara e Indioara Luís Paraná, as filhas do sobrevivente Tuca Xetá que moram no Cambuí, e também de Edívio Batisteli, assessor especial para assuntos indígenas do governo do Paraná. Osmar deve ser apresentado a Tuca e à pesquisadora Carmen nas próximas semanas, mas, por enquanto evita falar sobre o assunto. "Quando estou na rua, trabalhando, dizem: ô índio faz isso, pega isso para mim. Quando tento prestar um vestibular aí com as cotas, dizem que não sou índio", queixa-se Osmar. Com o segundo grau cursado em São José dos Pinhais, ele pensa em estudar música ou produção sonora e faz bicos fazendo e vendendo velas e trabalhando com coleta de lixo no litoral paranaense.

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